Vinte minutos. Foi este o tempo que Ricardo Oliveira teve de esperar, na manhã desta terça-feira, para ver a sua chamada para a Saúde 24 atendida. Ainda assim, não teve sorte. “A minha mãe teve um episódio de urgência, liguei para o SNS 24 e demoram 20 minutos a atender, aliás nem atenderam… Portanto, vim diretamente para as urgências”.

Ricardo Oliveira “não estava a par da iniciativa” que arrancou esta terça-feira no Hospital São João no Porto. O projeto Ligue antes, Salve vidas que já integra 19 outros hospitais, chegou à cidade. A forma de funcionamento é simples: os utentes que se dirigem ao centro hospitalar têm primeiro de contactar a linha do SNS 24 e só depois, mediante a recomendação dada pelos profissionais, devem — ou não — dirigir-se às urgências.

Se não o tiverem feito, são aconselhados a ligar para o SNS 24. E  quem não tem telemóvel ou não tem saldo, por exemplo, para fazer uma chamada, ou por qualquer outra razão não consegue ligar? Há mesmo um telefone amarelo instalado à porta da urgência para que os doentes possam contactar o SNS 24 a partir dali, diretamente.

A partir desta terça-feira, as urgências do maior hospital do norte do país, só recebe utentes encaminhados pelo INEM, por centros de saúde ou pela linha SNS24.

Apesar de o conceito na teoria parecer simples, para Ricardo Oliveira o funcionamento eficaz parece ser um desafio. “Há falta de condições humanas e talvez técnicas, portanto é preciso ser resolvido. É precisa uma solução rápida e urgente”, explica ao Observador.

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Opinião contrária tem Ana Almeida. Natural do Porto, veio à urgência acompanhar a avó. Para a visita, não foi preciso o contacto prévio, uma vez que a doente foi encaminhada para o hospital. Ainda assim, Ana Almeida garante que vê com bons olhos o projeto. “Acho ótimo, porque há muita gente aqui que não precisava de vir para o hospital e concordo plenamente, acho que as pessoas têm de aderir a isto”, sublinha deixando a certeza de que da próxima vez que se dirigir ao hospital vai “sem dúvida” recorrer à linha telefónica.

Maria do Céu Silva é uma outra utente que aguarda na sala de espera do São João. Já usa “normalmente” a linha da Saúde 24, pelo que, o novo projeto não atrapalha as rotinas. E agora até tem uma novidade: o telefone amarelo à porta das urgências.

Embora Maria do Céu esteja familiarizada com a linha telefónica, não sabe se isso vai resolver ou trazer mais problemas. “Acho bem e por outro lado acho um bocado mal. Pelo que ouvi dizer, se não tivermos médico no nosso centro de saúde somos recambiados para outro. Eu sou da Maia, se me mandam para Matosinhos já tenho de estar a apanhar dois autocarros”, refuta.

Mas Maria do Céu não é única preocupada com o funcionamento da linha do SNS 24. Também o Sindicato Independente dos Médicos avisou que a marcação direta através do número está a fazer com que várias Unidades de Saúde Familiar (USF) estejam a agendar consultas para utentes não inscritos nas respetivas unidades. Repudiam por isso, o facto de o projeto “estar a pôr em causa o modelo das USF e as equipas que nelas trabalham”.

Questionada sobre estas declarações, a diretora do serviço de urgência do hospital São João, Cristina Marujo, reconhece que esta é uma realidade, mas que não era algo “previsto”. “Em termos da ULS São João iriam ser criadas unidades para receber doentes sem médico. E doentes sem médico não seriam inscritos nas USF como sendo doentes com médico, portanto esse doente era orientado para o centro de atendimento da Prelada”, explica ao Observador.

Sobre o funcionamento do projeto, Cristina Marujo realça que o objetivo é que “cada doente seja atendido no melhor sítio que o pode servir”. “Um hospital de fim de linha como é o nosso precisa de estar mais bem preparado para doentes mais graves e se perdermos algum tempo a tratar de doentes menos graves que podem ser tão bem tratados e com menos tempo de espera e já mais dirigidos para os seus médicos assistentes noutros locais, é isso que o projeto pretende”, sublinha.

A diretora do serviço de urgência destaca ainda que a “percentagem de doentes com pulseiras verdes e azuis — classificados como pouco ou não urgentes — nos adultos rondam os 30% e na pediatria rondam os 40%”, números que acredita que vão mudar com o novo projeto.

Foi o que aconteceu desde que o hospital São João começou a trabalhar em parceria com o Centro Clínico de Atendimento da Prelada (CAC), em agosto. “Estamos a conseguir mandar uma média de 36 a 40 doentes para lá. Parece pouco assim dizendo só o número, mas não é. É significativo”, acentua.

Também a diretora dos cuidados de saúde primários do hospital, Lígia Silva, acredita que a iniciativa vai “ajudar a libertar as urgências” e a preparar o hospital para o inverno.

“A ideia é que a porta de entrada seja o SNS 24 porque a intenção é que um doente que ligue e tenha um sintoma grave possa vir referenciado diretamente para a urgência. Nós queremos é que os doentes sejam colocados no sítio mais adequado”. Para responder às necessidades que possam advir do projeto Ligue antes, Salve vidas “foram disponibilizadas 250 vagas diárias” nos cuidados de saúde primários da ULS São João, adianta Lígia Silva.