Naquela que foi a primeira entrevista após o anúncio da candidatura a Belém, Ana Gomes criticou a independência de Marcelo Rebelo de Sousa no papel de Presidente da República ao afirmar que “há demasiado encosto do Presidente ao Governo e do Governo ao Presidente” e que “o presidente tem de estar acima dos partidos”.
Em entrevista à RTP3, a socialista disse que “jamais teria tolerado com um sorriso embaraçado ou cúmplice que um primeiro-ministro relançasse a minha recandidatura à Presidência da República”, recordando o momento em que António Costa praticamente deu como garantida a reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa numa visita à AutoEuropa em maio último.
Apesar de fazer “um balanço globalmente positivo” do mandato de Marcelo, nomeadamente face ao apoio ao Governo da geringonça, Ana Gomes não se coibiu de criticar o atual Presidente da República: “Cada macaco no seu galho, é preciso distinguir qual é o papel do Presidente e qual é o papel do Governo. (…) Vemos o presidente a comentar todos os dias tudo e mais alguma coisa, a espuma dos dias”. Referiu ainda que o dom da palavra não pode ser “banalizado” e insistiu que “não podemos ver o Presidente todos os dias a ter uma intervenção que é mais até de comentador de televisão. (…) É fundamental preservar o papel do Presidente e não o banalizar”.
Em entrevista, a ex-eurodeputada disse acreditar que pode ganhar as presidenciais numa segunda volta contra Marcelo Rebelo de Sousa. Considerando os dados da última sondagem, que a colocam à frente de André Ventura, Ana Gomes usou como exemplo as eleições que Mário Soares disputou com Freitas do Amaral, vencendo precisamente na segunda volta. Para ela, tanto Mário Soares como Jorge Sampaio são “a demonstração de que quando houve unidade fizemos a diferença. Quando o nosso campo político se dividiu, ou se desinteressou, foram eleitos presidentes da direita”.
“Esperei por uma posição do PS, ela não veio até agora”
Questionada sobre o porquê de considerar relevante que o Partido Socialista tenha um candidato às próximas eleições, Ana Gomes comentou que “as eleições para a presidência não podem ser desprezadas” e que não podem ser “postas atrás das eleições para um clube de futebol”. “Um grande partido como o PS não pode furtar-se nem ao debate político, ao confronto de alternativas para o país, nem a ter posição. Ter posição, no meu ponto de vista, é apoiar um candidato do seu partido ou da sua área política”, disse ainda.
Assegurando que esperou “por uma posição do PS”, a qual “não veio até agora”, Ana Gomes considerou que o “mais natural” é que o partido “dê liberdade de voto aos seus militantes”. “Aceito os votos de todos os democratas, da minha família política e de outros, não negoceio compromissos com ninguém. (…) Estou nesta corrida assumindo-me como socialista, mas sobretudo como democrata.”
Garantiu que, apesar “do silêncio público” do Partido Socialista, está a receber “inúmeras mensagens” de “distintos socialistas a declarar apoio”, incluindo o de Isabel Soares, filha de Mário Soares. Ainda assim, esta é uma candidatura “não partidária”, e sim “pessoal” tomada num “momento difícil da vida” — o marido e embaixador António Franco, que morreu em junho último, ajudou a socialista a tomar a decisão de concorrer à presidência da República. “Antes de morrer disse-me que eu tinha de fazer o que tinha de fazer nesta matéria.”
“Seria bom não misturar as responsabilidades políticas com o futebol”
Questionada sobre a polémica criada em torno da presença de António Costa na Comissão de Honra de Luís Filipe Vieira, Ana Gomes foi perentória: “Seria boa política não misturar as responsabilidades políticas com o futebol”, sobretudo num país onde há uma “promiscuidade” entre os negócios no futebol face ao poder político e a outros económicos. “Era de uma elementar prudência não haver qualquer mistura”, afirmou, para depois concluir: “Está mal e está particularmente mal quando se trata de um primeiro-ministro neste contexto”.
Agora no tema da corrupção, Ana Gomes admitiu que “os grandes partidos são obviamente os principais alvos de organizações de interesse” e que sempre foi uma “dessas vozes incómodas”. “Se incomodei ainda bem, fiz bem o meu trabalho.”
Sobre a crítica recorrente de que opta por um discurso populista, a socialista defendeu-se argumentado que é “uma pessoa que acredita firmemente nas instituições democráticas” e que, quando aponta o dedo, fá-lo para salvar essas mesmas instituições. “Os populistas, sobretudo os de extrema direita, são inimigos da democracia e do 25 de abril.”
Questionada sobre ter feito eventuais julgamentos em praça pública, pondo assim em causa o príncipio da inocência, Gomes disse que sempre o fez de forma fundamentada. “Fiz várias denúncias com as minha cara, não são anónimas, muitas vezes não foram seguidas.” Sobre Rui Pinto, disse que o papel dos denunciantes é “fundamental”. “Não estou a negar crimes que possam ter acontecido. O que tem de ser levado também em conta é o extraordinário serviço público que ele prestou. (…) Vejo muitos criminosos a passear por aí, e são vários, sem serem incomodados.”
Relativamente ao posicionamento na campanha face a André Ventura, Ana Gomes afirmou que é uma medalha de honra ser a candidata dos ciganos. “Quero ser a candidata dos ciganos, dos africanos, das pessoas de pele e de qualquer cor, dos gays, dos excluídos, das minorias. Ao mesmo tempo, quero ser a candidata de todos os portugueses.”