A associação cívica Transparência e Integridade apela para que o Banco de Portugal (BdP) divulgue os resultados das auditorias ao EuroBIC relacionadas com suspeitas de branqueamento de capitais, acusando o Governo português de “displicência” face a estas práticas ilegais.

Numa carta enviada esta terça-feira ao banco central, a Transparência e Integridade sustenta que a divulgação dos resultados das auditorias “é fundamental não apenas para avaliar a estrutura de compliance do EuroBIC, mas extraordinariamente relevante para instituir, com a máxima urgência, uma verdadeira discussão crítica sobre as vulnerabilidades do sistema financeiro português ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo (BC/FT)”.

Citada num comunicado, a diretora executiva da Transparência e Integridade manifesta “muita preocupação” com o facto de “a prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo no setor financeiro não ser uma prioridade para Portugal”.

O Governo parece adotar uma postura displicente, desde logo manifestada no atraso da transposição das últimas diretivas europeias sobre esta matéria, contemplando justamente o robustecimento das medidas que previnem a utilização dos bancos para práticas ilegais de branqueamento de capitais, e a implementação desastrosa do Registo Central do Beneficiário Efetivo”, considera Karina Carvalho.

“As entidades de supervisão, por seu lado, e o BdP em particular, preferem a passividade à proatividade, chutando os problemas decorrentes da falha de fiscalização capaz para os órgãos de investigação criminal e de Justiça, lavando as mãos como Pilatos. O caso Luanda Leaks é um exemplo paradigmático deste tipo de atuação”, acrescenta.

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Segundo a associação, passados mais de seis meses desde o anúncio do ex-governador do BdP, Carlos Costa, sobre a conclusão do relatório de inspeção ao EuroBIC, continua sem se “conhecer o modo como as operações suspeitas reportadas pelo caso Luanda Leaks foram tratadas pelo banco e qual o seguimento dado em termos de comunicação às autoridades”.

Carlos Costa disse aos deputados que as transferências suspeitas não têm de ser comunicadas ao BdP, mas à Unidade de Informação Financeira (UIF) da Polícia Judiciária, mas conhecer a sua existência e saber se o dever de comunicação à UIF foi ou não cumprido é fundamental para avaliar o sistema de prevenção do BC/FT que o BdP supervisiona”, considera a vice-presidente da Transparência e Integridade, também citada no comunicado.

Segundo Susana Coroado, o que se sabe até agora, “e que já foi reconhecido até pelo Parlamento Europeu, é que existem falhas graves”, tendo por isso os eurodeputados pedido “especificamente à Autoridade Bancária Europeia (EBA) uma investigação sobre o caso de Isabel dos Santos e o EuroBIC”.

“A Europa quer saber se existiram violações da legislação nacional ou da União Europeia e analisar as medidas tomadas pelos supervisores financeiros, e nós também. Mas em Portugal, como sempre e em quase tudo que diga respeito ao sistema financeiro e ao papel de regulação do BdP, empurramos com a barriga ou assobiamos para o lado”, lamenta.

Remetendo para as FinCEN Files — uma investigação publicada no domingo pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ), com base em relatórios de atividade suspeita (SARs) enviados à Financial Crimes Enforcement Network (FinCEN) do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos — a Transparência e Integridade diz ficar provado “que, ao longo de 18 anos, um conjunto de bancos movimentaram mais de 2.000 milhões de dólares norte-americanos [USD] em pagamentos que sinalizaram como suspeitos ou potencialmente fraudulentos, ao mesmo tempo que prometiam às autoridades de supervisão o reforço dos seus controlos internos de prevenção e combate ao branqueamento de capitais”.

De acordo com os jornalistas —  explica —  o dinheiro incluído nestas transferências serviu para financiar durante anos um conjunto massivo de atividades ilegais e criminosas, pelo que é sem surpresa que encontramos nos ficheiros o nome de Isabel dos Santos e do seu marido Sindika Dokolo, e, ainda mais sem surpresa, o EuroBIC, como um dos bancos que em Portugal facilitou a transferência de fundos suspeitos”.

Segundo os dados disponibilizados, o EuroBIC reportou à FinCEN 99 transações, sendo responsável pela transferência de 26.928.045 USD, só superado pelas instituições do universo BES (o BES sedeado no offshore da Madeira transferiu 56.319.000 USD em apenas duas operações).

Referindo-se a duas ações inspetivas do BdP ao EuroBIC —  a primeira em 2015 (e da qual terão resultado mais de 50 determinações e recomendações para reforço dos mecanismos de prevenção do BC/FT e identificada a necessidade de se proceder a uma auditoria externa para aferir do seu cumprimento) e uma segunda em novembro de 2019 – a associação questiona “que problemas foram detetados entretanto e quais os resultados de ambas as inspeções”.

“Tal informação é fundamental para perceber o que se passa no EuroBIC, e também sobre o papel desempenhado pelo sistema bancário português na facilitação de fluxos financeiros ilícitos, já ilustrado na investigação do Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP) destacada pelo Expresso sobre o modo como a elite angolana criou uma rede privada de bancos para transferir dinheiro para Portugal e para a União Europeia”, sustenta.