Kenzo Takada, designer japonês que se estabeleceu em França a partir da década de 60 e em nome próprio criou uma das mais conhecidas marcas mundiais de moda e perfumes, morreu neste domingo em Paris, vítima da covid-19, anunciou um porta-voz, citado pela imprensa francesa. Tinha 81 anos e estava internado no American Hospital of Paris. Desde 1999 que se tinha retirado da direção criativa da casa.
Kenzo Takada foi “o primeiro estilista japonês a impor-se em Paris”, escreveu o diário Le Monde. “Era reconhecível pelo rosto redondo, pelos óculos, pelo corte de cabelo ao vento, como um miúdo. Foi um eterno adolescente”, acrescentou o jornal.
Nascido a 27 de fevereiro de 1939 em Himeji, perto de Osaka, no Japão, era filho de gerentes de hotel e começou a trabalhar como designer em Tóquio, na revista Soen. Aos 21 anos, depois de uma breve viagem a Paris, decidiu fixar-se na capital francesa e encontrou emprego como desenhador industrial. Sempre se identificou como Kenzo, mas no princípio da carreira os parisienses chamavam-lhe “Jap”, em alusão a “japonês” — um apodo que o próprio reconhecia como depreciativo, mas que aceitou e depois lhes granjearia reconhecimento.
Reza a história que começou por montar uma pequena loja na Galerie Vivienne, perto da Ópera de Paris. O espaço estava decadente e ele transformou-o numa selva, com árvores e animais exóticos pintados nas paredes. A loja chamava-se precisamente Jungle Jap. Foi em 1970.
Em poucos meses, as peças desenhadas por Kenzo alcançaram êxito e ele mudou-se para outra zona, na Passage Choiseul, momento em que começou a chamar a atenção de clientes norte-americanos, contou o New York Times em 1972. Começava a internacionalização. A clientela sem poder de compra dava lugar, em meados de 70, a nomes conhecidos como os de Bianca Jagger, Catherine Deneuve ou a princesa Carolina do Mónaco.
“A moda não é para uma elite”
O designer tornou-se conhecido pelos padrões coloridos e florais, por surpreender a cada saison com peças arrojadas, extravagantes, descontraídas. “Escolho um tema, misturo as roupas e faço folclore. Pode parecer esquisito na passerelle, mas se pegarmos em cada coordenado veremos que são até muito discretos”, afirmou em 1976.
Outros criadores, perante a linguagem inovadora de Kenzo, marcada por traços e ícones colhidos no Japão e em viagens pelo mundo, terão começado a imitá-lo: nas mangas de kimono, nos looks às camadas, na explosão de cores, nos coletes, nos padrões vegetalistas, notou o New York Times.
“A moda não é para uma elite, é para todas as pessoas, não deve ser levada tão a sério”, dizia Kenzo nos primeiros anos, para justificar que se mantivesse fora da Semana da Moda de Paris, um dos mais importantes acontecimentos do calendário anual de desfiles — em que rapidamente acabou por se integrar. “A moda é como a cozinha: se comermos carne todos os dias, torna-se aborrecida”, foi outra das máximas que lhe atribuíram.
Conheceu em Paris Gilles Raysse, que se tornou investidor e gerente da marca, o braço direito que guiou Kenzo durante anos. Essas funções seriam depois ocupadas por François Baufumé. Entrou no mercado da perfumaria e em 1984 assinou linhas de roupa a preços acessíveis, vendidas nos EUA pelas lojas The Limited Stores. O designer manteve-se à frente dos negócios até 1993, ano em que vendeu a empresa ao conglomerado de luxo LVMH. Em 1999, deixou de ser diretor criativo.
Reação do designer português Felipe Oliveira Baptista
“A sua extraordinária energia e generosidade, o seu talento e sorriso eram contagiantes”, escreveu na rede social Instagram Felipe Oliveira Baptista, designer português que assumiu a direção criativa da Kenzo no verão do ano passado, depois de oito anos a desempenhar as mesmas funções na Lacoste.
https://www.instagram.com/p/CF7ZFYGpBg_/?utm_source=ig_web_copy_link
Felipe Oliveira Baptista apresentou em fevereiro a primeira coleção como diretor criativo da Kenzo e o próprio designer japonês assistiu ao desfile, em Paris. A segunda apresentação, com propostas de primavera-verão, aconteceu há poucos dias.
Durante anos, Kenzo viveu num apartamento luxuoso junto ao bairro do Marais, no centro de Paris, que chegou a dividir com o companheiro Xavier de Castella, um arquiteto que morreu com sida em 1990. Considerava-se tão francês quanto japonês. Depois de se retirar da própria marca, no que foi sucedido pela dupla Gilles Rosier e Roy Krejberg, trabalhou como designer de interiores e assinou coleções para a Baccarat, entre outras marcas.