O prémio Nobel da Paz de 2020 foi atribuído esta sexta-feira de manhã ao Programa Alimentar Mundial, das Nações Unidas. A escolha foi feita no espírito da defesa dos princípios da cooperação internacional e do multilateralismo, que a presidente do Comité do Nobel da Paz diz que “não é respeitado hoje”.

O prémio Nobel da Paz foi atribuído a esta agência das Nações Unidas “pelos seus esforços no combate à fome, pelo seu contributo para melhorar as condições pela paz em zonas atingidas por conflitos e por agir como uma força motriz nos esforços para prevenir o uso da fome como uma arma de guerra e de conflito”.

“A fome é uma das armas mais antigas de conflito no mundo”, disse Berit Reiss-Andersen, presidente do comité, em respostas aos jornalistas no local. “Quem tem controlo sobre a comida também controlo militar, tem controlo dos civis e também pode usar a insegurança alimentar como um método para expulsar populações dos seus territórios ao queimar-lhes as quintas e aos destruir-lhes infraestruturas.”

Berit Reiss-Andersen disse ainda que esta atribuição que serve como um “apelo à comunidade internacional”, com uma mensagem clara: “Não deixem o Programa Alimentar Mundial sem fundos. Todos os países do mundo têm a obrigação de garantir que as pessoas não passam fome”.

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“Há uma relação entre o aumento da fome e a pandemia. Há uma estimativa do Programa Alimentar Mundial que, perante o orçamento que têm hoje, haverá 265 milhões de pessoas a passar fome dentro de um ano”, adiantou ainda Berit Reiss-Andersen.

Nobel volta a premiar orgão das Nações Unidas, em defesa do multilateralismo

A crítica ao isolacionismo e a defesa do diálogo e cooperação internacionais têm sido apostas constantes do Nobel da Paz, que no século XXI já atribuiu o prémio quatro vezes ao universo das Nações Unidas e as suas agências: em 2001, à própria ONU; em 2004, à Agência Internacional de Energia Atómica; em 2007, ao Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas; e, agora, em 2020, ao Programa Alimentar Mundial.

Esta sexta-feira, Berit Reiss-Andersen fez uma defesa declarada do multilateralismo e da cooperação internacional, naquilo que pode ser interpretado como uma crítica velada ao isolacionismo defendido pelo Presidente dos EUA, Donald Trump, e à sua política de “América Primeiro”.

“A pandemia também nos mostrou que a cooperação multilateral é absolutamente necessária para combater desafios globais. E parece que o multilateralismo não é respeitado hoje em dia”, apontou. “O Comité do Nobel quer completamente dar ênfase a este aspeto”, acrescentou, referindo mais à frente que “as Nações Unidas desempenham um papel fundamental na defesa dos padrões humanitários no mundo, direitos humanos e cooperação multilateral”.

Apesar disso, os EUA são os maiores contribuidores para o Programa Alimentar Mundial — em 2019, contribuiu com mais 2 mil milhões de euros para este fundo, num total de 6,8 mil milhões disponíveis.

Esse foi, de resto, o maior contributo que um só país deu ao Programa Alimentar Mundial desde pelo menos 1998, de acordo com os dados disponíveis no site daquela agência da ONU que, desde 2017, é dirigida pelo norte-americano David Beasley, antigo governador republicano da Carolina do Sul e apoiante de Donald Trump.

A contrastar, está a postura de Washington D.C. perante a Organização Mundial de Saúde — primeiro com a suspensão de fundos e, depois, com a retirada dos EUA daquele organismo para o qual era, também, o maior contribuinte.

Veja aqui o vídeo do anúncio:

Num ano marcado pela pandemia da Covid-19, a Organização Mundial de Saúde (OMS) era a favorita das casas de aposta para receber a distinção. Não tão bem cotados, mas ainda assim dados como possíveis vencedores, surgiram também outros nomes, como a ativista contra as alterações climáticas Greta Thunberg ou o co-fundador da Microsoft e filantropo Bill Gates.

Num vídeo publicado na conta oficial do Nobel do Paz, o vice-presidente do comité, Henrik Syse, explicou que a pandemia teve alguns, mas ainda assim poucos, efeitos na maneira como aquele grupo de seis pessoas se preparou para decidir quem é o vencedor deste ano.

“Creio que a Covid-19 afetou quase toda a gente em todo o planeta, mas nós continuámos a fazer o nosso trabalho como de costume”, disse. “Felizmente somos só seis pessoas no comité. Podemos ir para outra sala, se for necessário, para termos mais distanciamento entre cada um, que foi o que fizemos nalgumas reuniões. Mas as nossas atividades têm acontecido como de costume.”