Passavam poucos minutos das 9h00 da manhã de 22 de setembro de 2015 quando foi detetado o erro no servidor do Sporting: as caixas de e-mail deixaram de estar acessíveis. Mas só às 18h55 desse mesmo dia, quase 10 horas depois, é que Rui Pinto terá atacado sistema. Assim, há uma pergunta que se impõe: se o ataque do alegado hacker só ocorreu depois do crash, o que é que causou esse crash?
A questão ficou por responder mesmo depois de terminado o depoimento do ex-administrador de sistemas do Sporting, David Tojal, esta terça-feira, naquela que foi a 11.ª sessão do julgamento do Football Leaks. É que, naquele dia, o crash já estava em curso quando Rui Pinto terá acedido ao sistema — ataque esse que não foi notado pelos técnicos, mesmo estando eles já a tentar “resolver o problema”
Na altura, não tivemos perceção que estava a acontecer o ataque”, disse David Tojal.
Questionado pela presidente do coletivo de juízes, Margarida Alves, sobre se o crash do sistema (às 9h06 da manhã) estava relacionado com o alegado ataque de Rui Pinto (às 18h55 da tarde), o técnico acabou por admitir que “não” — levantando dúvidas sobre se o arguido cometeu ou não o crime de sabotagem informática de que está acusado.
Não fica assim claro o que é que poderá ter provocado o tal crash nesse dia. Certo é que desde julho, Rui Pinto já estava a levar a cabo várias dezenas de acessos quase diários a e-mails do Sporting — que, ainda assim, não se sabe se estarão ou não na origem do crash. O ex-administrador de sistemas do clube admitiu, no entanto, que “na altura o Sporting não tinha ninguém na área da segurança informática”.
Divulgação do contrato de Jorge Jesus gerou “incómodo”, mas Football Leaks “pode ter criado ambiente positivo”
Durante a tarde foram ouvidas mais três testemunhas relacionadas com o Sporting. Uma delas foi Carlos Vieira, ex-vice-presidente do Sporting. Ao tribunal explicou que foi a divulgação do contrato de Jorge Jesus no site do Football Leaks gerou “incómodo e impacto reputacional” devido às “dimensões”. Apesar de assegurar que não havia nada de ilegal com o contrato que pudesse afetar o clube, Carlos Vieira argumentou que a publicação “prejudicou do ponto de vista de saber quanto [o Sporting] tinha pago a um treinador”.
Ainda assim, questionado pelo advogado de Rui Pinto, Francisco Teixeira da Mota, o ex-vice-presidente leonino admitiu que o site Football Leaks “pode ter criado um ambiente positivo para a moralização do futebol”.
Ronaldo com Covid-19? “Pois, acontece!”. Bruno de Carvalho e Jesus poderão ser ouvidos no mesmo dia
A sessão já ia longa e os advogados presentes na sessão já davam sinais de cansaço — especialmente porque algumas horas da tarde foram passadas a mostrar às testemunhas documentos relacionados com processo e com os alegados ataques de Rui Pinto. Mas por volta das 15h00 gerou-se na sala de audiências um burburinho inevitável: Cristiano Ronaldo estava infetado com a Covid-19. Até Rui Pinto quis saber o que se passava, tendo sido informado pela sua advogada, Luís Teixeira da Mota:
— O Ronaldo está infetado com Covid — disse.
— Pois, acontece! — respondeu-lhe o seu cliente.
Pouco depois a sessão terminou, não sem antes se agendarem as testemunhas para os próximos dias. Esta quarta-feira continuarão a ser ouvidas as testemunhas relacionadas com o Sporting, como Augusto Inácio e Otávio Machado. E, se tudo correr como planeado, Bruno de Carvalho e Jorge Jesus podem mesmo ser ouvidos no mesmo dia: o ex-presidente do Sporting será notificado para comparecer na manhã de quinta-feira e o tribunal irá também tentar contactar Jorge Jesus, para ser ouvido no mesmo dia, mas durante a tarde.
Rui Pinto, o principal arguido, responde por 90 crimes — todos relacionados com o facto de ter acedido aos sistemas informáticos e caixas de emails de pessoas ligadas ao Sporting, à Doyen, à sociedade de advogados PLMJ, à Federação Portuguesa de Futebol, à Ordem dos Advogados e à PGR. Entre os visados estão Jorge Jesus, Bruno de Carvalho, o então diretor do DCIAP Amadeu Guerra ou o advogado José Miguel Júdice. São, assim 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por tentativa de extorsão ao fundo de investimento Doyen.
Aníbal Pinto, o seu advogado à data dos alegados crimes, responde pelo crime de tentativa de extorsão. Isto porque, segundo a investigação, Rui Pinto terá exigido à Doyen um pagamento entre 500 mil e um milhão de euros para que não publicasse documentos relacionados com a sociedade que celebra contratos com clubes de futebol a nível mundial. Aníbal Pinto, então advogado do hacker, terá servido de seu intermediário. E é por isso que se sentam os dois, lado a lado, em frente ao coletivo de juízes.
O alegado pirata informático esteve em prisão preventiva desde 22 de março de 2019 e foi colocado em prisão domiciliária a 8 de abril deste ano, numa casa disponibilizada pela PJ. Na sequência de um requerimento apresentado pela defesa do arguido, a juíza Margarida Alves, presidente do coletivo de juízes — que está a julgar Rui Pinto e que tem como adjuntos os juízes Ana Paula Conceição e Pedro Lucas — decidiu colocá-lo em liberdade. O alegado pirata informático deixou as instalações da PJ no início de agosto e a sua morada atual é desconhecida.