O Governo já tinha sinalizado que a proposta de Orçamento do Estado para 2021 não teria um cêntimo de dinheiro do Estado para o Novo Banco, via Fundo de Resolução, em resposta a uma exigência do Bloco de Esquerda. Daí a surpresa quando na primeira leitura da proposta orçamental, conhecida na noite de segunda-feira, surgia um empréstimo de 468 milhões de euros do Estado ao Fundo de Resolução.

Uma hora depois veio a correção das Finanças: o empréstimo referido na tabela era afinal para a CP. “Em 2021, e ao contrário de Orçamentos do Estado aprovados em anos anteriores, o Orçamento do Estado não prevê qualquer empréstimo ao Fundo de Resolução”.

Uma hora, um “lapso” e logo onde dói mais. Mas afinal Novo Banco não terá (mesmo) empréstimo

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Mas apesar de esclarecido o lapso, e corrigido o quadro e o texto do relatório que acompanha a proposta, as questões principais ficaram no ar. Se o Estado não empresta dinheiro ao Fundo de Resolução, quem vai financiar essa operação? Qual é a estimativa do Governo para a injeção no Novo Banco em 2021? E qual é o impacto previsto no défice público do próximo ano?

Algumas respostas foram sendo dadas de forma parcelar durante a conferência de imprensa esta terça-feira, ao tema que foi constante em quase todas as perguntas de jornalistas, ou não fosse a injeção financeira na instituição uma das linhas vermelhas do Bloco de Esquerda para deixar passar o Orçamento do Estado. Mas ainda há dúvidas.

Se o Estado não empresta dinheiro ao Fundo de Resolução, quem vai financiar essa operação?

Foi logo a primeira dúvida que o ministro das Finanças, João Leão, esclareceu, e numa resposta que repetiu várias vezes. O empréstimo ao Fundo de Resolução está a ser negociado com os bancos (um sindicato que reúne os principais bancos em Portugal) num valor de 275 milhões de euros. O secretário de Estado das Finanças, João Nuno Mendes, acrescentou que ainda não existe um contrato fechado, mas sim um compromisso por parte da banca de que irá financiar as necessidades que o Fundo de Resolução não conseguir cobrir com os recursos próprios, e que são as contribuições sobre o setor bancário.

Qual vai ser a injeção prevista no Novo Banco em 2021?

A resposta a esta pergunta foi mais difícil de obter e só chegou quando a equipa das Finanças foi confrontada com uma tabela – que consta dos anexos de desenvolvimento orçamental – que apenas foi disponibilizada no site da Direção-Geral de Orçamento ao final da manhã de terça-feira. Esta tabela identifica com detalhe as despesas e receitas do Fundo de Resolução para 2021, e nela consta uma linha que identifica a despesa prevista desta instituição com sociedades financeiras, nomeadamente bancos. É aqui que estão referidos os 476,6 milhões de euros. João Nuno Mendes veio a confirmar que esse é o valor previsto para a injeção do Fundo de Resolução no Novo Banco em 2021, mas que não seria financiada pelo Estado.

Este valor corresponde ainda a uma estimativa que terá sido apresentada às Finanças pelo Fundo de Resolução e cujo montante final só ficará definido após o fecho dos resultados de 2020 do Novo Banco, em fevereiro do próximo ano. Por exemplo, em 2020, o Orçamento previa uma chamada de capital de 600 milhões de euros e a que chegou foi quase o dobro — 1.035 milhões de euros. Apesar deste desvio, a operação de capitalização do banco ficou aprovada com a aprovação do Orçamento, cenário que o Bloco quer evitar que se repita em 2021.

E qual é o impacto previsto no défice público do próximo ano?

Mas colocar o Estado fora das soluções de financiamento ao Fundo de Resolução, não é o mesmo que tirar o Novo Banco das contas públicas. Isso mesmo acabou por admitir o ministro João Leão, uma vez que esta entidade está, por razões estatísticas, classificada no perímetro das contas públicas. Logo, as transferências do Fundo de Resolução para o Novo Banco sempre entraram no défice e vão continuar a entrar, mesmo sem “mais um tostão” emprestado pelo Estado.

Mas qual a dimensão desse impacto? Ao contrário de anos anteriores, a proposta orçamental não identifica este impacto nem o quantifica na tabela onde estão destacadas as medidas extraordinárias do lado da despesa com efeitos no défice. João Leão referiu que esse impacto seria de 200 milhões de euros, o que é menos de metade dos 476 milhões de euros que o Fundo de Resolução espera ter de injetar no Novo Banco. Ora uma consulta aos últimos orçamentos do Estado mostra que nos anos recentes, toda a injeção feita no Novo Banco via Fundo de Resolução entrou nas contas do défice.

Fonte oficial do Ministério das Finanças confirmou entretanto ao Observador que o efeito considerado na previsão de défice público para 2021 — de 4,3% do Produto Interno Bruto — é afinal de 275 milhões de euros. Ou seja, o efeito que as Finanças descrevem como “meramente estatístico (que não se traduz num aporte financeiro suportado pelo Estado) já se encontra considerado nas projeções de défice apresentadas”.

Por explicar para já fica uma aparente mudança de critério que não contabiliza no saldo das contas do Estado toda a injeção feita pelo Fundo de Resolução. Os 275 milhões de euros considerados correspondem às necessidades adicionais de financiamento do Fundo de Resolução, face às despesas previstas, e que não são cobertas pelas receitas próprias. Para além do empréstimo da banca, o Fundo conta com as receitas da ordem dos 200 milhões de euros que resultam do pagamento da contribuição sobre o setor bancário.

No entanto, esta não é a conta final. Quando for altura de fechar o valor do défice de 2021, o que será contabilizado é a injeção que o Novo Banco recebeu no Fundo de Resolução, sejam os 476 milhões de euros previstos na proposta ou outro número.

Este “apagão” do Novo Banco no Orçamento convence o Bloco?

Apesar de o nome do Novo Banco, e da injeção anual, ter literalmente desaparecido do Orçamento de João Leão – no último Orçamento de Centeno a operação era referida quatro vezes no relatório de explicação e o impacto previsto no défice era identificado — o tema continua a ser um dos nós por desatar na negociação do Orçamento do Estado com o Bloco. O BE é o único partido à esquerda que pode, sozinho, decidir a viabilização do documento por via da abstenção.

Mariana Mortágua reafirmou que a engenharia encontrada pelo Governo para este dossiê não chega para responder às exigências do partido.

“Não podemos aceitar que o OE continue a comprometer recursos públicos e financeiros sem ter uma avaliação da gestão da Lone Star, que tem de ser passada a pente fino. Sem isso o OE não pode ter compromissos sobre essa matéria”.

A deputada assinala que a aprovação do Orçamento com um valor inscrito para esta operação implica uma autorização a realizar a injeção no Novo Banco, mesmo que montante venha a ser superior ao que está inscrito e, independentemente dos resultados de mais uma auditoria à gestão do ativos pela gestão privada.