A redução das tabelas de retenção do IRS anunciada a propósito do Orçamento do Estado para 2021 promete antecipar a entrada de 200 milhões de euros nos bolsos dos contribuintes em 2021, uma fatia de um bolo de medidas fiscais com o mesmo objetivo e que inclui ainda a descida do IVA sobre a eletricidade para escalões mínimos de consumo (150 milhões de euros) e a devolução do IVA gasto em alojamento e restaurantes em gastos nos mesmos setores (mais 200 milhões de euros).

No caso de IRS, a medida implicará reembolsos mais reduzidos no ano seguinte, em 2022, e – por causa do impacto que pode ter no acerto final do imposto liquidado sobre os rendimentos de trabalho do próximo ano – não irá beneficiar todos os contribuintes.

Que redução é esta nas tabelas de retenção na fonte?
Para começar, não há qualquer redução do imposto sobre os rendimentos, como aliás reconheceu o Executivo. O que o Governo vai fazer no próximo ano é reduzir a margem do que arrecada por mês, diretamente do vencimento (a retenção na fonte), dos trabalhadores por conta de outrem ou independentes que não estejam isentos de IRS. Esta cobrança atualmente é desajustada face à realidade, ou seja, há uma margem elevada de contribuintes que paga mais IRS por mês do que devia, daí os reembolsos anuais na altura do acerto de contas. O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais reconhece o desvio, mas Mendonça Mendes recusa a tese de que a totalidade dos reembolsos feitos na liquidação do imposto no ano seguinte, cerca de 3.000 milhões de euros, seja cobrada em excesso (grande parte desse valor corresponde às despesas dedutíveis).

O Governo reclama estar a fazer uma redução consistente ao longo dos últimos três anos, através da atualização das tabelas de retenção, e diz que isso já resultou em 500 milhões de euros não retidos — a maioria deste valor resulta de acertos que resultam de atualizações ao mínimo de existência, subidas de salários e o alívio no IRS introduzido em 2018. Mas houve também 100 milhões de euros de correção ao tal desvio, a que agora acrescem 200 milhões, só no próximo ano.

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Essa alteração às tabelas de retenção vai refletir-se no valor do salário mensal ou só ao fim do ano?
Mensal. Por haver logo alteração naquilo que é retido quando o salário é pago, alguns contribuintes poderão sentir diferença assim que receberem o ordenado. O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais até disse que, ao contrário do que é costume, as tabelas de retenção serão divulgadas ainda em dezembro, “a tempo de entrar no processamento de janeiro”. Mas em 2022, quando for a altura da entrega do IRS, o reembolso já não será tão elevado.

A revisão das tabelas de retenção vai afetar todos os contribuintes?
Não, o foco do Governo está, neste “período particularmente difícil para as famílias” — como o descreveu o ministro das Finanças –, num segmento muito específico: trabalhadores dependentes com um ou dois titulares de rendimento no agregado e dependentes. São quatro milhões, dos quais cerca de 2,5 milhões de contribuintes pagam imposto, explicou António Mendonça Mendes. É neste grupo que há, assumiu o governante, “um grande desvio entre o imposto retido e o devido no final”. O critério, explicou ainda, é “onde existe o maior desajustamento e onde as medidas de política (como os aumentos de remunerações) justificam que se façam essas atualizações”.

E quanto vai significar a mais ao fim do mês?
Varia muito, mas não será muito significativo. Na melhor das hipóteses, 17 euros de salário mensal (200 euros anuais divididos por 12 meses), segundo as contas do Governo. Apesar de ter começado por dizer que se trataria de uma medida com impacto “significativo” para os contribuintes, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais acabou por explicar que os ganhos líquidos mensais “vão variar de acordo com o rendimento de cada um. Podemos falar de 200 euros anuais ou de variações que vão de 12 a 14 euros anuais”. Feitas as contas, por mês, o que calha a cada contribuinte estará entre os 17 euros e os dois ou um euro.

Quem ganha menos vai ter retenção mais baixa?
O Governo quer diferenciar a redução das tabelas de retenção do imposto para beneficiar mais os contribuintes com rendimentos mais baixos. Mas no fim do dia, como estes recebem menos, a retenção feita na fonte também é menos significativa, pelo que do ponto de vista absoluto não serão os rendimentos mais baixos que pagam IRS aqueles que terão maior folga por esta via. Por outro lado, e quando chegamos aos rendimentos mais elevados a partir dos 3.000 euros brutos mensais, o impacto da retenção na fonte é menor porque existem com mais frequência outros rendimentos que não são do trabalho. Além disso, é nestes segmentos que as deduções de despesas valem mais nos reembolsos, para além das retenções na fonte.

Quem tem pensões como rendimento também é abrangido pela medida?
Em princípio não. Isso foi deixado de forma clara pelo secretário de Estado logo na conferência de imprensa de apresentação do Orçamento do Estado, quando disse que, “no caso das tabelas de retenção dos pensionistas, existe uma correspondência quase perfeita entre o retido e o pago. Uma variação mínima – que não fosse em função de atualizações salariais ou de medidas de política fiscal – redundaria numa alteração da situação para esses pensionistas, que passariam, provavelmente, a pagar se houvesse uma intervenção desajustada nessas tabelas. Quando os contribuintes estão perto do limiar da neutralidade, entre retenções e reembolsos, estar a baixar a tabelas de IRS no próximo ano, dando uma maior folga mensal, teria o risco de colocar esses contribuintes a pagar ao fisco no ano seguinte.

Todo o dinheiro que é retido podia ser devolvido?
O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais foi perentório em recusar a tese de que os 3.000 milhões de euros de reembolsos anuais do IRS correspondam a impostos cobrados a mais no ano anterior, através de retenções. Para o cálculo destes reembolsos contribuem também as despesas dedutíveis que abatem ao imposto, mas também a devolução deste imposto decidida por cada autarquia, para além de outros rendimentos que entram no cálculo final do imposto a pagar. Admite-se que este excesso que resultou de sucessivas alterações do IRS que demoraram a ser repercutidas nas tabelas possa oscilar entre 600 milhões de euros e os mil milhões de euros por ano.

Este ajustamento é temporário ou vai ficar?
Vai manter-se. “Este ajustamento não é feito de forma extraordinária, mas de forma permanente e vem na sequência do que o Governo vindo a fazer nos últimos anos e que tem permitido que haja menor diferença entre o imposto retido e o imposto a pagar”, garantiu António Mendonça Mendes.