O debate sobre um condicionamento dos fundos europeus ao cumprimento do Estado de Direito é “o elefante na sala” das negociações do orçamento da União Europeia (UE), afirmaram os eurodeputados portugueses que negoceiam pelo Parlamento Europeu (PE).

“Temos um elefante na sala chamado Estado de Direito”, disse Margarida Marques (PS), ouvida esta terça-feira na comissão parlamentar de Assuntos Europeus, expressão que foi repetida nos exatos mesmos termos por José Manuel Fernandes (PSD), em resposta a perguntas de deputados de todas as bancadas presentes na audição — PS, PSD, BE, PCP e CDS.

A questão, proposta pela Comissão Europeia e retomada pela presidência alemã do Conselho da UE, tem impedido que o conselho europeu inicie o processo de ratificação por parte dos parlamentos nacionais, indispensável à aprovação final do Quadro Financeiro Plurianual (QFP), o orçamento da UE para 2021-2027, e o Fundo de Recuperação pós-pandemia. Esse processo de ratificação está bloqueado no conselho, que reúne os chefes de Estado e de Governo dos 27, nomeadamente porque a Hungria e a Polónia, dois países com procedimentos abertos por desrespeito dos princípios do Estado de Direito, ameaçam bloquear todo o pacote se uma tal condicionalidade foi incluída.

O Governo português tem defendido que o Estado de Direito deve ser separado das questões financeiras, assim como outros países para os quais o rápido desbloqueio dos fundos é muito importante, enquanto, do lado dos que mais insistem na condicionalidade, estão por exemplo os chamados países “frugais” – Holanda, Áustria, Suécia e Dinamarca – partidários de menos despesa europeia. José Manuel Fernandes advertiu que a posição dos “frugais” pode corresponder “a uma tentação de inquinar o processo” para “possivelmente eliminar o Fundo de Recuperação”, mas disse-se “moderamente otimista” de que haverá um acordo, apontando para “uma liturgia das negociações que existe sempre”.

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A decisão final, na minha opinião, e é um passo porque neste momento não existe, vai ser que a Comissão propõe a sanção, que pode ser nas autorizações ou nos pagamentos [de fundos], e o conselho decide por maioria qualificada, disse.

Margarida Marques considerou por seu lado a expetativa de que “esta semana possa ser produtiva”, uma vez que os líderes dos 27 vão reunir-se e, embora o tema não esteja na agenda, pode ser ultrapassado o bloqueio. A eurodeputada socialista frisou que é necessária uma “solução de equilíbrio” que permita que “o Estado de Direito prevaleça, mas não seja bloqueador da recuperação”, apontando, noutro passo, que “muitos países defendem o Estado de Direito mas são tradicionalmente contra qualquer tipo de sanções, como por exemplo Portugal”.

“Não podemos aceitar que [o primeiro-ministro húngaro, Viktor] Orbán, que é um ditador no seu país, seja um ditador em toda UE”, disse a eurodeputada em resposta a Bruno Dias (PCP) que a questionou sobre o impacto deste debate nos “populismos e extremas-direitas desta Europa”.

“E é por isso que esta questão tem de ser desbloqueada rapidamente e tem de haver um trabalho intenso esta semana junto dos lideres europeus para que esta questão possa ser ultrapassada”, insistiu.

José Manuel Fernandes afirmou que o “impressiona muito” o recurso a sanções, que criam “a sensação de que se troca o Estado de Direito por uma coima”, e insistiu que a decisão final vai ser aquela que já estava nas conclusões do acordo dos líderes europeus, em julho, sobre o QFP e o Fundo.