Margarida Sousa, porteira portuguesa que acolheu mais de 40 pessoas na noite dos atentados ao Bataclan, afirma que faria tudo outra vez passados cinco anos, mas diz temer vir a testemunhar no processo que vai decorrer em 2021 em Paris.
“Não é o efeito de ver as pessoas outra vez, é que não sabemos o que se pode passar a seguir. Eles vão ver as nossas caras e vai passar na televisão. E mesmo que [os terroristas] estejam na prisão, têm contactos cá fora”, afirmou Margarida Sousa em entrevista à agência Lusa.
Apesar de ainda não ter sido intimada para comparecer em tribunal e do receio das represálias de um possível testemunho, esta emigrante portuguesa radicada em França há mais de 30 anos espera que “seja feita justiça” contra quem ajudou os sete autores do atentado.
A noite de 13 de novembro de 2015 continua viva na memória de Margarida Sousa e dos habitantes do 11.º bairro de Paris, onde se localiza a sala de espetáculos Bataclan.
“No nosso bairro tudo mudou. Tentamos esquecer, tentamos viver, mas já não é igual. Ou então são aquelas mágoas que vêm e que nos deixam marcas. Basta haver um novo ataque e volta tudo à nossa cabeça. Não vivemos em paz”, confessou a porteira.
No atentado morreram 130 pessoas e mais de 400 ficaram feridas. Ao prédio de Margarida Sousa nessa noite chegaram mais de 40 pessoas que estavam dentro do Bataclan, entre as quais sete estavam feridas e uma delas em estado grave. Abrir a porta a estas vítimas é um ato que a porteira portuguesa não hesitaria em repetir.
“Fazia tudo outra vez. Eu não pensei duas vezes naquilo que se estava a passar. Houve um espaço de dois segundos que fiquei paralisada e depois vi o sangue todo que pingava no chão. Nem sei como fiz, nem como começou, nem como acabou”, relembrou.
Os atos de Margarida Sousa foram reconhecidos pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, através da atribuição do grau de Dama da Ordem da Liberdade, assim como distinções da cidade de Paris e de Penafiel, de onde é originária. No entanto, nas redes sociais, esta emigrante recebeu “ataques”.
“Há quem ache que fizemos isto por interesse. Há quem pense que recebemos dinheiro e as pessoas julgam-me muito em Portugal, especialmente nas redes sociais. […] Eu nunca quis uma medalha. Se houve, depois, a vontade e simpatia de me fazerem certas coisas, foi porque se tratou de um momento histórico”, indicou.
Passados cinco anos, Margarida Sousa hesita em se considerar vítima do ataque terrorista, já que não esteve presente em nenhum dos locais do atentado nem foi afetada fisicamente, mas deixou de conseguir assistir a descargas de foguetes por lhe lembrar “o ataque final” da polícia ao Bataclan.
“Eu sofri, sem sofrer. Eu vi só a missa à metade”, concluiu.