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Há jogos que são recordados ao longo de uma vida. Às vezes os mais distraídos até podem pensar que são mesmo os jogos decisivos mas não, mera aparência – são apenas jogos que de tão bons que são se tornam inesquecíveis e valem por si só um título. Foi assim com Diego Armando Maradona em 1986, quando a Mão de Deus e o golo do século deram a vitória à Argentina frente à Inglaterra nos quartos do Mundial. Foi assim com Paolo Rossi em 1982, quando um dos mais célebres hat-tricks da história dos Campeonatos do Mundo valeu uma vitória épica da Itália frente ao Brasil na fase de grupos. Só esse jogo fez a carreira do avançado, que teve uma carreira que foi muito mais do que isso mas que ainda hoje é recordada à luz de um jogo. Pablito morreu esta quarta-feira, aos 64 anos, numa informação avançada pela Gazzetta dello Sport e pela RAI que não demorou a correr mundo.

Nascido em Prato, Rossi tinha tudo para não ser aquilo em que se transformou: após estrear-se pela Juventus em 1973, ano em que esteve na final da Taça Intercontinental, não conseguiu marcar qualquer golo sendo um avançado ao longo de meses a fio, tendo realizado apenas três jogos da Taça de Itália entre três operações aos joelhos que para muitos colocavam em sério risco a carreira. Depois do empréstimo ao Como, em 1975/76, quando jogava ainda como ala direito, “explodiu” pelo Vicenza já como avançado centro na época seguinte, tendo sido chamado ao Mundial de 1978 onde terminou como segundo melhor jogador da competição. Foi nesse mesmo ano que se tornou o jogador mais caro do futebol transalpino, quando o clube comprou 50% do passe à Juventus.

Dois anos depois, e ao longo de dois anos, Paolo Rossi viveu o melhor e o pior: numa época marcada pelas lesões, não conseguiu evitar a descida do Vicenza, foi cedido por empréstimo ao Perugia para continuar na Serie A (e ir às competições europeias) mas viu-se envolvido no célebre escândalo das apostas do Totonero que levou a vários castigos a clubes (o AC Milan e a Lazio desceram de divisão), dirigentes e jogadores. O avançado foi suspenso numa primeira instância por três anos, punição que foi depois reduzida para apenas dois – mesmo com o jogador a garantir em todos os momentos que estava inocente e que estava a ser vítima de uma injustiça. Apesar da sanção, foi contratado pela Juventus em 1981, contribuiu apenas em três jogos para o título na Serie A mas foi chamado ao Mundial de 1982, em Espanha. Estava a chegar a hora de Pablito. À melhor hora para a Itália.

Depois de uma primeira fase com empates frente a Polónia, Peru e Camarões, Rossi foi lançado na segunda fase de grupos para fazer a diferença contra as grandes potências sul-americanas na prova: a squadra azzurra começou por bater a Argentina por 2-1 num jogo em que o segredo passou por anular Maradona e venceu de seguida a célebre equipa do Brasil de Sócrates, Zico e Falcão, entre outros, por 3-2 com hat-trick do avançado. Mas não ficaria por aí: depois de ter marcado os dois golos do triunfo diante da Polónia nas meias-finais, Rossi inaugurou o marcador na final frente à RFA com Tardelli e Altobelli a fecharem o 3-1 que daria o título mundial.

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Jogaria ainda na Juventus até 1985, antes de passar por AC Milan e Verona com o azar a bater-lhe à porta em 1986, quando uma lesão o retirou da lista de convocados transalpina para o Campeonato do Mundo do México. Ganhou três Serie A, uma Taça de Itália, uma Taça dos Clubes Campeões Europeus, uma Taça dos Vencedores das Taças e uma Supertaça Europeia, tudo pelos bianconeri que contavam também com Platini, Boniek, Tardelli, Tacconi ou Bonini, numa equipa liderada por Giovanni Trapattoni que ganhou o primeiro título europeu do clube.

“Adeus Paolo … Os jogadores não devem partir antes dos treinadores”, comentou o treinador que foi campeão pelo Benfica em 2005. “Quando cheguei à Itália depois do Campeonato do Mundo de 1982 [Torino] ele jogava na Juventus. Encontrámo-nos muitas vezes porque frequentávamos os mesmos restaurantes, foi sempre gentil e muito educado”, recordou Júnior, internacional brasileiro que é hoje comentador, entre várias reações que foram sendo complicadas pela Gazzetta dello Sport. “Os meus companheiros de equipa de 1982 continuam a escrever no chat… Foi-se uma parte de nós, uma parte da minha vida”, lamentou Fulvio Collovati. “Há seis meses perdi um irmão, hoje estou de luto por outro”, referiu de forma emocionada Antonio Cabrini. “Nem sei o que dizer, foi um raio do nada. Sempre tivemos uma ótima relação com o Paolo. Era uma pessoa boa, inteligente. Há algum tempo que não o ouvíamos, não achava que tivesse um problema tão sério. As relações com ele eram maravilhosas porque era muito simpático. Tinha tudo para ficar bem, é difícil perceber”, salientou o mítico Dino Zoff.

“Admito que estou a chorar… Fizeste parte do grupo dos ‘Verdadeiros Amigos’… Contigo não só ganhei como também vivi”, comentou o polaco Boniek, antigo companheiro de equipa na Juventus, na equipa que se sagrou campeã europeia, que perdeu frente à Itália de Rossi nas meias do Mundial de 1982. Juventus, Real Madrid, AC Milan, Inter e Nápoles foram alguns dos clubes que lamentaram a morte do avançado, que chegou à política.

“No verão de 1982 ele deu um sonho a gerações inteiras. Era o símbolo de uma seleção nacional e de uma Itália unida e tenaz, capaz de vencer adversários de enorme calibre. Adeus a Paolo Rossi, o campeão inesquecível. Itália vai lembrar-se de ti com carinho”, frisou o primeiro-ministro transalpino, Giuseppe Conte. “Que lindos tempos que nos fizeste viver”, recordou o antigo líder do executivo, Paolo Gentiloni. “No nosso coração, para sempre”, disse o também ex-primeiro-ministro, Matteo Renzi, numa mensagem deixada no Twitter.