Um idoso nascido na ilha de São Miguel, que amealhou uma fortuna estimada em mais de 9 milhões de euros, doou em poucos meses todo o seu património a um advogado e a um funcionário a cujos cuidados a família o entregou, depois de ter sofrido um AVC e apresentar sinais de demência, escreve o jornal Público esta quinta-feira.

Segundo o mesmo jornal, entre as doações que fez incluíam-se apartamentos, terrenos, dois automóveis Mercedes e até um hotel, património esse que os três filhos esperavam um dia herdar. Tudo isto aparentemente dentro dos trâmites legais, isto porque o notário onde compareceu em Ponta Delgada validou as transferências de património, depois de lhe perguntar se era mesmo aquilo que queria fazer, questão à qual o notário obteve resposta afirmativa.

Desde aí o caso já correu os tribunais, com a justiça a pronunciar-se por duas vezes a favor dos herdeiros, por entender que o idoso não estava na posse das suas faculdades quando decidiu fazer as doações. Os beneficiários que só conseguiram ficar com parte da fortuna já ameaçaram recorrer no Supremo Tribunal de Justiça. Um deles, o advogado, encontra-se atualmente preso, depois de ter sido condenado por abuso de confiança agravado, falsificação de documentos e burla qualificada, em crimes cometidos no exercício da sua profissão.

A justiça também considerou a conduta do notário passível de sanção disciplinar, razão pela qual mandaram comunicar a sua sentença à respetiva ordem profissional, uma vez que qualquer notário deve certificar-se das faculdades mentais do cliente, podendo mesmo pedir uma avaliação médica quando surgem dúvidas. Em tribunal, o notário terá alegado que não tinha as competências para atestar o estado do idoso, que na altura tinha 79 anos, mas que efetivamente já sofreria de demência há mais de cinco anos, que foi agravada por um AVC em 2014.

Contudo, a sentença para sancionar disciplinarmente este profissional não só já terá prescrito como a Ordem dos Notários garante nunca ter sido avisada do sucedido, confirmou o bastonário Jorge Silva ao Público. “Não temos conhecimento que tenha sido instaurado processo criminal contra o notário. Ou seja, a sua boa fé não foi questionada pelas partes ou pelo Ministério Público”, esclareceu.

Jorge Silva explicou ainda que “o notário não é um médico. Como tal, apesar do seu juízo de valor ser decisivo para a realização do negócio jurídico, pode, posteriormente, ser confrontado com um exame médico que contrarie a apreciação feita, o que pode perfeitamente ficar a dever-se a um momento de lucidez do outorgante no momento da celebração da escritura – e que induz, portanto, em erro o notário”, cita o mesmo jornal.

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