Cada vez mais famílias deixam os filhos nas escolas de acolhimento para os pais trabalharem, enquanto outras procuram nelas a ajuda que não conseguem dar em casa. Em Soure, por exemplo, os pedidos de apoio duplicaram numa semana. Mais de 1.600 alunos frequentaram na semana passada as cerca de 700 escolas de acolhimento abertas um pouco por todo o país. A meio desta semana, o número de alunos ultrapassava já os 2.500, segundo dados do Ministério da Educação.

Mariana é uma dessas crianças. A mãe trabalha num lar em Soure, distrito de Coimbra, e por isso a menina de 9 anos passou as duas últimas semanas na Escola Básica da Granja do Ulmeiro. Aquela não é a sua escola, nem os meninos com quem brinca são da sua turma, mas garantiu à Lusa que têm sido dias memoráveis: “É muito divertido. As pessoas são muito divertidas. Fazemos muitas colagens e vamos brincar lá para fora”, disse. As novas confidentes de Mariana são agora Adriana e Ariana, outras meninas que também passam os dias na escola a funcionar das sete de manhã às sete da noite.

Todos os dias, a diretora do Agrupamento de Escolas de Soure recebe mais uma chamada ou um ’email’ de famílias a pedir ajuda. “As pessoas precisam de mais apoio e a escola tem essa obrigação social”, contou à Lusa a diretora, Luísa Pereirinha.

Quando o Governo anunciou em janeiro a suspensão das aulas e um período de onze dias de férias, cerca de 700 estabelecimentos de ensino mantiveram as portas abertas. Estão a receber os filhos de trabalhadores essenciais, mas também crianças com necessidades educativas e todos aqueles identificados como pertencendo a grupos de risco.

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Em Soure, além da Escola Básica da Granja do Ulmeiro, também a Secundária Martinho Árias faz parte desse lote de estabelecimentos de ensino. Ali estão filhos de profissionais que trabalham em centros de saúde, lares ou supermercados, mas também crianças cujas famílias reconheceram não ter capacidade para dar apoio aos alunos, disse à Lusa o vereador da Educação da autarquia local, Gil Soares.

“É exigido às famílias um acompanhamento que no caso das famílias mais vulneráveis e frágeis é ainda mais complicado” e por isso essas crianças podem também regressar à escola, explicou. Na próxima segunda-feira começa o ensino à distância e estes meninos “não vão ficar para trás neste processo”, disse Gil Soares, que é também presidente da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Soure. Por isso, já na segunda-feira, são esperadas mais crianças.

A organização das atividades nestas semanas que passaram esteve a cargo do gabinete de psicologia que, na escola básica, escolheu a biblioteca como espaço de encontro das crianças. Mas o grupo foi aumentando e foi preciso arranjar novas salas para os receber. “No primeiro dia tínhamos seis crianças dos 5 aos 9 anos e são 14, dos 5 aos 12 anos”, adiantou à Lusa a psicóloga do agrupamento, Cristina Afonso.

Segundo a diretora do agrupamento, na próxima segunda-feira a escola básica terá 19 meninos. Na secundária, a realidade é semelhante: “Todos os dias estamos a receber solicitações”, disse a diretora. Luísa Pereirinha está à frente de um agrupamento com cerca de 1.400 alunos. Apesar do aumento de procura, continuam a contar-se pelos dedos da mão os alunos que de manhã atravessam os portões das escolas.

A diretora tenta manter o ânimo, mas admite ser cada vez mais difícil. Não lhe custa as infindáveis horas de trabalho. “É a parte do desgaste, a parte anímica e psicológica. Estar numa escola sem alunos, sempre à espera do que vai surgir a seguir”, desabafou. Luísa Pereirinha não contesta a decisão de encerramento das escolas, mas sublinha que os contágios não ocorrem em ambiente escolar. No seu agrupamento houve apenas 22 alunos infetados desde o início do ano.

Esta semana, uma equipa da Cruz Vermelha esteve no local a fazer testes aos funcionários e professores que vão estar nas escolas a receber os alunos e não houve nenhum teste positivo.”Têm estado uns dias cinzentos e é isso que a escola também sente. As gargalhadas não estão cá, o rebuliço dos meninos também não. Esta é agora uma escola quase sem meninos, mas nós procuramos que seja confortável para os que cá estão”, desabafou a diretora, numa conversa no corredor da escola.

O silêncio dos corredores desertos é rapidamente esquecido com a aproximação da cantina onde estão a crianças. A animação e tagarelice enchem a sala de refeições. Nestas duas semanas, a escola foi um espaço dedicado a atividades lúdicas sempre a pensar no “bem-estar” e formas de “tranquilizar” as crianças, disse à Lusa a psicóloga. Na próxima segunda-feira, o ambiente será de maior concentração.

Professores e funcionários vão continuar atentos ao lado emocional das crianças e jovens, mas a escola volta a ser essencialmente um espaço de trabalho. Mariana contou à Lusa que não se importa. “Também gosto de aprender”, disse, admitindo que o que lhe custa mais é ter aulas à distância. “A escola agora é muito diferente. Já não posso estar com os meus amigos. Já não podemos brincar lá na escola ou aprender com a professora no quadro. Vamos aprender pelo computador, que vai ser um bocadinho difícil”, admitiu.

Nas escolas de acolhimento o dia de aulas dos alunos será semelhante ao dos meninos que estão em casa. Apesar de estarem numa sala de aula, a ideia é que façam o trabalho sozinhos. Luísa Pereirinha explicou que haverá um professor na sala para dar apoio aos alunos, tal como daria um pai em casa. Em caso de terem dúvidas, devem perguntar aos professores que estão a dar as aulas ‘online’. Já quando não há aulas síncronas, será o professor presente na sala a ajudar.

Na próxima semana, as aulas vão dividir-se em dois tempos: de manhã os alunos têm Estudo em Casa, programa televisivo com blocos de aulas, e à tarde têm aulas síncronas com os seus professores. Além do acompanhamento das aulas, as escolas garantem refeições, cuja procura também tem vindo a aumentar.

“O número de refeições servidas nas escolas de acolhimento tem aumentado a cada dia, com uma média superior a 21 mil refeições diárias durante a semana passada, tendo chegado às 31 mil refeições nesta quarta-feira”, segundo dados do Ministério da Educação.