Há essencialmente duas formas de alimentar os motores dos veículos eléctricos, sendo a mais comum a que armazena energia na bateria. Mas esta é cara, pesada e exige períodos de carga prolongados, apesar de cada vez menores. Há, contudo, uma alternativa às baterias que consiste em transportar hidrogénio a bordo e fazê-lo passar por uma célula de combustível, também conhecida por fuel cell, para produzir electricidade. Só que esta solução levanta outras dificuldades, sobretudo por ser caro produzir hidrogénio e ainda delicado armazená-lo e transportá-lo. Daí que a Toyota e a Hyundai sejam os únicos construtores a comercializar modelos eléctricos a fuel cells (FC), mas em volumes reduzidos. Porém, há um pudim de hidrogénio (que muitos também apelidam de pasta de dentes de hidrogénio) cujo nome comercial é Power Paste e que pode resolver por completo o problema.
O hidrogénio é o elemento mais abundante na Terra e no universo, sendo fácil de isolar. Basta realizar a hidrólise da água (H2O), que separa o hidrogénio (H2) do oxigénio (O), idealmente com energias renováveis. Mas antes do hidrogénio chegar à FC, é necessário estar tão puro quanto possível, com as células de combustível a exigirem percentagens de pureza de 98%. Como se isto não bastasse, é necessário ainda comprimi-lo pois, mesmo sob uma pressão brutal de 700 bar, um depósito com 122 litros de capacidade útil (e mais de 200 litros no total) não acomoda mais de 5 kg de hidrogénio. E estes depósitos são caros, pesados e, com esta pressão, este gás é delicado e não se aguenta no depósito durante muito tempo, mesmo se não for utilizado.
Mas os problemas do hidrogénio não acabam aqui, uma vez que não é eficiente armazená-lo ou transportá-lo, com a solução que todos defendem a passar pela produção na própria bomba de reabastecimento, apesar dos custos de uma destas minicentrais com 10 MW rondar os 800.000€.
O milagre da pasta que resolve tudo
Os cientistas do Instituto Fraunhofer para a Tecnologia de Produção e Materiais Avançados (IFAM), em Dresden, na Alemanha, desenvolveram uma pasta de hidrogénio (a Power Paste) que, segundo eles, resolve a maioria dos problemas relacionados com este gás. A pasta em causa é composta por hidreto de magnésio (MgH2), que se consegue misturando magnésio em pó com hidrogénio a 350ºC e uma pressão de 6 bar, a que se junta depois um composto orgânico denominado éster e um sal metálico. É esta mistura que origina um produto viscoso, mas estável. A pasta existe, enquanto tal, à temperatura e pressão ambiente, suportando temperaturas elevadas sem se alterar ou arder, pelo menos até 250ºC.
De acordo com o IFAM, além da estabilidade e da robustez da pasta, ela tem ainda a vantagem de poder ser fabricada sem grandes custos ou equipamentos sofisticados, sendo barata de gerar e permitindo ainda ser produzida à medida das necessidades. Os cientistas prevêem estações de abastecimento que funcionariam como os fornecedores de massa consistente, bombeando a pasta para o depósito, sendo inclusivamente possível que cada condutor armazenasse em casa, ou no carro, bisnagas ou embalagens com êmbolo (como se tratasse de silicone), para abastecer em caso de necessidade.
Os cientistas chamam ainda a atenção para o facto de o hidrogénio exigir depósitos muito grandes e pesados, o que os torna incompatíveis para pequenos veículos, scooters ou drones, que assim poderiam armazenar a pasta sem perigo e à temperatura e pressão ambiente.
Como se passa da pasta para a fuel cell?
Depois de termos o hidrogénio numa pasta que faz lembrar um pudim ainda quente, a extracção do hidrogénio é ainda mais simples. Basta juntá-la numa câmara, para onde é extrudida lentamente, juntando-a com água (de qualquer tipo, até da torneira), também ela fornecida ao mesmo ritmo. O resultado é uma reacção química que liberta dois átomos de hidrogénio, um fornecido pela pasta e o outro pela água. A reacção química gera ainda calor e outros produtos, como hidróxido de magnésio, que depois pode ser utilizado para produzir mais hidreto de magnésio e fabricar mais pudim.
O hidrogénio libertado é então conduzido para a FC, onde produz electricidade ao associar-se com o oxigénio que existe no ar, dando ainda origem a água pura e tépida. Esta célula de combustível não difere da que já é utilizada nos Toyota e Hyundai, dispositivo que hoje ainda é muito dispendioso, mas será mais competitivo e acessível dentro de três a cinco anos. De recordar que as mesmas FC do Toyota Mirai são igualmente utilizadas para alimentar os motores eléctricos instalados nos autocarros que a Caetano Bus fabrica em Portugal, a maioria destinados à exportação, ou mesmo a totalidade, uma vez que não há estações para abastecimento de hidrogénio no nosso país.
O que vai acontecer agora?
Este projecto do IFAM não é novo, estando a ser desenvolvido desde 2013 e já posteriormente apresentado na feira de Hanôver de 2018, que pode ver no vídeo abaixo. A novidade é que, entretanto, não parou de evoluir e depois da produção de quantidades mínimas em condições laboratoriais, chegou finalmente à fase de industrialização.
A IFAM desenvolveu um equipamento de produção piloto, visando sempre a relação custo/benefício, que promete ser capaz de produzir 4 toneladas de pasta por ano. O arranque desta unidade deverá acontecer ainda em 2021, criando uma base que depois se pode escalar consoante as necessidades.
Os cientistas envolvidos afirmam ainda que se a pasta é barata (deverá rondar 3€ por kg), verá o seu custo ser ainda mais reduzido perante o incremento do volume de produção, tornando a solução mais interessante e permitindo que as FC evoluam da actual quase miragem para algo palpável no médio prazo.