A Toyota é quem lidera o desenvolvimento das células de combustível a hidrogénio, as conhecidas fuel cells. O Mirai, que surgiu em 2014, foi o primeiro automóvel concebido de raiz para produzir a electricidade de que necessita a bordo, gerando apenas como subproduto água quente.

Carro que só deita água pelo escape estreia entre nós

Já apontámos as vantagens (e os problemas) desta tecnologia, que também é possível encontrar na Hyundai e na Honda, mas desta vez a Toyota desafiou-nos a conhecer não o novo Mirai, que apenas será apresentado em 2020, mas sim a Sociedade do Hidrogénio. Um conjunto de empresas, não fabricantes de automóveis, que desenvolvem desde peças para as fuel cells às próprias células, não só para automóveis como para os mais diversos transportes, de drones a táxis, de camiões e autocarros, passando pelos próprios comboios.

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De caminho, conhecemos igualmente responsáveis por companhias que produzem hidrogénio com o necessário grau de pureza, responsáveis por cidades que acreditam na solução e que investem milhões para utilizar o seu potencial para reduzir as emissões. Isto além das diversas aplicações em que o hidrogénio pode intervir (e já o faz com sucesso) para ajudar a descarbonizar indústrias com grandes necessidades de energia. Mas, para perceber a dimensão desta sociedade que já domina o hidrogénio, o melhor é recorrer a alguns exemplos.

Pequenas empresas que surpreendem as grandes

Johnson Matthey é uma empresa relativamente pequena e desconhecida para muitos, mas de forma alguma isso belisca a sua reputação. Além de trabalhar em áreas tão diversas como a pesquisa para o tratamento do cancro ou as alterações climáticas, estes ingleses são mais conhecidos pelos conhecimentos na área das fuel cells. Em 1960, foi a Johnson Matthey (JM) que desenvolveu e produziu os catalisadores para as células de combustível a hidrogénio utilizadas nas missões espaciais Apollo e Gemini.

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Ainda hoje, esta empresa produz a sofisticada membrana revestida a platina que separa os electrões do hidrogénio dos protões, permitindo apenas a passagem destes últimos. Segundo os seus responsáveis, fornecem hoje uma série de clientes que fabricam fuel cells, estando em vias de anunciar o local onde vão montar a sua própria fábrica para produzir estas células, para comercializar no mercado. Acreditando que 1% a 4% dos veículos em 2030 utilizarão esta tecnologia (o que perfaz mais de 1 milhão de automóveis), a JM afirma que, actualmente, as células de hidrogénio de 100 kW custam um mínimo de 20.000€, mas baixarão para 8.000 a 10.000€ dentro de dois a três anos, para em 2030 poderem atingir 3.000€ a unidade.

As membranas que utilizam são de dois tipos. As mais finas (15 mícrons), para serem mais eficientes, são similares às usadas pela indústria automóvel e têm uma longevidade entre 5.000 e 8.000 horas. Já as membranas com 80 mícrons, com maior durabilidade, são as ideais para fuel cells estacionárias. De notar que a Toyota afirma que as suas fuel cells duram 20 anos, mas custam actualmente mais de 60.000€, referente à primeira geração.

Produzir hidrogénio à porta de casa

A indústria está de acordo em que o transporte de hidrogénio pressurizado, a 700 bar e a uma temperatura muito baixa, está longe de ser um exercício interessante. Daí que todos apontem para produção de hidrogénio no exacto local onde ele vai ser abastecido e, para isso, a ITM Power é uma das empresas mais bem posicionadas para a fabricação e fornecimento do gás.

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Para o conseguir, a ITM desenvolveu um electrolisador que faz a electrólise da água para gerar hidrogénio com recurso a energia renovável (painéis solares ou aerogeradores, consoante o caso e a região). Recordam os técnicos da empresa britânica que a energia contida em 1 kg de hidrogénio equivale à de 3,8 litros de gasolina. De momento, a ITM já tem uma mega fábrica na Alemanha, onde pode produzir 1.400 toneladas/ano de hidrogénio. A empresa tem outro projecto similar para arrancar no Reino Unido, estando outros agendados para breve na Europa.

Mas a ITM Power tem electrolisadores mais pequenos, para instalar junto aos postos de abastecimento, substancialmente mais pequenos e baratos. Não que sejam uma pechincha, pois uma capacidade de 10 MW tem um custo aproximado de 800.000€, valor que tenderá a baixar à medida que o número de postos a construir sobe. É possível produzir hidrogénio a partir do metano, ou gás natural, mas isso obriga a um sistema de captura e armazenamento de CO2, o que introduz complexidade e incrementa custos.

Criatividade total para todos os gostos

Duas das empresas mais interessantes, entre as muitas presentes neste encontro da Sociedade de Hidrogénio, eram a Inteligent Energy e a Arcola Energy. Ambas oferecem há muito no mercado soluções destinadas a substituir a produção de energia através da queima do gasóleo pelo recurso às fuel cells. Dos grandes geradores de 100 kW utilizados nas obras de construção civil, às pequenas células com 650 W de potência, para alimentar os drones, não há nada que a Inteligent Energy (IE) não faça, cuja gama oscila entre 5W e 100 kW.

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O projecto dos drones nasceu por pressão das empresas que têm de verificar o estado das linhas de alta tensão, tendo utilizado até há pouco tempo helicópteros, com custos e emissões elevados. Os drones de maiores dimensões seriam uma solução, mas o tempo de voo, a rondar os 20 minutos, estava longe de ser suficiente. Nada que a IE não resolvesse, concebendo várias versões de células de modo a que o aparelho estivesse no ar entre uma e várias horas, dependendo da função.

Da prancheta de trabalho da IE saíram também as fuel cells que alimentaram os táxis que estiveram ao serviço durante os Jogos Olímpicos de Londres, em 2012. Por outro lado, a Arcola Energy, que também fabrica geradores a fuel cell, especializou-se a criar sistemas para autocarros, tendo de momento uma frota para entregar de 25 unidades à cidade de Liverpool, que consomem 500 kg de hidrogénio por dia.

Que vantagens tem a Toyota nas fuel cells?

Com tantas empresas pequenas e obviamente com menos posses financeiras para investir em pesquisa e desenvolvimento, quando comparadas com qualquer construtor de automóveis, confrontámos John Hunt, da Toyota, tentando perceber em que diferem as suas células de combustível a hidrogénio das fabricadas por estes concorrentes. Segundo Hunt, o truque está na membrana que, apesar de fina (a que utilizam é fabricada pela Gore, de acordo com as especificações do construtor japonês), tem uma estrutura interior tipo ninho de abelha, para incrementar a superfície para a passagem de protões.

Admitindo que os materiais nobres (e caros) são comuns a todas, respectivamente a platina a revestir a membrana e o cobalto no catalisador que separa os electrões dos protões do hidrogénio, o técnico da marca nipónica avançou que a primeira geração tem excesso de platina, uma vez que não havia a garantia do nível de pureza do hidrogénio e era necessário assegurar uma longevidade de 20 anos. A próxima geração, a ser apresentada ainda este ano, será mais pequena e, logo, necessitando de menos material, o que fará baixar os custos em 50%.

Eléctricos. Toyota diz ter solução para fuel cells

Explicando que todo o sistema composto pela fuel cell, os dois depósitos, o conversor, os sensores e sistema de gestão pesam cerca de 350 kg, Hunt lembra que a célula de hidrogénio do Mirai é muito potente para o veículo, tanto mais que é a mesma utilizada para mover autocarros. Ainda assim, lembra, este tipo de tecnologia não aprecia ser continuamente ligada e desligada, sendo para evitar este problema que existe a bateria.

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Alemanha e Inglaterra abraçam hidrogénio

Os alemães e os ingleses são os mais avançados na produção e distribuição de hidrogénio, com destaque para a Alemanha. Contudo, este país arrancou com a sua rede de distribuição quase por engano, uma vez que, em 2013, a Daimler reuniu com uma série de petrolíferas, desafiando-as a construir uma rede de 100 postos de abastecimento, que eles garantiriam a produção dos automóveis. Sucede que a rede apareceu, mas os veículos nunca chegaram a ser produzidos.

Além da rede de abastecimento de automóveis, camiões e autocarros, os alemães usam o hidrogénio para descarbonizar as indústrias que têm grandes necessidades de energia, das cimenteiras à metalurgia, passando pelo vidro, entre muitas outras. Todas estas recorrem a queima de metano ou gás natural (em que 80% é metano), com os alemães a injectarem no circuito até 20% de hidrogénio para diminuir a quantidade de carbono emitido para a atmosfera.

Na Alemanha podemos ainda encontrar células de combustível a alimentar comboios, mais precisamente os produzidos pelos franceses da Alstom, que circulam entre as cidades de Cuxhaven e Buxtehude, num percurso de 100 km no norte do país. As composições a hidrogénio foram inauguradas em 2018, substituindo o equipamento mais antigo movido por máquinas diesel, com as fuel cells a provarem ser uma alternativa mais barata do que a electrificação da linha. Estão previstos comboios similares noutros pontos do país.

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Segundo a Asltom, também a Holanda, Dinamarca, Noruega, Itália, Canadá e França estão a considerar avançar para comboios a fuel cells, mas o primeiro país a ganhar esta corrida e a aderir à tecnologia será a Inglaterra. O Breeze, assim se denomina o comboio a hidrogénio, será igualmente fabricado pela Alstom e prevê-se que comece a operar em 2022.

Os britânicos, que montaram os primeiros 15 postos de abastecimento de hidrogénio em 2015, pretendendo agora atingir 65 em 2020 (com um investimento de 65 milhões de libras) e 1.100 locais de abastecimento em 2030, contra um investimento estimado em 400 milhões, recordam que os custos para a saúde devido à má qualidade do ar que se respira em Londres está estimado entre 100 e 200 milhões de libras por ano.

Saltar do petróleo para o H2

Uma das apresentações mais curiosas neste encontro da Sociedade de Hidrogénio pertenceu a uma das empresas mais fortes no sector do petróleo, que desde há algum tempo a esta parte tem investido fortemente no hidrogénio. Referimo-nos à Shell, que é o maior operador de estações de reabastecimento, entre as 126 que existem na Europa, e que agora surge a trabalhar arduamente em prol do ambiente.

Para a Shell, que tem o maior electrolisador do mundo (aquele fornecido pela ITM Power de que falámos acima), para serem financeiramente viáveis, os postos de abastecimento têm de fornecer uma quantidade interessante de veículos. Como isso nem sempre acontece, a petrolífera (que se está a tentar transformar numa empresa de energia) aconselha a instalar postos apenas onde exista uma frota mínima. À falta desta, optar pelos locais onde circulam autocarros e camiões, que consomem quantidades muito superiores e que são muito difíceis de electrificar a bateria. Segundo um representante da Shell, um camião de 40 toneladas necessita de 9 toneladas de baterias para garantir a desejada autonomia, com as células de hidrogénio e respectivos depósitos a pesar apenas uma fracção mínima desse valor.

Lembra a Shell que um automóvel eléctrico a bateria tarda, na melhor das hipóteses, 30 minutos para recarregar uma unidade de 100 kWh, enquanto um carro a hidrogénio abastece com 3.000 kWh em apenas 3 minutos.

Às críticas sobre a menor eficácia dos carros eléctricos a fuel cells face aos concorrentes a bateria, com os primeiros a terem uma eficácia total de 60%, inferior pois aos 80%-90% das baterias, a Shell responde que nem tudo é uma questão de eficiência energética. E lembra, a propósito, que usámos durante 100 anos motores a gasolina que, nas melhores unidades, atingem 30% de eficiência.