Quando, esta semana, o Parlamento aprovou um voto de pesar pela morte do tenente-coronel Marcelino da Mata, Ascenso Simões (e outros dois deputados do PS) votou contra, contrariando o sentido de voto indicado pela sua bancada. Um dia depois, num artigo publicado no jornal Público, defendeu que “o país esquece rápido o seu passado” e que, nesse sentido, o Padrão dos Descobrimentos “devia ter sido destruído”. Mais: no 25 de Abril “devia ter havido sangue, devia ter havido mortos”.
Ao Observador, o deputado socialista explica que não foi literal quando escreveu que “devia ter havido mortos” no 25 de Abril, mas sim “simbólico”. “Não se trata de mortos físicos nem de sangue derramado nas ruas, mas de cortes epistemológicos. Cortes verdadeiros do ponto de vista da política, da transformação da sociedade”, diz. Quanto ao Padrão dos Descobrimentos, mantém o que disse: da mesma forma que estátuas foram derrubadas e que a ponte Salazar mudou de nome para ponte 25 de Abril, também o Padrão devia ser destruído enquanto “monumento do regime ditatorial” que é.
“Quando não temos leitura da história achamos que a normalidade é passar por um qualquer momento sem nos questionarmos. Mas se nos questionássemos, enquanto sociedade, perguntaríamos porque é que não derrubamos aquele que é um dos grandes monumentos do regime ditatorial”, diz em declarações ao Observador, afirmando que as revoluções servem para “fazer cortes” e que, nesse sentido, o 25 de Abril não “fez os cortes suficientes para limpar da nossa memória elementos que são danosos da construção de uma democracia plena”.
No artigo publicado no jornal Público, Ascenso Simões afirma que, “em Portugal, o salazarismo foi muito eficaz na construção de uma história privativa, garantindo, até hoje, a perenidade dos mitos do desígnio português, dos descobrimentos, ou do império”. Mas, no entender do deputado socialista, não existiu império nenhum. Esse império foi apenas uma construção do salazarismo e, mantendo de pé monumentos como o Padrão dos Descobrimentos, faz com que essa construção permaneça viva.
“Falta o conhecimento da história. Falta perceber verdadeiramente que não tivemos império nenhum. Que os tempos que vivemos desde o século XV até ao 25 e Abril foram tempos de grande instabilidade que nunca consolidaram império nenhum, mas esse império que está na nossa cabeça é o império salazarista. É uma construção simbólica do império salazarista”, diz o deputado ao Observador, sublinhando que ao fim de 40 anos de democracia ainda “não nos queremos confrontar com o passado” e que a primeira vez que a Constituição da República Portuguesa fala de império é a Constituição de 1933, a “Constituição Salazarista”.
Sobre a morte de Marcelino da Mata, o deputado socialista — que se opôs a que o PS votasse a favor de um voto de pesar — afirma que as condecorações de Marcelino da Mata que “serviram para aprovar um voto de pesar pela sua morte” não são mais do que “cruzes de ferro da nossa doméstica vida das décadas de 1960 e 1970”. “O ser humano, todo ele, merece o maior respeito na morte. Porém, são os que se aproveitaram e aproveitam de Mata, do seu passado e das suas medalhas fascistas, quem o desrespeita, quem lhe nega a paz eterna como salvação do seu passado abusador”, afirma.