“A investigação iniciou-se pela apreensão da meia tonelada cocaína, mas esse não é o nosso viés, o nosso fim“. Para a Polícia Federal, no caso do jato privado que transportava droga para Portugal e em que viajava João Loureiro, há muito mais a investigar do que aquele voo e “todos são suspeitos”, incluindo a tripulação. Não há exceções, nem uns são menos suspeitos do que outros.

Ao Observador, Elvis Secco, coordenador nacional de repressão às drogas, armas e fações criminosas da Polícia Federal brasileira, explicou que os investigadores estão a tentar determinar a origem da droga apreendida na fuselagem do Dassault Falcon 900 da Omni — terá vindo do Peru, Colômbia ou Bolívia — e clarificou mesmo o porquê de não ter havido detenções nesta fase inicial da investigação: as suspeitas que existem são circunstanciais. Uma das certezas que deixa também é que nem os sócios da empresa brasileira Lopes & Ferreira Assessoria Ltda — que na versão do antigo presidente do Boavista foi quem pagou a viagem — escaparão ao raide dos investigadores que, sabe o Observador, está a merecer a atenção especial das autoridades centrais brasileiras, dado o “modal aéreo” e a quantidade de droga encontrada.

A investigação é complexa, porque o Ministério Público brasileiro e a Polícia Federal têm de reconstituir tudo o que aconteceu antes da aterragem do Falcon 900 em Salvador da Bahia — onde a droga acabaria por ser apreendida –, perceber qual seria o seu destino final e quem lucraria com ela: “A partir da apreensão, outros factos mais são investigados”, começou por referir Elvis Secco, responsável daquela polícia com uma larga experiência no tráfico de droga e desmantelamento de redes criminosas. Secco não esconde ser um grande defensor da descapitalização patrimonial em casos de lavagem de dinheiro e da cooperação internacional, uma estratégia que, além de fazer escola em muitos países, tornou a Polícia Federal na que “mais sequestra património conseguido através de lavagem de dinheiro com o tráfico”.

O que aconteceu no dia 9 e porque não houve detenções?

O Falcon 900 tinha partido a 27 de janeiro para o Brasil, a partir de Tires, tendo feito uma paragem em Cabo Verde e outra em Salvador da Bahia, antes de chegar ao seu destino final, Jundiaí, interior de São Paulo, e onde se acredita que a cocaína tenha sido carregada. Na viagem seguiram João Loureiro, o espanhol Mansur Heredia e três tripulantes.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

João Loureiro, 500 quilos de cocaína e empresários do futebol. O enigma do avião privado com droga retido no Brasil

Foi já no regresso, a 9 de fevereiro, à chegada a Salvador da Bahia, que um alerta do piloto sobre a estabilidade do avião precipitou tudo. Primeiro chegaram os técnicos, depois as autoridades, alertadas por aqueles.

“Nós temos um avião carregado de cocaína, um avião particular, temos ali todas as pessoas que tinham relação com esse avião, piloto, passageiros… A princípio, se fosse numa outra circunstância, até por uma outra autoridade policial, conforme a decisão, poderia prender todo o mundo. Se tem um avião carregado de cocaína com uma pessoa dentro e se alguém achar que esse cara tem culpa”, disse ao Observador Elvis Secco, adiantando qual foi a linha seguida pela Polícia Federal da Bahia.

Só que nós optámos por fazer o quê? Segurar o avião e fazer toda a investigação já com o inquérito em andamento”, revela.

Ou seja, por enquanto, quando a polícia se refere a “suspeitos”, “não quer dizer que há provas contra ninguém, só quer dizer que em razão da circunstância todos são suspeitos”.

E foi o facto de as suspeitas serem resultado das circunstâncias e não de provas concretas que fez com que nem os passaportes fossem confiscados, podendo os suspeitos deixar o território brasileiro. Além de quem estava no avião, serão também passados a pente fino todos aqueles que possam estar ligados, como quem supostamente pagou a viagem: “Todos estão sendo investigados, todos. Os que estavam na aeronave e os que têm relação com a aeronave estão a ser investigados, sem exceção”.

João Loureiro não está retido, mas Polícia Federal pediu que não saísse do Brasil

Elvis Secco não responde sobre se foi a polícia a querer ouvir João Loureiro ou este a pedir para ser ouvido, porque diz que “isso poderia prejudicar tanto a investigação brasileira como a portuguesa”.

Polícia optou por não reter ninguém no Brasil dada a natureza das suspeitas

Questionado diretamente sobre a situação processual de João Loureiro, sobre quem afirma também recaírem suspeitas, assim como a ausência de medidas restritivas, Elvis Secco esclarece: “Ele foi ouvido, mas o passaporte dele não foi retido, então ele pode ficar aqui ou voltar para Portugal. Não tem qualquer decisão judicial, nem foi apreendido o documento e comunicado ao juiz”, diz, justificando novamente a decisão com a falta de provas materiais: “Justamente, isso acontece porque o nível de suspeição é pela circunstância e não por ter provas contra cada um. O avião ‘caiu’ ali com cocaína, há identificação das pessoas, os documentos. Começa-se a investigação pela apreensão e, quando isso acontece, necessita que sejam esclarecidos todos os factos, por isso que digo, o grau de suspeição é o mesmo”.

Mas isso significa que outras medidas não possam ser tomadas nos próximos dias? Não. “Se em relação a qualquer um dos suspeitos, no decorrer da investigação, tivermos provas, qualquer medida judicial pode ser tomada. Em relação a qualquer um deles. O que vai indicar isso é a investigação e, por enquanto, ela está muito no início para a gente falar qualquer coisa”, afirmou.

Está no início e vai demorar, avisa já este responsável da Polícia Federal: “Não porque nós demoramos para fazer [as coisas], mas porque leva tempo, fazer a identificação de cada um…” Nesse trabalho que está já a ser feito, de cruzamento de dados, conta, não foram ainda encontradas “relações anteriores comprovadas” com esquemas desmantelados naquele país. Mas “até isso está a ser investigado”.

De onde vem a droga? O mais provável é ter vindo do Peru ou Bolívia

“O padrão aqui é a cocaína vir do Peru, Bolívia ou Colômbia”, revela ao Observador o coordenador de repressão às drogas, armas e fações criminosas da Polícia Federal, esclarecendo que neste caso essa é “mais uma coisa que está sob observação”: “Temos aqui a análise em química que pode identificar a origem dessa cocaína, está sendo feito. É um projeto que nós temos, então temos a chance de verificar de que país veio. Isso ainda não foi concluído, porque a apreensão faz pouco tempo. Não é tão rápido assim”.

A experiência, porém, leva Elvis Secco a avançar já para duas origens mais prováveis: “Fazemos fronteira com estes três países produtores e pode ter vindo de qualquer um, mas geralmente [nestes casos] é Peru ou Bolívia”.

Sobre a cooperação entre a Polícia Federal e a Polícia Judiciária, nomeadamente sobre a possibilidade de deslocações da polícia portuguesa ao Brasil ou das autoridades brasileiras a Lisboa no âmbito das investigações em curso — recorde-se que o cidadão espanhol já estava a ser investigado pela Judiciária — Elvis Secco garante apenas que tudo está a ser trabalhado, sem excluir qualquer deslocação: “Isso aí está sendo analisado e não tenho nada para falar sobre isso, porque depende das circunstâncias”.

Todos se ofereceram para que dados dos telemóveis fossem analisados

Elvis Secco confirmou ainda que, apesar de ninguém estar retido, a polícia pediu aos suspeitos para que fossem copiados dados dos seus telemóveis, como mensagens e fotografias, tal como o Observador já havia revelado, quando noticiou que o delegado da Bahia havia inclusivamente advertido João Loureiro a comunicar qualquer alteração de morada. Neste processo, ao contrário do que acontece em outros, nenhum dos investigados terá mostrado oposição à cópia de ficheiros para que sejam agora analisados na investigação.

Depois de ser ouvido durante várias horas, João Loureiro sai em liberdade e pode voltar a Portugal

“Todos os telemóveis são utilizados para extrair dados numa investigação, para você obter elementos de prova, então muitas vezes até o próprio investigado franqueia o seu telemóvel para que os seus dados sejam extraídos”, disse, concluindo: “Se não me engano, os próprios suspeitos neste casos franquearam os telemóveis para que os dados fossem extraídos. Não houve necessidade de qualquer ordem judicial”.