A pandemia da Covid-19 veio “catapultar” cidadãos e entidades públicas para o digital, permitindo acelerar a transição digital da sociedade e da economia, defende uma especialista em administração pública, em entrevista à lusa.
Portugal, que se prepara para investir um quinto do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) na transição digital, está, a vários níveis da digitalização da economia e da sociedade, abaixo da média europeia, nomeadamente nas competências digitais, uso da internet ou investimento em inovação e desenvolvimento. Porém, para a especialista em administração pública, Maria Helena Monteiro, a pandemia, que teve “um custo terrível“, poderá ter permitido catapultar o país “com um sentido de urgência para o digital”.
“Não há dúvida que é uma causa pela qual os nossos indicadores [relacionados com uso e competências digitais] vão ser diferentes, de certeza absoluta”, afirma a docente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa.
O Plano de Recuperação e Resiliência de Portugal conta com um montante de 2,5 mil milhões de euros em subvenções na área da transição digital, estando disponíveis 650 milhões para a digitalização das empresas, 631 milhões para a administração pública e 559 milhões para a escola digital.
No índice europeu da economia e sociedade digitais de 2020, Portugal apresentava um crescimento nos últimos cinco anos, mas abaixo do ritmo europeu e com uma pontuação final também abaixo da média da Europa, liderada pela Finlândia, Suécia e Dinamarca, ficando em 19.º lugar em 28 países.
Segundo Maria Helena Monteiro, também coordenadora do ILab, eGovernment & eGovernance do ISCSP, Portugal tem bons resultados comparativamente com outros países europeus na oferta de serviços públicos digitais, mas que não eram “usados com intensidade”. A pandemia veio obrigar muitos cidadãos a recorrer a esses serviços por meios digitais que antes não usavam, aclara.
No entanto, Maria Helena Monteiro alerta que “não se fazem omeletes sem ovos”, sendo necessário investimento para garantir uma cobertura de telecomunicações de qualidade em todo o país e trabalho na inclusão digital de todos.
Os programas estão aí, os projetos estão aí, agora precisamos de pôr em marcha e ter muita consciência dos perigos e riscos que poderão surgir se não dermos a devida atenção a toda a sociedade e à inclusão digital de toda a sociedade”, vinca.
A transição digital foi definida como uma das linhas de ação da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia (UE), que se propõe dar prioridade às iniciativas que contribuam para acelerar esta transição enquanto motor da recuperação económica e promover a liderança europeia na inovação e economia digitais.
O programa da presidência aponta nomeadamente o desenvolvimento de competências digitais com vista à adaptação dos trabalhadores aos novos processos produtivos, a transformação digital das empresas e das plataformas digitais, a promoção da saúde e prevenção da doença e a educação e formação ao longo da vida.
Para o digital não deixar idosos para trás é preciso reforçar e adaptar formações
A transição digital poderá afetar a população que menos usa internet, os idosos, e para que isso não aconteça é necessário reforçar e adaptar as formações a um grupo que não é nada homogéneo, defende especialista.
“Este será o momento certo, porque face ao contexto da pandemia, existe, de facto, uma necessidade, uma motivação” para aprender a utilizar a internet por parte dos idosos, afirma à agência Lusa a investigadora ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa Ana Rita Coelho, que terminou no final de 2019 a sua tese de doutoramento sobre a inclusão digital da população sénior.
Ana Rita Coelho recorda que os dois motivos principais por parte desta população para não utilizar a internet são a falta de competências – o não saber usar – e, por outro lado, o “não ver uma utilidade”.
Com a pandemia, este último motivo desaparece para muitos dos casos, por o digital permitir o contacto à distância com familiares, consultas de telemedicina e outras questões práticas, explica a investigadora. Para Ana Rita Coelho, há “muito a fazer” nas ações de combate à iliteracia digital na população mais velha, sendo necessário aproveitar o momento para não só reforçar essas ações de formação, mas também as reformular.
No seu doutoramento, a investigadora alertava para a necessidade de olhar para esta faixa etária não como um todo uniforme, mas como um grupo muito heterogéneo e com diferentes modos de relação com as tecnologias de informação e comunicação (TIC) e que entraram em contacto com o digital em diferentes momentos da sua vida.
Face a essa heterogeneidade, Ana Rita Coelho diz que tem de haver um esforço para uma “despadronização” da formação, por forma a tornar as aprendizagens menos formais, mais flexíveis às necessidades de cada um e capazes de ocorrerem também noutros contextos onde ainda não ocorrem, como nos centros de dia ou no apoio domiciliário. A flexibilização das ações seria também importante para garantir que o combate à iliteracia digital não se fica por uma formação inicial, mas que garanta percursos de progressão, defende.
“Está a ser feito um bom trabalho, nomeadamente nas universidades seniores, mas ainda existe aqui alguma esteriotipização das atividades atribuídas à população idosa. É preciso responder às pessoas que têm menos competências, mas também dar respostas às outras que já estão noutro nível”, refere.
A investigadora, citando dados do Instituto Nacional de Estatística, recorda que Portugal quadruplicou a percentagem de pessoas na faixa etária entre os 65 e os 74 anos que usa internet entre 2010 (10%) e 2020 (40%), mas o valor ainda é baixo quando comparado com países do norte da Europa.
“Este momento que estamos a atravessar, a pandemia, penso que talvez tenha sido o momento mais importante para se afirmar a necessidade desta transição digital, da informação digital, do combate à iliteracia”, afirma à Lusa a presidente da APRe (Aposentados, Pensionistas e Reformados), Maria do Rosário Gama.
A dirigente salienta, no entanto, que há também questões a ter em conta, como as burlas, o risco de vícios em jogos, mas acredita que “as vantagens superam as desvantagens”, nomeadamente para as pessoas que estão isoladas. “O mais importante é combater os obstáculos, que nos sítios mais recônditos do país, a internet possa chegar, possam ter acesso aos ‘tablets’ e ‘smartphones’”, defende Maria do Rosário Gama.
A transição digital foi definida como uma das linhas de ação da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia (UE), que se propõe dar prioridade às iniciativas que contribuam para acelerar esta transição enquanto motor da recuperação económica e promover a liderança europeia na inovação e economia digitais.
O programa da presidência aponta nomeadamente o desenvolvimento de competências digitais com vista à adaptação dos trabalhadores aos novos processos produtivos, a transformação digital das empresas e das plataformas digitais, a promoção da saúde e prevenção da doença e a educação e formação ao longo da vida.
Há o risco de a digitalização aumentar a diferença salarial entre homens e mulheres, alerta CIG
A fraca presença feminina em empregos tecnológicos aumenta o risco de uma maior diferença salarial em relação aos homens, sendo necessário garantir que mais mulheres ingressam nessas áreas, afirma a presidente da Comissão para a Igualdade de Género.
“Temos que tomar as decisões, medidas públicas e executá-las para que consigamos levar cada vez mais mulheres e raparigas para as áreas STEM [ciência, tecnologia, engenharias e matemática] para conseguirmos diminuir o ‘pay gap’ [diferença salarial] e não causar aqui uma situação de um ‘pay gap’ superior”, diz à agência Lusa a presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), Sandra Ribeiro, admitindo que há o risco de uma crescente digitalização da economia poder levar a uma diferença salarial superior.
Em 2018, segundo o Eurostat, as mulheres representavam em Portugal menos de 15% dos profissionais das tecnologias de informação e comunicação (TIC) e o seu número até diminuiu em relação a 2005 (17,1%).
Sandra Ribeiro recorda que a diferença salarial entre homens e mulheres não vem necessariamente do incumprimento das regras ou da Constituição (trabalho igual, salário igual), mas de haver mais homens em cargos de direção e em trabalhos mais bem pagos. “O ‘pay gap’ está também relacionado com as áreas onde predominam o trabalho masculino e feminino. Nas TIC, temos efetivamente uma situação de muitos mais homens e aí com salários mais elevados”, salienta, considerando que uma das razões para a diferença salarial é também “esta segregação profissional”.
Para a presidente da CIG, as mulheres, estando menos representadas nas TIC, “têm menos possibilidade de encontrar empregos bem pagos e vão para áreas onde, de uma forma geral, a sociedade, por mais importante que esse trabalho seja, não tem esse reconhecimento, como por exemplo o cuidado ou a educação”.
Para ajudar a alterar esta realidade, a CIG iniciou em 2017, na altura como projeto-piloto, o projeto “Engenheiras por um dia”, que procura mostrar figuras femininas “a darem cartas” em áreas tecnológicas e mostrar a crianças e adolescentes que “as TIC não são um feudo masculino”.
Segundo Sandra Ribeiro, é importante que o trabalho em torno da perspetiva de género esteja presente nas mais diferentes variantes associadas à transição digital, seja em iniciativas de inclusão digital, de reconversão de carreiras, tendo a educação um papel fundamental. “Há que perceber porque é que as raparigas não se sentem atraídas pelas TIC. Se procurarmos a razão, provavelmente, radica numa infância que nós próprios tivemos e a maioria das pessoas continuar a ter que é uma infância marcada por uma dualidade cromática cor de rosa e azul. Esse é o problema de fundo”, vinca.
No entanto, Sandra Ribeiro olha com alguma esperança para o futuro por considerar que o país está numa situação em que, ao contrário de outras crises, consegue “antever as consequências” e pode desenhar políticas no âmbito da transição digital para garantir que não haverá um aumento da diferença salarial.
“Não há dúvida nenhuma de que se não tivermos uma perspetiva de género para todas as medidas que formos adaptar para esta reforma iremos ter uma maior desigualdade entre homens e mulheres. Só vejo uma solução que é a transversalidade da perspetiva de género em todas as medidas”, defende.
A transição digital foi definida como uma das linhas de ação da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia (UE), que se propõe dar prioridade às iniciativas que contribuam para acelerar esta transição enquanto motor da recuperação económica e promover a liderança europeia na inovação e economia digitais.
O programa da presidência aponta nomeadamente o desenvolvimento de competências digitais com vista à adaptação dos trabalhadores aos novos processos produtivos, a transformação digital das empresas e das plataformas digitais, a promoção da saúde e prevenção da doença e a educação e formação ao longo da vida.
Competências digitais devem ser introduzidas logo no 1.º ciclo, diz especialista
As competências digitais deveriam ser introduzidas logo ao nível do 1.º ciclo de ensino, defende a investigadora da Universidade do Porto Sofia Marques Silva, salientando que a inclusão digital não pode ser encarada como um luxo.
[A introdução às tecnologias da informação] deve ser mais cedo, precisamente porque precisamos de preparar crianças e jovens para as profissões de futuro que vão ter muito esta dimensão tecnológica”, afirma à agência Lusa a docente e investigadora do Centro de Investigação e Intervenção Educativas da Universidade do Porto.
Para Sofia Marques Silva, essa intervenção deveria também ser feita não de forma isolada, mas ligada às humanidades e às ciências sociais, por forma a garantir que os jovens possam “fazer leituras conscientes” da utilização dos computadores e da internet.
Nas escolas, “muitas vezes, tem-se resistido um bocadinho a esta entrada do mundo digital e com consequências na maneira como vamos educando os jovens para esta realidade”, frisa a também antiga coordenadora do eixo da inclusão entre 2017 e 2019 do INCoDe.2030 — Iniciativa Nacional Competências Digitais. Num momento de digitalização da sociedade e da economia, a especialista alerta que a inclusão digital não pode ser encarada como um luxo.
“Aceder ao digital não é um luxo, é o mínimo que temos que fazer. Não pode ser só uma ‘smart city’, mas um país, na sua totalidade, na sua diversidade, que também é inteligente, inteligente porque é capaz de incluir nas suas políticas preocupações com as desigualdades que sabemos que existem e que a pandemia veio acentuar”, conclui.
Sofia Marques Silva salienta a importância de se resolverem os entraves socioeconómicos à inclusão digital de todos os jovens, encarando-se, por exemplo, os computadores como bens essenciais.
“É fundamental garantir-se que as camadas mais jovens com mais dificuldades económicas tenham acesso a essas ferramentas. [..] Isto tem um impacto na forma como participamos na vida social, na vida política, na vida cívica. Quando muitas das formas de participação são no mundo digital, ficarem para trás é também ficarem arredados de um diálogo social”, vinca.
Para além do trabalho com crianças e jovens, Sofia Marques Silva salienta a necessidade de resolver obstáculos estruturais, como é o caso da falta de cobertura de internet em algumas zonas do país, mas também o trabalho junto de populações com baixos níveis de literacia digital.
A investigadora nota que a maioria dos esforços de inclusão digital têm sido feitos de forma pontual e de âmbito local, sendo necessário uma intervenção com uma dimensão nacional e contínua. “Não podem ser coisas de cinco minutos ou de um dia ou uma tarde. É necessário alguma coisa pensada, com envolvimento de equipas multidisciplinares”, constata, alertando que há custos para o Estado por ter “pessoas excluídas do mundo digital”.
A transição digital foi definida como uma das linhas de ação da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia (UE), que se propõe dar prioridade às iniciativas que contribuam para acelerar esta transição enquanto motor da recuperação económica e promover a liderança europeia na inovação e economia digitais.
O programa da presidência aponta nomeadamente o desenvolvimento de competências digitais com vista à adaptação dos trabalhadores aos novos processos produtivos, a transformação digital das empresas e das plataformas digitais, a promoção da saúde e prevenção da doença e a educação e formação ao longo da vida.
Por João Gaspar, da agência Lusa