Perto de quatro em cada dez trabalhadores independentes da Cultura são prestadores de serviços sem qualquer contrato, o que mostra a “informalidade das relações de trabalho“, segundo dados do Inquérito aos Profissionais Independentes das Artes e Cultura revelados nesta terça-feira.
O inquérito, o primeiro do género em Portugal, realizado pelo Observatório Português das Atividades Culturais (OPAC) no âmbito de um acordo entre a Direção-Geral das Artes (DGARTES) e o Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), contou com uma amostra de 1.727 profissionais independentes.
O universo em causa é o dos “profissionais independentes, com atividade por conta própria – que não têm contrato de emprego a tempo completo com um único empregador […], de todas as áreas (artes do espetáculo, artes visuais, património, bibliotecas, arquivos, etc.) e funções”. Dos inquiridos, 72% disseram “exercer atividade exclusivamente por conta própria”, enquanto os restantes combinavam o trabalho por conta própria com as funções por conta de outrem.
Os resultados revelaram que 38% da amostra prestam serviços sem contrato, “ou seja, cujo acordo de trabalho é verbal, correspondendo tipicamente à imagem do trabalhador a ‘recibo verde'”, como escreve a equipa do estudo, coordenada por José Soares Neves.
Muito abaixo desse resultado, encontra-se a segunda situação mais comum entre os inquiridos, que é a da prestação de serviços com contrato, abrangendo 13% dos participantes no inquérito, seguindo-se – com 11% das respostas – o “pequeno empresário”.
Se ventilarmos estes perfis pela variável idade esboça-se um recorte geracional dentro do panorama geral de informalidade nas relações de trabalho. Os prestadores de serviço sem contrato apresentam a média etária mais elevada (41,2 contra 40 anos na amostra), ao passo que as categorias que implicam algum grau de contratualização denotam as médias mais baixas”, pode ler-se no documento.
O inquérito assinala ainda que 17,2% dos participantes responderam estar desempregados no período entre 2019 e 2020, ou seja, contando já com “a primeira vaga pandémica”. “Entre esses dois anos o indicador triplicou de 5 para 16%”, sublinhou o OPAC. Apesar de serem indicadores diferentes, como frisou a equipa de investigadores, aquele valor de desemprego “contrasta fortemente com a variação da taxa mensal de desemprego da população ativa durante o mesmo período, entre o mínimo de 6,1% (julho de 2019) e o máximo de 7,9% (agosto de 2020)”.
O perfil de desempregado indica uma condição em que estar sem trabalho é uma ocorrência frequente, mesmo quando cruzada com outras prestações de trabalho episódicas. Ou seja, uma parte importante destes trabalhadores estão num limiar de ‘subemprego'”, refere o inquérito.
Muitos dos profissionais que responderam ao inquérito e que tiveram quebras de atividade “não se identificam como estando em situação de desemprego”, o que “sugere, por um lado, uma certa naturalização dos períodos de interrupção de atividade numa lógica de intermitência ‘normal’ do trabalho e, por outro, algum distanciamento face a mecanismos formais de enquadramento laboral“, como o acesso ao subsídio de desemprego. Aliás, apenas 3% da amostra do inquérito se enquadram na condição de desempregado “em sentido estrito”, isto é, com acesso ao subsídio de desemprego e inscrição em centro de emprego.
No perfil que é traçado sobre o trabalhador independente da área da Cultura tem entre 35 e 44 anos e “uma elevadíssima qualificação escolar“, em que 78% dos inquiridos tem o grau de licenciatura ou superior. A maioria dos inquiridos (56,1%) vive na área metropolitana de Lisboa, seguindo-se a região norte com 19,7%.
Segundo o OPAC, as artes performativas, com 54,4%, são referidas como a principal área de trabalho dos profissionais independentes, seguindo-se a música (23,6%) e o teatro (17,6%).
Os autores do inquérito referem ainda que, além de trabalhar por conta própria, o profissional da Cultura desdobra-se em várias funções e atividades, cumulativas, como “último recurso” para alcançar várias fontes de rendimento. Aliás, as 1.712 respostas obtidas “contemplam um total de 3.493 menções a 485 designações de profissões”.
“A variação de engajamentos possíveis corresponde a perfis diferenciados, que em alguns casos pode ser um regime de trabalho independente com um mínimo de regularidade, mas para a maioria dos inquiridos significa um quadro de precaridade e incerteza, situações em que a diversificação é um último recurso”, lê-se no documento.
Em junho de 2020, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, anunciava a intenção de promover um inquérito a todos os profissionais do setor e um mapeamento do tecido cultural, que serviriam de análise, atualização e adaptação dos regimes dos contratos laborais destes trabalhadores. O anúncio foi feito no final da primeira reunião do grupo de trabalho para delinear um novo estatuto do trabalhador da Cultura.
Quanto ao emprego no setor cultural português, segundo os números divulgados em junho de 2020 pelo Ministério da Cultura, os 160.600 trabalhadores existentes em 2018 representavam então 3,3% do emprego total, o que colocava o país em quarto lugar, com o menor peso de emprego cultural, na União Europeia. Segundo os dados, em Portugal, uma em quatro pessoas trabalha em atividades culturais em regime por conta própria, de forma independente, uma proporção “significativamente superior à que se verifica para o total do emprego”.