Várias instalações do Governo Regional da Madeira foram alvo de buscas por elementos da Polícia Judiciária e do Ministério Público esta quarta-feira, confirmou Miguel Albuquerque ao Observador. A investigação centra-se na venda da Quinta dos Arcos e na concessão da Zona Franca da Madeira.

Miguel Albuquerque é um dos investigados e as buscas terão tido, por isso, como um dos alvos o chefe do governo regional. O Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) diz numa nota que “o inquérito, que se encontra em segredo de justiça, não tem, até ao momento, arguidos constituídos”.

O Ministério Público apreendeu toda a documentação relativa à concessão do Centro Internacional de Negócios da Madeira — chamada de Zona Franca — revela o DCIAP na mesma nota. Esta concessão foi feita ao Grupo Pestana, em 2017. De acordo com Miguel Albuquerque, o caso está em segredo de justiça, não tendo adiantado mais informações.

Segundo o DCIAP, as buscas decorreram no âmbito de um inquérito que investiga a prática de crimes de prevaricação, corrupção e participação económica em negócio. Este departamento do Ministério Público enumera ainda os locais que foram alvo de busca: “Presidência do Governo Regional da Madeira; Vice-Presidência do Governo Regional da Madeira; Secretaria-Geral da Presidência do Governo Regional da Madeira; Secretaria Regional da Economia, Turismo e Cultura; Direção Regional Adjunta dos Assuntos Parlamentares, Relações Externas e da Coordenação; Direção Regional Adjunta das Finanças; SDM – Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, S.A.; duas sociedades comerciais; e duas residências particulares.”

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Em causa estão factos relacionados com a adjudicação, por ajuste direto, pelo Governo Regional da Madeira da concessão da administração e exploração da Zona Franca da Madeira à SDM – Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, S.A. As diligências, que foram executadas pela Polícia Judiciária, têm, igualmente, por objeto a investigação de uma eventual relação dessa adjudicação com a venda, a um fundo imobiliário, de um conjunto de imóveis onde se encontra instalada uma unidade turística”, diz o DCIAP

Em 2017, sendo já Miguel Albuquerque presidente do Governo regional (foi eleito em 2015 para), foi renovada a concessão do Grupo Pestana do Centro Internacional de Negócios.

O que está em causa na investigação

A investigação abrange a venda da Quinta do Arco, propriedade de Miguel Albuquerque e conhecida pelo seu roseiral, a um fundo do universo do Grupo Pestana, em 2017, segundo a edição ‘online’ do Expresso.

A Sociedade de Desenvolvimento da Madeira (SDM) foi criada em 1984 por investidores públicos e privados e, em 1987, obteve a concessão pública da Zona Franca por um período de 30 anos.

É responsável, em articulação com o Governo da Madeira, pela emissão de licenças para operação no âmbito do Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM, também conhecido por Zona Franca) e pela cobrança das respetivas taxas.

O governo social-democrata de Miguel Albuquerque decidiu, em fevereiro de 2017, adjudicar diretamente a concessão do CINM até 2027 à Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, então maioritariamente detida pelo Grupo Pestana, o que mereceu parecer negativo da Comissão Europeia, por entender que a adjudicação deveria ter sido feita por concurso público internacional, no respeito pelas regras de mercado e da concorrência.

A adjudicação da “concessão do serviço público” foi formalizada com uma resolução publicada no Jornal Oficial do arquipélago em 06 de fevereiro de 2017. De mútuo acordo com a concessionária, a região revogou o anterior contrato, que terminava nesse ano.

O novo contrato estabeleceu, entretanto, que a região passasse a deter uma participação de 49%, valor que no anterior era de apenas 25%, ficando os privados com a maioria do capital (51%).

Em 02 de dezembro de 2019, o Tribunal de Contas considerou que a contratação por ajuste direto estava “ferida de ilegalidade” porque não observou regras das concessões de serviços públicos.

A Comissão Europeia iniciou depois um processo de infração contra Portugal por considerar que a atribuição do contrato poderia infringir as regras da adjudicação de contratos de concessão.

No final de 2020, o atual governo madeirense (PSD/CDS-PP) formalizou a compra dos 51% de capital privado da SDM, representando um investimento de 7,3 milhões de euros, pelo que esta se tornou numa empresa de capitais integralmente públicos em 01 de janeiro de 2021.

Atualmente, o CINM inclui três áreas principais de investimento: a Zona Franca Industrial, o Registo Internacional de Navios – MAR e os Serviços Internacionais. Opera com base num regime especial de benefícios fiscais concedido pela União Europeia, estando em vigor o IV regime, que produz efeitos até 2027.

Em 31 de dezembro de 2019, estavam licenciadas no CINM 2.307 entidades – 1.579 no setor dos Serviços Internacionais, 48 na Zona Franca Industrial e 680 no Registo Internacional de Navios.

De acordo com os mais recentes dados da Autoridade Tributária, o CINM tem um contributo de 15% no total da receita fiscal da Madeira e representa 3.000 postos de trabalho diretos, excluindo os tripulantes dos navios registados.

Governo da Madeira pede celeridade no inquérito

O Governo Regional da Madeira reagiu esta quarta-feira, dizendo esperar “celeridade na investigação” ao Contrato de Concessão do Centro Internacional de Negócios, que desencadeou buscas efetuadas pela Polícia Judiciária em várias instalações do executivo insular.

O Governo Regional apenas espera celeridade na investigação, para que a verdade dos factos seja apurada e para que quaisquer dúvidas — ainda que vergonhosamente suscitadas por denúncias anónimas e com propósitos de baixa política claramente identificados — sejam devidamente esclarecida”, lê-se no comunicado distribuído pelo gabinete da Presidência do Executivo da Madeira.
O Executivo Regional de coligação PSD/CDS, liderado pelo social-democrata Miguel Albuquerque, declara ter sido “surpreendido por uma publicação na comunicação social sobre buscas realizadas nas suas instalações pela Polícia Judiciária”.

Na nota sublinha que “seria o primeiro interessado em esclarecer tudo o que há para esclarecer sobre esta ação das autoridades de polícia, não o podendo fazer pois o assunto está em segredo de justiça”.

E adianta que o “assunto [foi] originado numa denúncia anónima, que já foi objeto de uma comissão parlamentar – a investigação do Contrato de Concessão do Centro Internacional de Negócios”. Este assunto “já fora notícia, há meses, num outro órgão de comunicação social semanal ainda mereceu honras de facto novo”, vinca.

“Cumpre apenas dizer que, como é seu dever, o Governo Regional esteve, ao longo do dia, em estreita colaboração com a Polícia Judiciária, a apoiar na recolha de informação que aquele órgão de polícia entendeu útil para o cabal esclarecimento da questão em apreço, como já o havia feito em sede de Assembleia Legislativa Regional”, conclui o comunicado.

Grupo Pestana nega ser acionista da gestora do fundo que comprou a Quinta do Arco

O Grupo Pestana, por seu lado, assegura que “não é, nem nunca foi, acionista da sociedade gestora” do fundo ao qual foi vendida a Quinta do Arco, ou “detentor de unidades de participação do referido fundo”, sendo apenas inquilino.

Numa resposta enviada à agência Lusa, o grupo explicitou que “o fundo em questão é um fundo de investimento imobiliário aberto e o Grupo Pestana não é, nem nunca foi, acionista da sociedade gestora do fundo ou detentor de unidade de participação do referido fundo, sendo apenas inquilino”.

O Grupo Pestana também referiu que “não lhe compete comentar” as buscas feitas pela Polícia Judiciária a instalações do governo madeirense e à Sociedade de Desenvolvimento da Madeira (SDM), relacionadas com a adjudicação da concessão de exploração da Zona Franca.

Em comunicado, a SDM “confirma ter sido alvo de uma diligência judicial”, mas reafirma a “conduta transparente em todos os atos” praticados, considerando que a investigação em curso constituiu “uma excelente oportunidade para que se conclua da legalidade e boa-fé” com que a sociedade “sempre atuou” neste processo.