Foi assinado esta quarta-feira de manhã o protocolo que irá permitir a criação e instalação do Tikvá Museu Judaico de Lisboa. O Tikvá, palavra que significa “esperança”, pretende ser um local de luz, apresentando a história da comunidade judaica em Lisboa e Portugal com foco nos momentos de convivência com a restante população, nomeadamente entre os séculos XII e XV, que resultaram numa benéfica parceria e desenvolvimento em várias áreas.

O protocolo foi firmado entre a Câmara Municipal de Lisboa e a Associação Hagadá, uma associação de âmbito privado sem fins lucrativos fundada para criar, instalar e gerir o novo museu, que irá situar-se na zona de Pedrouços, em Belém, entre a Avenida da Índia e a Rua das Hortas, perto da Torre de Belém e da Fundação Champalimaud. A data da assinatura não foi escolhida ao acaso: a 31 de março de 2021, assinala-se o segundo centenário da abolição do Tribunal da Inquisição, uma “data muito importante”, como realçou Esther Mucznik, presidente da Hagadá.

“É um dia fundamental para nós. É o fim de um período sombrio, que destroçou inúmeras vidas. É o fim desse ‘monstruoso tribunal’, como um historiador lhe chamou, que abriu também o caminho para a liberdade.”

A sessão decorreu a partir das 12h30 na Sala do Arquivo da Câmara Municipal de Lisboa, na Praça do Município, sem a presença de público devido à Covid-19, mas com transmissão online. Além de Mucznik, estiveram presentes o autarca Fernando Medina, a vereadora da Cultura Catarina Vaz Pinto, a presidente da Assembleia Municipal José Leitão e o arquiteto responsável pelo projeto, o polaco Daniel Libeskind.

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[Reveja aqui a assinatura do protocolo para a criação do Museu Judaico de Lisboa:]

Um museu para contar “a parte luminosa” da história da comunidade judaica em Portugal

Esther Mucznik, uma das principais impulsionadoras do projeto, descreveu como será o futuro Museu Judaico de Lisboa, que deverá abrir portas em 2024  para contar a história de uma comunidade com raízes em Portugal desde a época romana e características que lhe concedem “um carácter muito peculiar”. Lembrando que a sua história foi marcada por “largos períodos de escuridão”, a presidente da Associação Hagadá explicou que não será no entanto esse o foco do espaço museológico, que se ira concentrar na “parte luminosa da nossa história”.

“O foco do museu vai ser a parte luminosa da nossa história, que também existiu e foi muito importante, entre os séculos XII e XV, quando podemos falar em convivência. Vamos insistir nesse aspeto positivo, porque, em primeiro lugar, é o período em que os judeus mais contribuíram para a nação portuguesa”, em várias áreas do conhecimento, como a medicina e a matemática. “Esse aspeto é o mais desconhecido da população portuguesa e estrangeira também, porque foi apagado, erradicado da memória coletiva. Queremos trazê-lo para o presente, porque marcou o país que somos hoje”, declarou Mucznik.

Além desse aspeto de caráter histórico, os responsáveis pelo museu gostariam de transmitir a ideia de que “são os períodos de liberdade, de convivência, que permitem de facto a inovação, a criatividade, o contributo. Essa mensagem é fundamental e será fundamental no nosso museu”. Outra mensagem importante é a de esperança, desde logo patente no nome do museu, Tikvá, uma sugestão do arquiteto Daniel Libeskind. “Foi ele que sugeriu acrescentar ao nome ‘Tikvá’, que quer dizer ‘esperança’. Concordámos porque, de facto, a esperança é aquilo que nos dá força para lutar pelos nossos sonhos.”

Para Libeskind, não existe nenhuma palavra que sintetize melhor o povo e a cultura judaicos. “A ideia de esperança, a esperança de que a história se mova da escuridão para a luz, da prisão para a liberdade. Essa é a grande contribuição do pensamento judaico para um mundo melhor”, considerou esta quarta-feira. O arquiteto, conhecido como o arquiteto da memória e da esperança, foi responsável pelo projeto de outros museus judaicos, como o de Berlim, São Francisco e Copenhaga, dos memoriais do Holocausto nos Países Baixos, Canadá e Estados Unidos da América e ainda pela reconversão do local do World Trade Center, em Nova Iorque. Será apoiado em Portugal pelo atelier Miguel Saraiva+Associados.

Segundo Esther Mucznik, o Museu Judaico de Lisboa “não será apenas um museu de história”. “Terá também um outro aspeto que é importante, o da cultura e tradição judaica. As comunidades judaicas em Portugal são pequenas, produto da história, não têm aquela visibilidade e muita gente ignora ao desconhece o que é a cultura judaica. Isso estará presente no nosso museu”, juntamente com “uma mensagem que queremos transmitir não só através de todo o percurso expositivo, mas também através das atividades — a ideia de que contrariamente ao que pensam aqueles que têm receio de que a pluralidade de culturas possa  afetar a identidade de uma nação, a pluralidade de culturas é uma riqueza para um povo e uma nação”.

O espaço museológico, garantiu Mucznik, foi pensado para todos, judeus e não judeus, mas sobretudo para estes últimos, que não conhecerão tão bem a cultura e história. “É um museu português, que conta a historia dos homens e das mulheres que ajudaram a fazer Portugal.”

Projeto é “afirmação política da cidade de Lisboa”, diz Medina

O presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, apontou igualmente que o Tikvá Museu Judaico de Lisboa será um projeto que irá contar a “história milenar de uma cultura, o seu percurso, a sua interação com as culturas e os poderes dos tempos”, valorizando e mostrando “a presença neste território de uma comunidade a importância que tem a comunidade judaica”. A sua história “tem momentos de enorme violência e escuridão, mas que também teve momentos de luz”, afirmou, frisando que “será sobretudo um museu de luz” e esperando que, no futuro, se possa também olhar para o ato de assinatura do protocolo como um momento luminoso em que “se celebrou a diversidade, a inclusão, a convivência e a liberdade”.

Além da valorização da cultura e história lisboetas, o Tikvá irá permitir à cidade de Lisboa fazer “uma afirmação política muito clara neste tempo que vivemos — o de que Lisboa é, continuará a ser e a bater-se pelas forças da liberdade, da inclusão, da diversidade cultural, da convivência de culturas e do respeito mútuo como elementos-chave de uma sociedade digna, que se se quer inovadora, progressista, capaz de avançar num espírito de convivência e convergência”, declarou Medina, acrescentando que essa era também a ideia por trás da construção do museu.

“Estamos a assistir em muitos lugares do mundo ao levantamento de forças que há muito queríamos ver colocadas para trás da historia. E o que esta decisão significa é isso mesmo: uma afirmação política da cidade de Lisboa, uma afirmação que queremos que perdure”, disse ainda o presidente.

Local do antigo projeto do Museu Judaico será transformado em memorial aos judeus de Lisboa

Fernando Medina lembrou ainda que, aquando da aprovação da atribuição do terreno e do acordo financeiro relativo à construção do Museu Judaico, foi aprovada “uma terceira decisão”, a de “transformar o local previsto para o anterior museu num memorial ao povo judaico em Lisboa, não permitindo ali a edificação de mais nenhum edifício”.

O projeto original do Museu Judaico de Lisboa previa a sua construção no bairro de Alfama, no local onde ficava a antiga Judiaria. A construção foi suspensa depois de um tribunal ter aceitado a providência cautelar interposta por uma associação de moradores e comerciantes, que desde o início contestou o projeto de arquitetura e o local escolhido para a instalação do novo espaço museológico. A decisão do tribunal obrigou a uma mudança de planos e à criação de um novo projeto para a zona de Belém. Um “percalço” que fez com que “em vez de um museu tenhamos um museu e um local de homenagem”, constatou Medina.

De acordo com o autarca, o local onde deveria ter sido construído o museu será “convertido num espaço público de fruição da comunidade e de todos os que a procurem”. “Provavelmente terá uma homenagem ao cônsul Aristides de Sousa Mendes”, uma proposta levada a reunião de câmara no final do ano passado, “mas será um espaço dedicado à população judaica”, garantiu Fernando Medina.