A “Obra Completa de Francisco Sá de Miranda” (1481-1558), com fixação de texto, notas e introdução dos investigadores Sérgio Guimarães de Sousa, João Paulo Braga e Luciana Braga, com chancela da Assírio & Alvim, chega esta quinta-feira às livrarias portuguesas.
Esta edição inaugura a atividade do Centro de Estudos Mirandinos, instalado em Amares, no distrito de Braga, vila que Sá de Miranda escolheu para viver, afastando-se da corte do rei João III, no século XVI, pela qual não revelou interesse. O centro vai realizar online o colóquio “Repensar Sá de Miranda e o Renascimento”, nos dias 29 e 30 de abril, adiantou à agência Lusa um dos responsáveis pela edição, Sérgio Guimarães de Sousa.
Destinada ao público em geral, a presente edição disponibiliza a obra do poeta, e surge mais de 80 anos após a primeira recolha das “Obras Completas de Sá de Miranda”, fixadas e organizadas pelo filólogo Manuel Rodrigues Lapa (1897-1989), para a editora Sá da Costa, em 1937, que viria a ter diversas reedições revistas ao longo do século XX.
“O mercado editorial”, porém, “descontando edições parciais da obra mirandina, não dispunha de nenhuma edição integral da obra do poeta do Neiva”, disse à Lusa Sérgio Guimarães de Sousa, numa referência à região de Amares, onde o escritor se fixou, e ao rio Neiva que a atravessa.
“Daí esta reedição, que não consiste — convém notar — numa edição crítica; é uma edição destinada ao público em geral. Sá de Miranda é um clássico incontornável e era forçoso reeditá-lo”, afirmou o professor e investigador do Instituto de Letras e Ciências Humanas da Universidade do Minho.
Sá de Miranda é apontado pelos académicos como o mais importante autor do Renascimento português, depois de Luís de Camões (1524?-1580?). Na introdução à atual edição, é referenciado como “um dos mais influentes poetas” na transição do século XV para o XVI. Natural de Coimbra, formado em Humanidades e Leis, Sá de Miranda viveu em Itália, entre 1521 e 1526, incorporando os ideais do Renascimento, e as novas métricas, na sua própria expressão.
“Cultor e porta-voz da modernidade renascentista e das inovações classicistas”, removeu “da lírica portuguesa a matriz medieval”, sendo-lhe assim atribuída a sofisticação da nova expressão, com a assimilação do soneto, da epístola, da elegia, da ode, da écloga e da comédia clássica, de acordo com esse ‘dolce stil nuovo’ (novo estilo), que não o deixava hesitar perante a realidade, o conflito interior e o que este pode ter de mais duro.
São de Sá de Miranda os versos “não posso viver comigo, nem posso fugir de mim”, por vezes confundidos com Fernando Pessoa, e é também do poeta o soneto “Que farei quando tudo arde?”, que António Lobo Antunes tomou para título do seu romance de 2007.
Esta edição da “Obra Completa de Francisco Sá de Miranda” visa assim “o propósito de oferecer a obra mirandina a um público alargado”. “Daí que houvesse a preocupação de a apetrechar com um número vasto de notas explicativas da linguagem do século XVI, de acesso menos evidente para leitores de hoje. Outra preocupação foi tentar respeitar ao máximo a pontuação da época, cujo funcionamento, em certa medida, é distinto do nosso”, explicou Sérgio Guimarães de Sousa. O investigador destacou ainda que “existe toda uma dinâmica de pesquisa em torno da figura e da obra de Sá de Miranda”, que não se limita a Portugal, estando ativa em centros de investigação do Brasil, Espanha ou Itália.
É neste contexto que surge o Centro de Estudos Mirandinos, com o colóquio “Repensar Sá de Miranda e o Renascimento”, mobilizando investigadores das universidades de Coimbra, Lisboa, Minho, Porto e de Trás-os-Montes e Alto Douro, e das universidades brasileiras de São Paulo, Paraná e de Ouro Preto, assim como de Santa Bárbara, nos Estados Unidos, e de Santiago de Compostela, em Espanha.
Aos intervenientes une o objetivo de “revisitar criticamente a obra do grande escritor, nas suas várias modalidades expressivas e na riqueza dos caminhos temáticos que nela se percorrem, bem como analisar, tanto filosófica como esteticamente, o Renascimento enquanto expressão de uma nova forma de conceber e ver o mundo”.
Os casos de Gil Vicente e Sá de Miranda, os “conselhos aos príncipes”, nas perspetivas de Maquiavel e do poeta português, reflexões sobre a fama, a filosofia e o pensamento ético-moral, a partir da obra de Sá de Miranda, a função social da literatura, a sua dimensão cívica e a sua “contraideologia”, a receção e tradução da obra do escritor do Renascimento nos países de língua alemã, e o seu impacto em autores como Cesário Verde, Maria Teresa Horta e Ana Luísa Amaral são alguns dos temas do encontro.
A nova edição da “Obra Completa de Francisco Sá de Miranda”, num só volume, também inclui as cartas do escritor, elegias, teatro e a “Oração aos Reis D. João II e Rainha D. Catarina”, que o poeta proferiu em Coimbra em 1527, . Além de Sérgio Guimarães de Sousa, da Universidade do Minho, a presente edição conta com João Paulo Braga, da Universidade Católica, e Luciana Braga, do Centro de Estudos Mirandinos.