Depois do empurrão de Marcelo Rebelo de Sousa, a luz verde de António Costa. Depois de dias de dúvida em relação à posição dos socialistas sobre a questão do enriquecimento ilícito ou injustificado, foi o próprio primeiro-ministro que veio dizer que o PS “mostrou abertura” para “introduzir melhorias” no regime que existe, numa discussão que, no entender de Costa, tem condições para chegar a bom porto.
A posição de António Costa foi transmitida em declarações aos jornalistas à margem da cimeira ibero-americana que está a decorrer em Andorra. Questionado sobre o tema do enriquecimento injustificado, que voltou à agenda à boleia da Operação Marquês e faz parte de uma proposta (sobre “ocultação da riqueza”) da Associação Sindical dos Juízes, o primeiro-ministro remeteu o assunto para o Parlamento mas adiantou que “todos os grupos parlamentares, incluindo o PS, já tomaram posição” e mostraram “abertura” para melhorar o regime criado em 2019 para reforçar a transparência nos altos cargos políticos e públicos.
Apesar de o PS não ter ainda tomado posição oficial sobre o tema, tendo apenas alguns deputados expressado as suas opiniões a título individual, o primeiro-ministro, que é também secretário-geral do PS, garantiu assim que o PS estará disponível para rever o regime no Parlamento com base na proposta dos juízes, que descreveu como “um contributo muito importante”.
A “importância” reside particularmente no facto de Costa considerar que a proposta “desbloqueia o debate”. E é um debate antigo: há mais de dez anos que se sucedem as propostas, da esquerda à direita, para criminalizar o enriquecimento ilícito ou injustificado, tendo duas delas esbarrado no Tribunal Constitucional, no tempo do Governo de Pedro Passos Coelho, por inverterem o ónus da prova.
Ora a discussão atual, considera Costa, é “completamente diferente” porque “deixa de se fixar numa obsessão” em que “alguns insistiam” e numa solução “que toda a gente sabia que era inconstitucional”. Para o Governo, sublinhou ainda, dias depois de Marcelo Rebelo de Sousa ter feito pressão e recordado que na próxima semana haverá um Conselho de MInistros dedicado ao tema da corrupção, fica a definição do “conjunto de instrumentos legislativos previstos na estratégia nacional anticorrupção”.
O primeiro-ministro aproveitou o momento para deixar um apelo: “A corrupção tem de ser um fator de união entre todos. É a única forma de os cidadãos confiarem nas instituições e de não verem corrupção como arma de arremesso político”.
O apelo de Costa segue-se ao de Marcelo, que na segunda-feira, de visita a uma escola lisboeta, pediu que não se voltasse a “perder uma boa ideia” — a da criminalização do enriquecimento injustificado — por causa de problemas com a “forma” e considerou que já se perdeu “tempo de mais”, pressionando Governo e partidos a finalmente concretizarem a lei: “Não posso fazer mais”, lamentava então Marcelo.
As declarações de Costa surgiram à mesma hora que Catarina Martins apresentava, na sede do BE, precisamente a proposta do partido para criminalizar o enriquecimento injustificado. Também o PCP vai apresentar um projeto neste sentido. Estes juntar-se-ão à proposta avançada pelos juízes, que Marcelo e Costa viram com bons olhos.