A Agência Portuguesa do Ambiente (AIA) esclareceu que o procedimento de Avaliação de impacte Ambiental (AIA) do projeto mineiro de exploração de lítio em Montalegre, concessionado à Lusorecursos Portugal Lithium, está “suspenso”. O esclarecimento surge depois de serem conhecidas declarações do ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, ao jornal Político nas quais considerou “muito improvável” a possibilidade da mina prevista para Montalegre avançar.

O contrato de concessão da exploração de lítio estabelece que a concessionária tem até dois anos para obter um estudo de impacte ambiental favorável à laboração. O incumprimento desse prazo dá direito ao Estado de rescindir o contrato que foi assinado em março de 2019, mas a APA concedeu uma prorrogação para a realização do estudo de impacte ambiental.

“A Comissão de Avaliação identificou um conjunto de lacunas e incoerências, não só ao nível do Estudo de Impacte Ambiental (EIA) mas também do próprio projeto, que não permitiam a continuidade do procedimento de AIA”, afirmou a APA, por escrito, à agência Lusa. A APA esclareceu ter comunicado esta informação ao proponente em janeiro, altura em que abriu um período de 10 dias para audiência de interessados, tendo posteriormente a empresa solicitado uma prorrogação desse período “até 13 de agosto”, o que foi autorizado, “pelo que o procedimento de AIA se encontra suspenso”.

Após um pedido de esclarecimentos sobre a “Concessão de Exploração de Depósitos Minerais de Lítio e Minerais Associados — Romano”, no concelho de Montalegre, distrito de Vila Real, a APA referiu que o procedimento de AIA se iniciou a 14 dezembro. A Agência explicou que, na qualidade de autoridade de AIA, nomeou a respetiva Comissão de Avaliação e que o procedimento de AIA se iniciou com a análise da conformidade do respetivo EIA. “Esta fase do procedimento tem como objetivo aferir se o referido estudo contém toda a informação necessária à avaliação ambiental do projeto ou se, pelo contrário, é necessária a apresentação de elementos adicionais”, explicou.

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Nesse contexto, a Comissão de Avaliação “identificou um conjunto de lacunas e incoerências, não só ao nível do EIA mas também do próprio projeto, que não permitiam a continuidade do procedimento de AIA. Neste sentido, a APA comunicou esta pronúncia ao proponente a 26 de janeiro, tendo procedido nessa data à abertura de um período de 10 dias úteis para audiência de interessados. “O proponente, posteriormente, solicitou prorrogação desse período até 13 de agosto de 2021. Essa prorrogação foi concedida pela APA, pelo que o procedimento de AIA em causa se encontra suspenso”, salientou a Agência Portuguesa do Ambiente.

Ministro do Ambiente diz que concessionária “tem de ser mais profissional”

O ministro do Ambiente disse que o próximo Estudo de Impacto Ambiental [EIA] da LusoRecursos para o projeto de lítio em Montalegre tem de ser “muito melhor”, caso contrário “é inevitável” que a licença de concessão seja revogada. “Se a LusoRecursos não for mais profissional do que aquilo que tem sido, é inevitável que esses prazos se esgotem e que essa licença venha a ser revogada”, afirmou o ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Matos Fernandes, referindo que a empresa à qual o Governo concedeu o contrato de exploração em 2019 pediu um adiamento de prazo até agosto para poder voltar a entregar o novo EIA.

Falando à margem da apresentação do Projeto Centrais Fotovoltaicas – Telheiras e Parque das Nações, promovida pela Empresa Portuguesa de Águas Livres (EPAL), em Lisboa, o ministro esclareceu o que disse em entrevista ao jornal Politico, publicada esta quarta-feira, em que avançou que o Governo vai cancelar o projeto da mina de lítio em Montalegre da LusoRecursos.

O ministro do Ambiente indicou entretanto que “a LusoRecursos já apresentou, por duas vezes, o seu EIA junto da APA [Agência Portuguesa do Ambiente]. A primeira das vezes foi preliminarmente rejeitada. A segunda das vezes foi considerada desconforme”. No âmbito do pedido de adiamento de prazo para apresentação do novo EIA por parte da empresa, o titular da pasta do Ambiente reforçou que “o próximo EIA tem mesmo que vir muito melhor e tem mesmo de estar em condições de permitir avaliar quais são os impactos ambientais que são gerados por uma atividade como esta”.

“Portugal está fortissimamente empenhado na exploração do lítio, porque só tendo a Europa 9% das suas matérias críticas para o desenvolvimento da sua economia, é essencial que aposte naquelas que tem e direi que a pandemia da Covid-19 reforça esta mesma convicção: não podemos estar sistematicamente expostos a não termos na Europa, neste caso em Portugal, as matérias de que necessitamos”, declarou.

Autarca de Montalegre disse que teria sido boa notícia chumbo do projeto mineiro

O presidente da Câmara de Montalegre disse que teria sido uma boa notícia o chumbo do projeto mineiro e que aguarda o Estudo de Impacte Ambiental para tomar uma posição sobre a exploração de lítio no concelho.

Para o presidente da Câmara de Montalegre, Orlando Alves, o chumbo do Governo “teria sido uma boa notícia” porque o projeto deixou a população “inquieta” e “em alvoroço”.

Depois de apresentar dois EIA, a empresa Lusorecursos Portugal Lithium pediu um adiamento de prazo até agosto para poder voltar a entregar o novo Estudo de Impacte Ambiental.

“Se lhe é dado mais um prazo significa que o processo pode estar vivo ainda”, referiu Orlando Alves à agência Lusa.

Para o autarca do distrito de Vila Real, “esta evidência da incapacidade da empresa só surpreende o menos atento”, justificando esta declaração com o “terceiro EIA que há de vir”.

“Só tomaremos posição quando conhecermos os impactes, os positivos e os negativos, e isso é o que tem que vir plasmado no EIA que, pelos vistos, ainda não há”, afirmou ainda.

Orlando Alves fez questão de ressalvar que a “posição da câmara tem sido extraordinariamente coerente porquanto fez sempre valer uma posição oficial da avaliação que venha a ser feita ao EIA”.

E acrescentou que a autarquia também garantiu que “será tomada oficialmente a posição que a associação Montalegre Com vida quer que seja tomada”.

“A associação é contra, muito bem, a câmara será contra. Estamos aqui para agir em representação do povo e o povo é quem elege os autarcas e os incumbe da missão de os defender”, sublinhou.

No entanto, lembrou que “este projeto é um desígnio governamental e quem decide é o Governo”.

“Vamos estar atentos e vamos ver o que é que isso representa e no que é que isto vai dar. Uma coisa é certa, (…) hoje podemos todos dormir mais tranquilos, mas sempre desconfiando no que estas sucessivas prorrogações podem vir a dar”, frisou.

Em Montalegre, a população, nomeadamente das aldeias de Morgade, Rebordelo e Carvalhais, opõe-se ao projeto, elencando preocupações ao nível da dimensão da mina e consequências ambientais, na saúde e na agricultura.

Associação “agradada mas não descansada” com suspensão do EIA da mina

Já a Associação Montalegre Com Vida disse que ficou “agradada” mas “não descansada” com a desconformidade do Estudo de Impacte Ambiental (EIA) do projeto de exploração de lítio e garantiu que vai prosseguir com a “luta cerrada”.

“Não é nada que nós não estivéssemos já à espera. Nós alertámos desde o início para a forma como estava a ser feito o EIA, nunca vimos ninguém no terreno, estavam proibidos de entrar no terreno”, afirmou à agência Lusa Armando Pinto, da Associação Montalegre com Vida, que foi criada para lutar contra a mina de lítio prevista para o concelho do distrito de Vila Real.

“Não foi nada que não tivéssemos já previsto porque o EIA estaria certamente a ser feito em algum gabinete, mas nunca com os dados concretos do terreno. Não vimos ninguém da empresa nem de empresas subcontratadas por eles, nem a população permitia que eles lá andassem”, salientou Armando Pinto.

O responsável disse que a associação ficou agradada porque “as coisas não estão a correr bem para a empresa”.

Mas também não ficamos descansados porque sabemos que há um processo a decorrer para um concurso internacional e, caso até seja retirado este projeto à Lusorecursos, nós tememos que esta zona possa vir a ser incluída nesse concurso público internacional”, afirmou.

E continuou: “não vamos descansar, não nos deixa confortáveis, pelo contrário, vamos continuar com luta cerrada, muito atentos e já no dia 5 de maio vamos estar em Lisboa a protestar contra a falácia que são as minas verdes”.

Catorze movimentos portugueses e internacionais que se opõem às minas marcaram uma manifestação para o dia em que decorre uma conferência subordinada ao tema “Green Minning”, que contará com a presença dos ministros do ambiente europeus e se realiza no âmbito da Presidência Portuguesa.

Os ativistas pretendem alertar para a “falácia” que é a mineração verde ou “green mining”, título e foco do congresso, e que, no seu entender, é apenas “outra forma de extrativismo e poluição, com consequências dramáticas para os territórios afetados, sobretudo a destruição do ambiente e dos recursos indispensáveis à vida e ao futuro das gerações vindouras”.

“Achamos estranho que alguém como o ministro do Ambiente possa num dia dizer uma coisa e no dia seguinte dizer outra coisa completamente diferente. Achamos que é extremamente grave e, no nosso entender, isto devia ter consequências políticas”, afirmou Armando Pinto.

Para o responsável, “isto só exemplifica a forma como este processo foi gerido desde o início, com falta de transparência”.

Projeto da Savannah para Boticas está em consulta pública

Em andamento está o estudo de impacte ambiental para uma outra exploração de lítio em Boticas apresentada pela empresa Savannah que foi aceite pela APA e colocado em consulta pública na semana passada. Este projeto suscitou já o interesse e investimento da Galp Energia que adquiriu uma participação.

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No caso do projeto de Montalegre, a Comissão de Avaliação inclui, além de representantes da APA, representantes da Direção-Geral de Energia e Geologia, da Direção-Geral do Património Cultural, da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, do Instituto Superior de Agronomia e da Administração Regional de Saúde do Norte.

Relativamente às notícias divulgadas hoje e através das quais o ministro do Ambiente e da Ação Climática, Matos Fernandes, apontava para o cancelamento do polémico projeto de mineração de lítio em Montalegre, a APA adiantou que “referências feitas à licença deste projeto não correspondem a nenhum título ou decisão emitidos ou a emitir pela Agência Portuguesa do Ambiente mas sim às licenças específicas da atividade, da responsabilidade da Direção-Geral de Energia e Geologia”.

O contrato de concessão de exploração de lítio no concelho de Montalegre foi assinado em março de 2019, entre o Governo e a Lusorecursos Portugal Lithium, e tem estado envolto em polémica. A empresa tem dito que a exploração da mina de lítio em Morgade vai ser mista, efetuando-se primeiro a céu aberto e depois em subterrâneo, e prevê a construção de uma unidade industrial para transformação do minério.

Em Montalegre, a população, nomeadamente das aldeias de Morgade, Rebordelo e Carvalhais, opõem-se ao projeto, elencando preocupações ao nível da dimensão da mina e consequências ambientais, na saúde e na agricultura.

Os opositores à mina têm também alertado para a incompatibilidade entre o Património Agrícola Mundial, distinção atribuída a Montalegre e Boticas em 2018, pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), e a mina do Romano (Sepeda).