Podia ser a segunda edição do 5L – Festival Internacional de Literatura e Língua Portuguesa, organizado pela Câmara de Lisboa com o objetivo de celebrar “língua, livros, literatura, leituras e livrarias”. Mas não é. A edição do ano passado teve de ser cancelada por causa da pandemia e permitiu pouco mais que alguns debates via internet. É agora o primeiro 5L ao vivo e a cores. Começa nesta quarta-feira, com sessão de abertura às 14h30 no Teatro Municipal São Luiz e presença do presidente da Câmara, Fernando Medina. O encerramento é no domingo, dia 9, e inclui um concerto de Sérgio Godinho com Filipe Raposo no Cineteatro Capitólio.

“Podemos dizer que é a primeira edição, até porque um festival online não é satisfatório no nosso caso, porque temos de celebrar a componente livrarias”, diz o diretor artístico do 5L, José Pinho, de 68 anos. “Arriscámos até à última hora e estivemos sem saber se haveria mesmo desconfinamento ou se a programação das tardes de sábado e domingo poderia acontecer. Felizmente, correu tudo bem e vamos poder ter público. Para gerir os riscos, decidimos logo que todas as sessões e concertos previstos iriam também ter transmissão online em direto e é isso que vai acontecer”, acrescenta.

Há outro aspeto inédito no certame: de acordo com a organização, trata-se do primeiro festival literário alguma vez realizado em Lisboa. “Os festivais literários que conheço são todos, ou quase todos, realizados em cidades pequenas, porque a mobilidade é mais fácil e os atrativos são maiores”, nota José Pinho, dando como exemplo a cidade brasileira de Paraty, no Estado do Rio de Janeiro, que se torna movimentada uma vez por ano por ocasião da famosa FLIP – Festa Literária Internacional de Paraty. “Lisboa é uma cidade literária por natureza, com livrarias históricas muito bonitas e outras não tão históricas, mas muito interessantes, uma cidade com bastantes escritores e muitos roteiros literários, faltava só um festival deste género”, destaca.

Mas será caso para pensar que numa Lisboa com tanta oferta cultural o 5L pode passar despercebido? José Pinho não acredita nesta hipótese: “Fazemos o festival para que o público possa usufruir dele. Queremos ter esta oferta e permitir um contacto próximo entre escritores, autores e público.”

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Posted by Bibliotecas Municipais de Lisboa on Tuesday, May 4, 2021

“Primeiro decidimos os temas e depois fomos procurar quem melhor pudesse conversar”

A ideia de um festival literário na capital nasceu de uma proposta do Partido Comunista, apresentada em 2018 através do então vereador João Ferreira e da deputada municipal (e escritora) Ana Margarida de Carvalho. A Câmara aprovou a proposta e lançou um concurso público que escolheu como diretor, por um período de três anos, José Pinho — conhecido como proprietário da livraria Ler Devagar, em Lisboa, e responsável por um outro evento anual de contornos semelhantes, o FOLIO – Festival Literário Internacional de Óbidos, lançado em 2015, cuja próxima edição está agendada para outubro.

O diretor não arrisca dizer o que é costume nestas ocasiões — que espera uma grande adesão do público —, já que a lotação dos espaços está muito condicionada pelas regras vigentes da Direção-Geral da Saúde. No Teatro Municipal São Luiz não vão poder estar mais que 64 pessoas; nos concertos, 200; no Museu da Farmácia, 120; no Centro Nacional de Cultura e no Grémio Literário não mais que 30. “As pessoas que já estão fartas de estar em casa, se quiserem, podem assistir em presença, mas se preferirem manter-se afastadas, têm a opção de nos seguir através do streaming”, sublinha José Pinho.

Escritores e autores convidados são quase uma centena, mas só os portugueses marcarão presença. Os outros entram por videoconferência, o que tornará híbridas algumas sessões. Nem todos podem viajar devido às restrições da Covid-19 e mesmo entrando em Portugal teriam de ficar de quarentena no regresso aos países de origem.

O critério para os convites não passou por conversas com editoras ou associações da indústria do livro. Foi uma escolha do diretor artístico e de quatro curadoras: Catarina Magro, Rita Marquilhas, Raquel Santos e Rita Marrone.

A única regra era a participação de autores de países de língua portuguesa, já que o 5L pretende celebrar o português em todas as variantes e afirmar-se aos poucos à escala internacional. “Não fomos à procura deste ou daquele para compormos uma mesa, primeiro decidimos os temas que queríamos ver discutidos e depois fomos procurar, dentro das disponibilidades, quem melhor pudesse conversar sobre os temas”, explica o diretor.

Turistas atravessam a rua na zona da baixa pombalina de Lisboa, 20 de novembro de 2020. A falta de turismo na cidade de Lisboa devido à pandemia de Covid 19 levou a que muitos estabelecimentos comerciais, alguns deles emblemáticos e de familias há gerações estejam em risco de fechar. (ACOMPANHA TEXTO DA LUSA DE 22 DE NOVEMBRO DE 2020) TIAGO PETINGA/LUSA

É o primeiro festival literário na capital, segundo a organização

O que pode ver e ouvir até domingo

O 5L assinala o Dia Mundial da Língua Portuguesa, que se comemora a 5 de maio. A data foi estabelecida em 2009 pela CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), mas só em novembro de 2019 ganhou o reconhecimento oficial da UNESCO. Decorre numa zona vasta da capital, entre a Casa dos Bicos e o Marquês de Pombal, indo pelo Rato e pelo Chiado, descendo até ao Cais do Sodré e Santos. Em futuras edições outros bairros de Lisboa se seguirão.

“Por acaso, a zona que escolhemos é aquela onde há a maior concentração de livrarias. A Ler Devagar, por exemplo, está de fora, não entra na programação do festival”, diz José Pinho, antecipando críticas a um possível conflito de interesses.

A Câmara Municipal defende que o certame é a “grande festa consagrada à língua e à literatura” e que vai “valorizar a língua portuguesa, a leitura e os autores”. Por seu lado, José Pinho entende que o evento “inscreve Lisboa nos circuitos dos festivais literários e dá visibilidade aos autores de Lisboa, às livrarias e às casas dos escritores [Casa Fernando Pessoa, Fundação José Saramago, etc.]”. Diz não poder calcular quantos anos vai durar o 5L, mas está convencido de que “é para ficar”, sempre com periodicidade anual.

A programação adapta em parte o que não chegou a acontecer no ano passado. O escritor angolano José Eduardo Agualusa é provavelmente o convidado mais conhecido. O moçambicano Ungulani Ba Ka Khosa, a professora e escritora santomense Inocência Mata e o escritor francês Fabrice Schurmans são alguns dos convidados do primeiro dia.

Está previsto o lançamento dos livros Cidades do Sol — Em Busca de Utopias nas Grandes Metrópoles da Ásia, de Paulo Moura; O Vício dos Livros, de Afonso Cruz; Cordão, de Ana Freitas Reis; ou ainda Guerra Colonial, de Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes. Destaca-se igualmente um debate sobre tradução e escrita, com João Reis e Paulo Faria, e outro acerca do mercado nacional do livro infantil, com Inês Fonseca Santos, André Letria, Carla Oliveira e Isabel Minhós Martins. Há concertos da Lisbon Poetry Orchestra e de Amaura, Maze, Nerve, Perigo Público e Chullage, e um ciclo de cinema com o título Filmar Literatura (no Cinema Ideal, no Chiado), entre outras propostas.

Perante a crítica muitas vezes ouvida de que há excesso de festivais literários em Portugal (ou de que tais iniciativas funcionam em circuito fechado), o diretor do 5L responde com ironia. “Os críticos dizem isso quando temos apenas dois ou três festivais de grande dimensão. No Brasil, cada cidade tem o seu festival literário e o afluxo de público, incluindo alunos das escolas, é espantoso. É preciso não esquecer esta vertente de mobilização e formação de novos públicos. Os pequenos festivais literários portugueses são importantíssimos para as comunidades locais, no Fundão, em Penafiel ou na Lourinhã, porque permitem um contacto privilegiado com os autores. Além disso, fazem mexer o comércio e a hotelaria. Se pudesse, fazia um festival por dia.”

Desafiado pelo Observador a comentar o estado atual do mercado do livro, sob o efeito da crise criada pela medidas de contingência face ao coronavírus, José Pinho (empresário livreiro e dirigente da RELI, rede de livrarias independentes) explica que “as livrarias independentes ou de menor dimensão tiveram de um modo geral quebras significativas mas não dramáticas” e que “as livrarias de grandes grupos já estarão a recuperar as perdas”.

Um cenário muito otimista se comprado com as queixas ouvidas a livreiros e editores nos meses do confinamento, especialmente durante as semanas em que o Governo proibiu as livrarias de funcionar mas permitiu a venda de livros em grandes superfícies e outras lojas. “Nunca sou pessimista”, afirma José Pinho. “Acho que só vou ser pessimista seis meses depois de morto.”