O Internet Movie Database, vulgo, IMDb, classifica “Oslo” como um telefilme. E tem toda a razão; porém, levanta um problema: o que não será, hoje, telefilme? Durante décadas, telefilme era um género menor, um híbrido feito por aspirantes ou rejeitados da indústria do cinema, especialmente para o pequeno ecrã. O orçamento, claro, era proporcional: diminuto, e tudo o mais – atores, técnicos, décores – o que ele pudesse pagar. Servia para encher tardes de sorna ou ressaca de sábado e domingo. Quase podiam ser vendidos com o sofá.

Hoje, contudo, quando as grandes plataformas de streaming têm mais poder do que a Cristina Ferreira na casa dela e a pandemia sentenciou as salas de cinema ao degredo eterno, tudo – ou quase, quase tudo – é feito para o home video, tudo “telefilmes”. E, no entanto, sinais dos tempos, quem deu ainda por isso? Afinal, o que ainda há pouco era foleiro cota-se agora por cool… Ainda se usa esta palavra? Top, vá. Tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é top.

Rótulos à parte, “Oslo” parece acentuar outra tendência porventura imprevista: a redescoberta do teatro como fonte de tramas e conflitos para o cinema. J. T. Rogers tira uma hora de duração e adapta a sua própria peça vencedora de um Tony a argumento cinematográfico, depois de, já este ano, termos visto, por exemplo, “Ma Rainey: a Mãe do Blues” adaptar a peça de August Wilson ou Florian Zeller o seu próprio drama “O Pai”.

[o trailer de “Oslo”:]

Ora, isto poderá surpreender os mais jovens, mas houve um momento em que parecia que o conflito entre Israel e Palestina ia mesmo acabar. Já havia Oslo, o bar não-tão-duvidoso-assim no Cais do Sodré e ainda não Oslo, a personagem de “A Casa de Papel”. “Oslo”, o filme, trata esse momento, as negociações de paz que tiveram lugar na capital da Noruega nos idos de 1993, a meio daquela louca e momentânea fantasia de que o fim de século seria também o fim da História e de que tudo se encaminhava para o bem: Rússia, Alemanha, África do Sul, Canas de Senhorim.

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A peça e o argumento de J.T. Rogers têm um segundo e, talvez, ainda mais verdadeiro autor: Bartlett Sher. Celebrado encenador americano, foi ele quem dirigiu a peça em 2016, na estreia na Broadway, e quem agora faz a estreia atrás das câmaras, na cadeira de realizador. Mais do que isso: foi Sher quem conheceu Mona Juul e Terje Rod-Larsen, o casal de diplomatas noruegueses que conduziu os acordos de paz. As filhas eram colegas de escola. Sher tornou-se amigo de Mona e Terje, ouviu as histórias das conversações, percebeu-lhes o potencial teatral e trouxe Rogers para a escrita. É uma ironia do destino que o filme estreie agora, dias depois de Israel e Palestina terminarem o mais sangrento capítulo do conflito dos últimos dez anos, mas não lhe retira o sentido; antes o acentua.

A inglesa Ruth Wilson, num registo nos antípodas da complexa figura do desejo em “The Affair”, é Mona; Terje o irlandês Andrew Scott, o estupendo professor Moriarty, Némesis do “Sherlock” que nos apresentou Benedict Cumberbach. É, pelo menos, a terceira vez que partilham os créditos, depois de alguns episódios em “His Dark Materials” e de terem ambos sido vozes de personagens no telefone em alta-voz de Tom Hardy, no genial “Locke”. Como as personagens reais que representam, Wilson e Scott conduzem toda a ação a partir do pano de fundo, deixando a boca de cena para Doval’e Glickman (Yair Hischfeld), Jeff Wilbusch (Uri Savir), Igal Naor (Joel Singer), Sasson Gabay (Shimon Peres), Salim Dau (Ahmed Qurei) e Waleed Zuaiter (Hassan Asfour), na pele dos representantes do governo israelita e da Organização para a Libertação da Palestina. Reunião a reunião, de avanço em recuo, de recuo em avanço, de beco sem saída a aperto de mão, do medo ao entendimento, da intransigência à cedência, sempre a subir de nível na perigosidade do jogo e dos jogadores.

Em “Oslo”, quase tudo acontece à volta da mesa. O que os membros da fundação Fafo conseguiram foi, precisamente, isso sentar à mesa pessoas de estados que jamais o fariam. As bandeiras são diferentes; não os homens. Juntá-los na mesma sala foi o segredo para, depois, quando já estava atingido um terreno mínimo de acordo, juntar então os estados, os políticos, os decisores oficiais. Para alguns dos envolvidos, foi a primeira vez que, verdadeiramente, viram alguém que, sem conhecer, tinham sido ensinados a odiar: palestinianos a israelitas, israelitas a palestinianos. De repente, capazes de apreciar a mesma refeição. Rir da mesma piada.

O mérito de Bartlett Sher está em conseguir que o que poderia ser uma fastidiosa exposição histórica sob sério risco de enfarte por tédio ou esquematismo, se consuma na verdade como thriller político, bem ajustado e tenso à volta de personagens bem definidas e diferenciadas, pontuado por bem-vindos apontamentos de humor. De resto, o experientíssimo e já duas vezes oscarizado Janusz Kaminski, diretor de fotografia de Steven Spielberg, está lá para garantir que o boneco não faz má figura, e o próprio Spielberg é, afinal, um dos produtores executivos do projeto.

Não se livra de ser um telefilme, mas “Oslo” não é coisa para a tarde em pijama. Aguenta-se aos mínimos olímpicos da dignidade da noite. Enquanto o pano não desce, de vez, sobre o mais absurdo dos teatros de guerra.