“Quo Vadis, Aida?”

Desde o seu primeiro (e melhor filme), “Filha da Guerra” (2005) que a bósnia Jasmila Zbanic não tem deixado de abordar a Guerra dos Balcãs e as suas consequências, e volta a não fugir ao tema em “Quo Vadis, Aida?”, que esteve candidato ao Óscar de Melhor Filme Internacional, perdendo para “Mais uma Rodada”, de Thomas Vinterberg. Misturando factos e ficção, Zbanic recorda o massacre de de Srebrenica em Julho de 1995, quando tropas sérvias mataram, nesta cidade bósnia, alguns milhares de homens e rapazes muçulmanos em idade de combater. O enredo é personalizado na Aida do título (Jasna Djuricic), uma professora que trabalha como tradutora e intérprete das forças da ONU no local, e cujo ponto de vista partilhamos. A família de Aida está entre os muitos habitantes de Srebrenica que se vêm refugiar nas instalações da ONU, e as suas funções dão-lhe acesso a informação privilegiada. Quando os sérvios, aproveitando-se da pusilanimidade dos militares ocidentais, começam a reunir os refugiados, Aida apercebe-se da tragédia que está iminente e tenta salvar os seus, enquanto corre contra o relógio. Zbanic constrói o filme num crescendo de angústia, sem falhas nem tempos mortos, e evita cenas de violência explícita e gráfica, e a interpretação de Djuricic é muito boa. Mas inevitavelmente, “Quo Vadis, Aida?”, é também uma peça de propaganda e de diabolização anti-sérvia, que contempla uma visão unilateral dos factos. A Guerra dos Balcãs foi um acontecimento tão complexo como a realidade étnica, religiosa, política e cultural da região, e todas as partes que nela participaram, sérvios, bósnios, croatas, kosovares e mesmo a NATO e os EUA de Bill Clinton, saíram dela com as mãos sujas de sangue e com massacres, crimes de guerra e prepotências várias no cadastro. Daí que esta fita tenha que ser vista sem dúvida que emocionadamente e com indignação, mas também com a devida distância e um mínimo de informação sobre as realidades do conflito que recria.

“Raparigas”

A espanhola Pilar Palomero situa esta sua primeira longa-metragem (distinguida com vários prémios Goya), em Saragoça, em 1992. Celia, de 11 anos, é orfã de pai, vive com a mãe e frequenta um colégio de freiras. Um dia chega à escola, vinda de Barcelona, Brisa, cujos pais morreram num desastre de automóvel e que vem viver com os avós. O facto de serem ambas órfãs cria um laço imediato entre as duas meninas, consolidado por Brisa trazer consigo as novidades e ousadias da cosmopolita Barcelona, sede dos Jogos Olímpicos nesse ano. Menos um filme narrativo do que uma colecção de episódios impressionistas e fugazes em que Celia, Brisa e as suas colegas e amigas mais próximas começam a sentir despontar a curiosidade sobre o seu corpo, os rapazes, o amor e o sexo, e o mundo que as rodeia, a terem dúvidas sobre o que lhes é inculcado na escola pelas freiras e em casa pelos pais e familiares, e a atreverem-se a pequenos gestos de rebeldia e desobediência, “Raparigas” beneficia da espontaneidade e da frescura das conversas e dos comportamentos das jovens intérpretes (dir-se-ia que muitas das cenas foram total ou quase totalmente improvisadas), e das dinâmicas de amizade, cumplicidade e conflito entre elas, embora lhe faça falta mais arrimo narrativo e substância dramática.

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“Be Natural — A História Nunca Contada de Alice Guy-Blaché”

Pamela B. Green assinada aqui um documentário narrado por Jodie Foster e baseado no livro Alice Guy-Blaché: Lost Visionary of the Cinema (2002), de Alison MacMahan, sobre a realizadora francesa Alice Guy-Blaché, pioneira do cinema e primeira mulher a realizar um filme, “La Fée aus Choux”, em 1896). Guy-Blaché foi ainda a primeira mulher a ser diretora de produção de um estúdio (a Gaumont, em Paris), e a fundar e dirigir uma produtora, a Solax, com enormes e bem planeados estúdios em Nova Jérsia, nos EUA, em 1910, ainda então nem se falava na Califórnia e em Hollywood, juntamente com o marido, Herbert Blaché, e um sócio, George A. Magie; uma das pioneiras a experimentar o uso do som sincronizado com a imagem, e a colorizar filmes; e também nos EUA, além de nomes como John e Ethel Barrymore, dirigiu a atriz Lois Weber, que por sua vez se tornaria na primeira cineasta americana. Quando se retirou do cinema, em 1920, Alice Guy-Blaché tinha rodado, em França e depois nos EUA, mais de mil filmes mudos, 22 deles de longa-metragem. “Be Natural — A História Nunca Contada de Alice Guy-Blaché” foi escolhido como filme da semana pelo Observador, e pode ler a crítica aqui.