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O silêncio de Vara, o dinheiro contaminado e o pedido para não deixar "descair a máscara". O primeiro dia do julgamento da Operação Marquês

Este artigo tem mais de 3 anos

A gozar de uma saída precária de três dias, Vara começou ser julgado por branqueamento de capitais. Gestor ouvido em tribunal contou que ex-ministro lhe entregou dinheiro vivo para contas na Suíça.

Vara beneficiou de uma saída precária de três dias para estar presencialmente no julgamento (TOMÁS SILVA/OBSERVADOR)
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Vara beneficiou de uma saída precária de três dias para estar presencialmente no julgamento (TOMÁS SILVA/OBSERVADOR)

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Vara beneficiou de uma saída precária de três dias para estar presencialmente no julgamento (TOMÁS SILVA/OBSERVADOR)

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

De óculos de sol e acompanhado pelo seu advogado, à chegada ao Campus de Justiça Armando Vara abriu a boca apenas para dizer aos jornalistas: “Vão fazer o favor de nos deixar passar”. O antigo ministro lá passou para entrar pela porta da frente do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa e começar a ser julgado por um crime de branqueamento de capitais, mas no interior da sala de audiências a postura não mudou muito. Questionado pelo juiz Rui Coelho, não quis prestar declarações: “Por agora não”. Por isso, a sessão da manhã, daquele que é o primeiro julgamento da Operação Marquês, durou pouco mais de 15 minutos.

Pouco depois das 10h00 da manhã, Vara fazia o percurso inverso: descia do quinto piso para sair pela porta da frente do tribunal e voltar a passar pelos jornalistas. Novamente parco em palavras, disse apenas que estava de “consciência tranquila” e voltou a pedir: “Deixem-nos passar”. A sessão apenas retomava à tarde e o antigo ministro tinha assim quase quatro horas para aproveitar o segundo dia da sua precária. É que Vara está a cumprir pena de prisão no âmbito do caso Face Oculta e beneficiou de uma saída de três dias, para estar presencialmente no Campus de Justiça.

Armando Vara chegou ao Campus de Justiça acompanhado pelo seu advogado, Tiago Rodrigues Bastos

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Pela tarde, foi de óculos de sol até se sentar no banco dos arguidos. Lá os tirou a tempo de os juízes entrarem. Manteve-se em silêncio e aparentemente sereno a ouvir o que as duas testemunhas de acusação tinham a dizer. Falou apenas para pedir desculpa quando o juiz Rui Coelho o avisou que a “máscara é para tapar o nariz”. “Não a deixe descair, por favor”, pediu.

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Vara não voltará tão depressa a entrar naquela sala de audiências: no final da sessão, o seu advogado, Tiago Rodrigues Bastos, pediu ao coletivo de juízes que o arguido não fosse obrigado a estar presente em todas as sessões, tendo em conta que está a cumprir pena de prisão efetiva. Os juízes concordaram.

Será o julgamento de Armando Vara supersónico?

Vara estava acusado de cinco crimes, entre corrupção, branqueamento e fraude fiscal qualificada. Só que o juiz Ivo Rosa, na decisão instrutória de 9 de maio, decidiu levá-lo a julgamento apenas por um crime de branqueamento de capitais. Este crime está relacionado com o facto de ter alegadamente escondido das autoridades 535 mil euros, numa conta bancária aberta na Suíça em nome da sociedade offshore Vama Holdings. Nessa conta, Vara tinha cerca de dois milhões de euros, dos quais terá feito chegar mais de meio milhão a Portugal — uma parte, 390 mil, para financiar a aquisição de um apartamento em Lisboa.

“[Vara] estava incomodado porque tinha recebido uns valores do estrangeiro e tinha havido uma contaminação”

A sessão da tarde também rápida foi. Em pouco mais de uma hora foram ouvidas duas pessoas: João Carlos Silva, advogado que foi gerente legal da sociedade Citywide que comprou o apartamento em Lisboa — que está na origem do negócio imobiliário alegadamente usado por Vara para branquear o dinheiro — e o suíço Michel Canals, gestor financeiro do arguido nas contas dele e da filha, Bárbara Vara, no banco UBS, na Suíça.

Com ajuda de um tradutor, Michel Canals foi ouvido por videochamada e confirmou que o antigo ministro lhe entregou dinheiro vivo, em encontros, que por sua vez entregava a Francisco Canas, dono já falecido de uma casa de câmbio na baixa, em Lisboa, que chegou a ser arguido no caso Monte Branco. Mas ressaltou que já não trabalhava no banco suíço aquando da compra do apartamento.

O antigo ministro disse aos juízes que não queria prestar declarações para já

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Aos juízes, João Carlos Silva explicou que um dos acionistas da Citywide lhe disse “para falar com Vara para tratar da aquisição do imóvel que a sociedade faria”, na Avenida do Brasil. Confirmando o valor desse apartamento (390 mil euros), entregue em três tranches, a testemunha contou que o negócio foi feito com “normalidade”. Mas quando começaram a surgir notícias da detenção do então primeiro-ministro José Sócrates, pediu “a identificação dos últimos proprietários da sociedade” e falou com Armando Vara:

Nessa altura, [Vara] estava bastante incomodado porque me disse que tinha recebido uns valores do estrangeiro e que tinha havido uma contaminação — que esses valores tinham passado por contas que estavam investigação. E, portanto, essa passagem tinha contaminado esses rendimentos”.

Também João Carlos Silva ficou “incomodado com isso”. “E então disse que o melhor a fazer seria vender o apartamento e devolver os fundos para onde tinha vindo”, disse, acrescentando que o “apartamento foi vendido e os fundos entraram na conta da sociedade”. Nessa altura, sugeriu que a sociedade fosse dissolvida. “Foi quando recebi a amável visita do senhor procurador e do senhor juiz de instrução que me levaram os papéis e bloquearam a conta. E ficou resolvido, até hoje”, contou.

— O que é que o Armando Vara tem a ver com esta sociedade? — questionou o juiz adjunto Francisco Henriques.

— Isso são os senhores que têm de descobrir — respondeu João Carlos Silva.

Terão de descobrir e tudo indicada que o farão rapidamente. Estão marcadas apenas três sessões: a última, de 23 de junho, já foi definida como sendo a sessão para as alegações finais. Portanto, a leitura do acórdão pode acontecer ainda antes das férias judiciais, marcadas para dia 15 de julho.

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Vara está a ser julgado por um coletivo de juízes presidido por Rui Coelho e que tem Francisco Henriques como um dos adjuntos — os mesmos juízes que estão a julgar Ricardo Salgado no âmbito da Operação Marquês, ainda que com posições invertidas.  O ex-banqueiro seria o primeiro arguido da Operação Marquês a ser julgado. Mas o julgamento, agendado para segunda-feira, foi adiado porque a defesa do ex-banqueiro ainda não entregou a contestação — um documento no qual o arguido contesta os factos pelo qual foi pronunciado pelo juiz Ivo Rosa e que contém a lista de testemunhas arroladas — a tempo de o julgamento arrancar, pagando uma multa para estender o prazo original da entrega deste documento até esta quarta-feira, 9 de junho.

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Vara foi condenado no processo Face Oculta e encontra-se a cumprir cinco anos de prisão. Pode sair já em fevereiro do próximo ano

Armando Vara está desde 16 de janeiro de 2019 a cumprir uma pena de prisão no âmbito do processo Face Oculta. Os juízes deram como provado que o antigo ministro recebeu 25 mil euros do sucateiro Manuel Godinho, como contrapartida por beneficiar as suas empresas. A condenação viria a ser confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto — o Supremo não aceitou o recurso e o Constitucional decidiu “não conhecer do objeto” do recurso interposto.

Em março de 2019, o Tribunal de Aveiro aceitou descontar os três meses e sete dias na pena, correspondente ao período em que esteve sujeito a prisão domiciliária, no âmbito da Operação Marquês. Assim, os cinco anos anos a que foi condenado, por três crimes de tráfico de influências, passaram a quatro anos e nove meses. Isto significa que a pena de prisão a que foi condenado pelo processo Face Oculta termina a 9 de outubro de 2023. No entanto, o ex-administrador da CGD poderá ser colocado em liberdade quando completar os dois terços da pena, em 9 de fevereiro de 2022.

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