O antropólogo e escritor brasileiro Luiz Eduardo Soares diz que o Presidente, Jair Bolsonaro, não aceitará uma eventual derrota nas eleições de 2022 e antevê a possibilidade de o mandatário levar a cabo um golpe.

Em entrevista à agência Lusa, o autor da obra “Dentro da noite feroz — O fascismo no Brasil”, admite que Bolsonaro foi subestimado no passado e alerta para que “o mesmo erro não seja cometido”, de forma a evitar a reeleição do líder de extrema-direita no próximo ano.

“Nós, democratas, progressistas e defensores dos direitos humanos, não podemos cometer o mesmo erro de novo, o erro de subestimá-lo. Bolsonaro continua a ser uma ameaça e um risco, seja de vitória eleitoral, em 2022, seja de golpe antes de 2022”, advertiu Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública do Brasil.

O antropólogo e cientista político não tem dúvidas de que o Presidente tem capacidades para levar a cabo um golpe em caso de derrota, salientando que o chefe de Estado já vem “preparando a acusação de fraude eleitoral”, à semelhança do que Donald Trump fez nos Estados Unidos da América (EUA).

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Se Bolsonaro verifica que vai de facto ser derrotado, acha que ele vai aceitar as regras do jogo? Nós vimos o que o Trump fez e as instituições nos Estados Unidos são mais sólidas e fortes, e a oposição foi capaz de impedir a virada de mesa. Mas aqui, no Brasil, Bolsonaro já vem preparando a acusação de fraude eleitoral”, avaliou o brasileiro.

Em causa está o facto de o Presidente querer mudar o sistema eleitoral eletrónico no país, que oferece resposta no mesmo dia do sufrágio e que é usado há mais de 20 anos no Brasil, e substituí-lo pelo voto impresso na urna.

No mês passado, o chefe de Estado chegou a ameaçar que se o Congresso não aprovar o voto impresso, não haverá presidenciais em 2022.

Já em janeiro último, Bolsonaro, confesso admirador do ex-Presidente norte-americano Donald Trump, disse que, sem voto impresso no Brasil, as presidenciais do próximo ano poderão ter problemas piores do que os registados nos Estados Unidos.

Na visão de Soares, uma invasão semelhante à do Capitólio dos EUA poderá acontecer “com muito mais facilidade” no Brasil e poderá atingir secções eleitorais nas áreas pobres do país, que são a maioria.

Em relação à materialização de um possível golpe, o antropólogo antevê invasões das secções eleitorais por parte de ‘bolsonaristas’, que denunciarão falsas fraudes.

“Com o voto impresso no Brasil, nós, democratas, estamos liquidados, porque os seus [de Bolsonaro] representantes locais, que agem sempre com muita violência, e os polícias que estão conectados com a ideologia ‘bolsonarista’, vão invadir as secções eleitorais denunciando falsas fraudes, através de ‘fake news’ e imagens artificiais e vão anular todas as urnas que desejarem”, conjeturou.

“Além do facto de que as milícias, que são aliadas de Bolsonaro, vão acuar os eleitores, como já fazem atualmente. Imaginem o que esses grupos armados farão se o voto passar efetivamente a ser impresso. Na própria apuração dos votos, nós vamos ter a provocação de uma situação caótica para inviabilizar o pleito”, acrescentou o antropólogo.

Luiz Eduardo Soares, que chegou a integrar uma lista de intelectuais antifascistas monitorizados pelo Governo de Bolsonaro, frisou que o atual mandatário não aceitará sequer ir a votos “num jogo normal, vendo a diferença imensa que hoje o separa de Lula da Silva”, reforçando que o Brasil “pode e deve temer ações golpistas” e “tem de se preparar para tal”.

Segundo uma sondagem do Instituto Datafolha divulgada no mês passado, o ex-Presidente brasileiro Luís Inácio Lula da Silva lidera a corrida eleitoral de 2022 para a Presidência do país e venceria, com ampla vantagem, Jair Bolsonaro numa eventual segunda volta (55% dos votos contra 32%, respetivamente).

Quer Lula, quer Bolsonaro, já admitiram a possibilidade de concorrerem à Presidência no próximo ano, apesar de ainda não terem confirmado a recandidatura.

Questionado sobre o que será feito dos ‘bolsonaristas’ em caso de vitória de Lula, o antropólogo, que defende que o Brasil é atualmente presidido por um “fascista”, acredita que “depois de o génio sair da lâmpada, não é mais possível contê-lo”.

“Os espetros todos saíram dos armários para nos assombrar. O que nós imaginávamos que estivesse superado no Brasil, como o racismo mais desavergonhado, a misoginia, a homofobia mais desrespeitosa, tudo isso aflorou de tal maneira que não creio que haja possibilidade de essas bandeiras serem recolhidas e refugiadas nos armários em função de uma súbita vitória”, disse.

“Para um movimento diferente, seria necessário conquistar uma hegemonia cultural, que não se confunde com vitória eleitoral. Supõe todo um trabalho que não foi feito nos e pelos Governos progressistas no Brasil. (…) O ‘bolsonarismo’ veio para ficar (…) e é uma realidade que teremos de confrontar”, concluiu.