A variante Alpha, com origem no Reino Unido, representa mais de 50% dos casos de infeção em Portugal desde fevereiro e continuava a ser dominante em maio, mas o cenário estará prestes a mudar. “Tendo em conta o número de casos de infeção de SARS-COV-2 com identificação da variante Delta, em comparação com os casos das restantes variantes, estima-se que esta variante se venha a sobrepor à variante Alpha nas próximas semanas“, escreveram os autores do relatório “Monitorização das linhas vermelhas para a Covid-19”, divulgado esta sexta-feira.
A variante britânica entrou no país em dezembro e, no espaço de dois meses, destronou a principal variante em circulação desde o início da pandemia em Portugal. Porquê? Era 40% mais transmissível. Agora, surgiu uma variante 60% mais transmissível e poderá ocupar o lugar da Alpha em menos tempo do que ela demorou a ultrapassar a variante que se manteve em Portugal em 2020 — também ela mais transmissível do que a variante original de Wuhan.
Tanto a variante Alpha como a Delta apresentam um crescimento exponencial, o que quer dizer que à medida que os dias passam aumentam o número de casos mais rapidamente. Considerando condições iniciais equivalentes, cinco casos da variante em 300 casos de infeção com SARS-CoV-2, a variante Alpha ultrapassava os 50% em pouco mais de 50 dias, enquanto a variante Delta o faria em cerca de um mês.
Há que considerar, no entanto, que as condições de entrada das duas variantes no país são muito diferentes. Se em dezembro, os poucos casos iniciais da variante estão misturados com os três a quatro mil casos diários, no caso da variante Delta, em meados de maio, representava uma pequena parte dos 350 a 400 casos diários. Além disso, no final de dezembro iniciou-se a vacinação e em janeiro o país entrou em confinamento — limitando, naturalmente, a transmissão do vírus.
Estas condições fizeram com que a variante Alpha tenha demorado mais do que 50 dias a tornar-se dominante — ainda que não muito mais. A Delta, por sua vez, além de mais transmissível, está a ganhar expressão no país numa fase em que estamos a avançar no desconfinamento e em que a mobilidade das pessoas é muito maior do que no início do ano, disse o matemático Henrique Oliveira, especialista em sistemas dinâmicos e professor no Instituto Superior Técnico, ao Observador.
Os relatórios do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge e Direção-Geral da Saúde (Insa) têm deixado claro, nas últimas semanas, que a incidência está a aumentar e o índice de transmissibilidade também, em Portugal e de forma mais pronunciada em determinadas regiões.
Desde o início de junho, o crescimento diário do número de novos casos [numa média a sete dias, como no gráfico em baixo] tem sido mais rápido do que durante o mês de maio. Nesta última semana, segundo os dados do Insa o número de testes de diagnóstico diminuiu e a taxa de casos positivos aumentou, para 2,3% (mais um ponto percentual do que na semana passada).
A 16 de junho de 2021, a incidência cumulativa, em Portugal, foi de 105 casos por 100 mil habitantes (a 14 dias) e o R(t) de 1,14 entre 9 e 13 de junho. “A manterem-se estas taxas de crescimento, o limiar de 120 novos casos por 100 mil habitantes, acumulado em 14 dias, será atingido em menos de 15 dias ao nível nacional“, escreveram os autores do relatório.
A 15 de julho, se nada for feito entretanto, podemos estar a assistir a mais de 2.000 novos casos de infeção todos os dias, disse Jorge Mendes, investigador no Instituto de Gestão de Informação da Universidade Nova de Lisboa (Nova IMS), ao Observador. O colaborador do projeto Covid-19 Insights acrescenta ainda que o número de casos ativos poderá ultrapassar os 40.000, o número de doentes internados ser próximo de 500 e o de doentes em unidades de cuidados intensivos ultrapassar os 100.
Vale a pena lembrar que os internamentos em enfermaria e em unidades de cuidados intensivos também tem vindo gradualmente a aumentar, mas que o impacto se verifica, normalmente, sete dias depois do registo dos casos. A não ser que, tal como parece estar a verificar-se na China, as pessoas infetadas com a variante Delta adoeçam mais depressa.
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Até dia 16 de junho, o Insa já tinha sequenciado geneticamente (lido os genes) de 157 amostras com a variante Delta, a maior parte das quais da região de Lisboa e Vale do Tejo (77,7%). Também é nesta região que os casos mais têm crescido, com os últimos dados do Insa a apontar para uma incidência de 180 casos por 100 mil habitantes e R(t) de 1,20. A continuar assim “o limiar de 240 casos por 100 mil habitantes será atingido em Lisboa e Vale do Tejo em menos de 15 dias”.
O Alentejo é a segunda região com o índice de transmissibilidade mais alto, R(t) de 1,13, e é uma das regiões com registo da variante Delta. As amostras recolhidas nas duas primeiras semanas de maio e divulgadas pelo Insa identificam uma proporção importante dos casos da variante indiana na região de Lisboa e Vale do Tejo e Alentejo. Estes dados de R(t) referem-se, no entanto, à semana de 9 a 13 de junho.
Dados mais recentes, e usando um cálculo que o matemático Henrique Oliveira considera mais rigorosos, o Algarve é a região com o R(t) mais alto, 1,35, seguido de Lisboa com R(t) perto de 1,3. Segundo estes cálculos, o Alentejo é a única região a descer o R(t), mas todas as regiões do continente estão acima de 1. Açores e Madeira, com R(t) de 1,112 e 0,998, estão apenas ligeiramente melhor.