Da China, chegam-nos fotografias daquele que será um dos primeiros “cemitérios” de veículos eléctricos. Numa localização que não é avançada, por motivos de segurança, vêem-se milhares de carros lado a lado e a evidenciar já a passagem do tempo, pois acredita-se que os veículos em causa estarão aí, completamente abandonados, desde Fevereiro.
As fotos, divulgadas via Reddit, trazem à memória as imagens de drone em 2017, que capturavam o impacto do Dieselgate, retratando centenas de milhar de Volkswagen a perder de vista, em “estacionamentos” improvisados nos Estados Unidos da América, em resultado do buy back. A uma escala radicalmente inferior – na casa dos milhares e não das centenas de milhar -, descobriu-se agora cenário idêntico, desta feita com os veículos eléctricos que integravam a frota da empresa chinesa Pand Auto, uma plataforma de transporte tipo Uber com sede em Chongqing, que operava desde 2015 em 12 cidades daquele país asiático.
Colocando mais de 20 mil carros eléctricos ao serviço de 4 milhões de utilizadores, a Pand Auto era, até há bem pouco tempo, apontada como um caso de sucesso. Mas faliu e a morte da companhia explica, em parte, o “cemitério” onde jaz a frota da empresa.
Os problemas, que agora são evidentes neste sepulcro a céu aberto, terão tido origem em 2018, ano em que a Pand Auto decidiu juntar-se a uma outra empresa chinesa, a Lifan, que não só produzia os veículos eléctricos colocados na plataforma, como trataria de permitir à Pand Auto passar a proporcionar viagens aos seus clientes em carros autónomos. A autorização para os testes chegou em 2019, mas a experiência demonstrou que a tecnologia estava (muito) aquém do pretendido, face à concorrência local, e os maus resultados não se fizeram esperar.
No final de 2020, as dívidas da Lifan ascendiam a 4000 milhões de dólares (cerca de 3,4 mil milhões de euros), o que levou a Manjianghong Equity Investment Fund Enterprise a assumir a maioria do capital, que também conta com uma participação da Geely (dona da Volvo e principal accionista da Daimler/Mercedes). Mas se a entrada de capital não livrou a Lifan de um complicado processo de recuperação, também não permitiu à Pand Auto escapar da falência. Em Fevereiro passado, a plataforma de transporte chinesa sucumbiu pela incapacidade de saldar as dívidas.
O serviço prestado aos clientes cessou e os carros – alguns da Chery, mas sobretudo do modelo LF 330EV (a versão eléctrica do clone chinês do Mini Cooper) – foram depositados num recinto. À espera de uma segunda vida, isto é, de comprador, a maioria dos veículos vai agonizando à mercê do clima, desconhecendo-se qual será o impacto económico e ambiental desta situação. Certo é que a Pand Auto tentou vender os veículos para amortizar parte da dívida, mas, como se vê, sem grande sucesso.
Além dos Volkswagen com motores de combustão estacionados em parques gigantescos nos EUA e destes pequenos veículos eléctricos da Pand Auto, guardados num terreno na China, vêm à memória outros casos de grandes quantidades de veículos usados, amontoados em parques de estacionamento. Um deles aconteceu do outro lado do Atlântico, quando a General Motors lançou o seu primeiro e muito aerodinâmico eléctrico EV1, de que foram produzidas pouco mais de 1100 unidades, entre 1997 e 1999, quase exclusivamente para o mercado californiano. As baterias utilizadas na primeira geração, fabricada em 1997, eram da Delco, de má qualidade e ainda com tecnologia chumbo/ácido, o que causou grandes problemas, entre os quais uma certa tendência para arder. As baterias seriam posteriormente trocadas por outras mais eficientes da Panasonic, mas o próprio EV1 tinha problemas de construção e de segurança, o que levou a GM a não prolongar os leasings, de modo a retomar os modelos, destruí-los e amontoá-los num parque, destino a que poucas unidades se escaparam.
Mais recentemente, em França, surgiu outro caso com veículos eléctricos, designadamente os pequenos modelos fabricados pela Bolloré e explorados pela Autolib, uma empresa de car sharing que assinou um contrato com a câmara parisiense, tendo operado entre 2011 e 2018. Após um conflito entre as partes e alguns casos de incêndios (atribuídos a vandalismo, o que nunca foi provado), Paris suspendeu os pagamentos e levou a Autolib à falência. Os veículos funcionais foram arrumados num parque e os 2000 em melhor estado foram recondicionados e vendidos a particulares. Dos restantes, umas centenas foram desmontadas para peças de substituição e o resto abatido.
Os pequenos veículos produzidos pela Bolloré chegaram a estar envolvidos nalguma polémica, após as redes sociais os terem acusado de estarem a poluir o terreno em que durante anos estiveram guardados, devido às potenciais fugas das baterias. Estas afirmações viriam a ser investigadas num fact-check da Agence France-Presse, que provou serem falsas.