Devoluto desde a década de 1980, o edifício de traços modernistas posicionado no coração de Faro foi uma escolha óbvia para Christophe e Angelique de Oliveira. Não tão óbvia para os locais. O empresário, cujos pais portugueses escolheram França para viver nos anos 60, recorda-se do que chegou a dizer um dos inquilinos do rés-do-chão: “Realmente, era o prédio mais feio de Faro”. Talvez fosse, talvez não, mas o projeto de recuperação a que esteve sujeito nos últimos quatro anos emprestou nova vida àquele que é agora conhecido como o The Modernist.
Foi praticamente amor à primeira vista para o casal de investidores que descobriu o edifício do arquiteto Joel Santana na visita de estreia que fez a Faro, em 2016, quando uma mudança de ambiente era urgente, sobretudo no rescaldo dos ataques de novembro em Paris, no ano anterior. “Nessa noite íamos jantar a um dos restaurante onde houve um ataque terrorista. A partir daí as coisas começaram a mudar e começámos a pensar que, talvez, a França não fosse o melhor sítio para termos uma família”, conta ao Observador. Atualmente, Christophe e a família dividem o seu tempo entre Portugal e França, onde têm uma empresa que reúne algumas unidades de alojamento local. Tanto cá como lá, a missão é sempre a mesma: recuperar e conservar locais com alma e história.
O prédio de três andares no centro de Faro, aberto ao público há mais de um mês, continua a manter a livraria Bertrand e a loja da sorte Campião no rés-do-chão. Os restantes três pisos foram convertidos numa unidade alojamento local que se estende por seis apartamentos, dois por piso. O projeto de recuperação foi entregue à plataforma de arquitetura PAr e foi condicionado pelo tempo, devido sobretudo à iniciativa sustentável que serviu de inevitável fio condutor. O casal quis, desde logo, um prédio 100% made in Algarve ou no país. Feitas as contas, a pandemia atrasou em seis meses as obras, mas o principal motivo para a demora foi o objetivo de “fazer um projeto nacional”.
Foram os traços modernistas que convenceram Christophe, que se diz apaixonado pela estética dos anos 70. No interior, a decoração é reflexo disso mesmo, com uma aposta clara no minimalismo. O ambiente é pontuado por materiais tão locais quanto o possível, como é o caso da pedra algarvia avermelhada (brecha de Santa Catarina) que ocupa lugar de destaque nas varandas, mas também as peças-chave de mobiliário desenhadas pela plataforma de arquitetura. A iluminação e os puxadores em latão ajudam na viagem ao passado.
“O modernismo foi uma época única. São décadas em que os arquitetos decidem virar a página e ter uma visão diferente da arquitetura”, defende Christophe, enfatizando o legado funcional ao invés da beleza estética. “São lugares onde temos de ter o máximo conforto para os utilizadores do dia a dia, o máximo de espaço.” Plantas abertas, funcionalidade ao nível de luz, móveis integrados nas paredes e o conforto visual são alguns dos aspetos que destaca. O interior monocromático dos apartamentos do The Modernist é, por isso, intencional: do chão bordeaux aos castanhos dos móveis e das janelas, a ideia é não cansar os olhos, mas sim apelar ao conforto visual. A estética modernista procura impacto na cor e há tons marcantes neste edifício, incluindo os vermelhos fortes, não só no pavimento interior mas também na pedra de Santa Catarina aplicada no exterior.
Contactos
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Morada: rua Francisco Gomes, 27, Faro
Contactos: contact@themodernist.pt / www.themodernist.pt
Preço: a partir de 120 euros por noite (refeições não incluídas)
Estadias, mínimo, de duas noites
Manter o “património marcante, modernista, que faz parte da integração paisagística cultural efetiva de Faro” foi o grande desafio da plataforma de arquitetura PAr. Não existiu qualquer alteração no nível térreo do edifício onde permanecem duas lojas, mas o mesmo não se pode dizer da fachada, onde foram criadas varandas para aproveitar a treliça modernista, explica Vânia Fernandes. “Tentámos manter tanto quanto possível o desenho modernista. A fachada principal tinha uma particularidade muito vincada”, diz, referindo-se aos azulejos cujo desenho mostra círculos brancos sobre retângulos vermelhos, um contraste curiosamente replicado nas mantas que se encontram no interior, sobre as camas ou a adornar os sofás escuros. Vânia Fernandes introduz ainda o conceito de “processo brutalista” relacionado com a arquitetura de betão, traços que ajudam a contar a história do edifício. “A fachada não era vivida, mas passou a sê-lo.”
O projeto em números
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- Área total: 500 metros quadrados (400 metro quadrados dos apartamentos e 100 metros quadrados das partes comuns, isto é, pátio e rooftop)
- Ano de finalização: 2021
- Período de construção: 4 anos
- Detalhe: a fachada foi conservada ao máximo para manter os traços arquitetónicos referentes à época do modernismo; os materais escolhidos foram tão locais quanto o possível
Aludindo aos preceitos modernistas, cada apartamento acaba por ser um túnel de luz, uma vez que não existem obstáculos. São apartamentos sem divisões para duas pessoas, mas com possibilidade de receber mais dois adultos ou duas crianças. À cozinha de apoio equipada acrescenta-se ainda o wi-fi, de importância acrescida em época de teletrabalho, mas também um pátio para uso comum e o roftoop com vista para a Ria Formosa. O The Modernist está próximo da estação de comboios e de autocarros e é um convite a viver a cidade de Faro e o legado modernista, numa altura em que se assinalam cem anos do nascimento de Manuel Gomes da Costa, um dos seus impulsionadores.
“Portfólio” é uma viagem ao pormenor dos ambientes, espaços e projetos mais inspiradores.