Se em tempos Lisboa teve cenários dignos de um “Mad Men” à portuguesa, certamente o número 32 da Rua Mouzinho da Silveira foi um deles. Originalmente erguido em 1965, o antigo aglomerado de escritórios sofreu uma inesperada transformação, com o cunho da dupla Ana Anahory e Felipa Almeida. Das mesmas mãos que projetaram espaços como os restaurantes Belcanto e Marisqueira Azul e como o hotel São Lourenço do Barrocal, nasceu o Wood. Na liga dos espaços de cowork, este é um verdadeiro topo de gama.
Intacta, a fachada é muito mais que um cartão de visita. As cores, os materiais e as texturas do interior funcionalista absorvem aqueles que foram os acabamentos escolhidos há mais de 50 anos. A cidade era outra, mas não há nada que não se possa revisitar à luz da contemporaneidade. O uso inusitado da pastilha — as pequenas quadrículas que vulgarmente associamos ao revestimento de fontes e piscinas — é o exemplo mais claro. É preciso subir ao primeiro piso, o único organizado em open space, para encontrar uma floreira no mesmo material — afinal, as plantas foram ponto assente, desde o primeiro mood board.




▲ Entre a fachada dos anos 60 e os novos interiores existem elementos em comum, a começar pela pastilha, facilmente reconhecível pelo revestimento de piscinas
Francisco Nogueira
Mas o rasto de pastilha guia-nos para um outro espaço, bem menos exposto — os balneários, cuja função se torna clara ao descobrirmos que o Wood dispõe de estúdio de yoga com três aulas por semana e capacidade para dez pessoas. Aqui e ali, a dupla AnahoryAlmeida desenhou elementos decorativos responsáveis por harmonizar os diferentes espaços deste prédio de oito andares. A existência de um padrão — repetido em portas, armários, candeeiros e puxadores — é outro dos exemplos.
Por outro lado, há detalhes levemente datados que trazem a este espaço do século XXI um charme de outros tempos. Depois de décadas como parente pobre dos materiais usados em interiores, o marmorite regressou em força, aqui utilizado no chão da principal área social do Wood. No piso térreo, a área de convívio e refeições podia perfeitamente ser mais um cafetaria de brunches da moda, mas não é. É um espaço acolhedor, onde ressaltam as plantas e os sofás em pele e as condutas no teto foram totalmente integradas no ambiente.




▲ A sala de convívio é a coqueluche do Wood, com sala de reuniões e uma copa
Francisco Nogueira
“Triste, cansado e com pouca identidade” — é assim que Ana Anahory e Felipa Almeida descrevem o interior do edifício, na primeira vez que aqui entraram. A laborar desde 2011, o atelier nunca tinha projetado um espaço de cowork. No que toca a metros quadrados, o Wood é ainda o maior projeto assinado pela dupla em Lisboa, o segundo maior de todo o portfólio. Questões como a insonorização de salas de reuniões e gabinetes, onde a cortiça fez milagres, e de phone booths e a iluminação, que se quis confortável e caseira e, ao mesmo tempo, indicada para trabalhar, foram novas prioridades.
As estas somam-se outros tantos pormenores que, tratando-se do novo espaço de trabalho premium de Lisboa, não podiam ser deixados ao acaso. Entre o segundo e o oitavo andares, as áreas foram compartimentadas em gabinetes (as capacidades variam entre duas e oito pessoas num total de 45 divisões), todos eles com janelas para a rua e entre si. Equilibrar luz natural e privacidade foi um trabalho exigente para a dupla — as aberturas entre escritórios ficam a 1,10m do chão, altura mais do que suficiente para fazer amigos, mas que impede que os coworkers espreitem o ecrã do vizinho.
O projeto em números
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- Área: 2.000 m²
- Ano de finalização: 2019
- Período de construção: 11 meses
- Detalhe: a pastilha na fachada original, habitualmente vista no revestimento de piscinas, foi usada no interior
- Arquitetos: AnahoryAlmeida




▲ Phone Booths, azulejos, móveis em segunda mão, plantas e luz natural – o cartão-de-visita do Wood
Francisco Nogueira
Um dos mais notáveis detalhes do projeto está a um lance de escadas de distância para quem entra no edifício. A revestir a parede dos elevadores e da escadaria há um puzzle de pequenas peças de madeira, arte dominada pelo estúdio de design Woometry, com oficina nos arredores de Lisboa. No total, foram cortadas e aplicadas cerca de 40.000 losangos, num trabalho que exigiu planeamento e minúcia e que chegou às parede dos restaurante ao lado. Fora da gestão do cowork, o Selllva também é um projeto com a assinatura AnahoryAlmeida. Entre os pontos de ligação estabelecidos com o Wood, está o trabalho de Henriette Arcelin, cujas telas de inspiração naturalista, 12 no total, aquecem as várias salas de reuniões.
Mas este Wood não é só madeira. Foi pensado como a junção das palavras “work” (trabalho) e “good” (bom) e, para isso, não são apenas a arquitetura e o design a contribuir. O edifício está aberto 24 horas por dia e, além de um estúdio de yoga, dão-se já os retoques no beauty center, cujo rol de serviços vai incluir manicure, pedicure, barbeiro e cabeleireiro. As massagens, consultas de osteopatia e sessões de aromaterapia e reflexologia também têm um espaço próprio. Indispensável à vida no Wood é a aplicação especialmente desenvolvida para os coworkers — pode ser usada para reservar salas de reuniões, marcar aulas, serviços e tratamentos e até encomendar fruta e legumes frescos.




▲ O Wood está ligado ao restaurante Selllva pela criatividade de Ana Anahory e Felipa Almeida (fotografia do restaurante por Cristiana Morais)
ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR
Com capacidade para 220 pessoas, a lotação do Wood ronda, neste momento, os 80%. As mensalidades variam entre os 190 euros, preço para uma mesa lounge em open space, e os 3.280 euros, valor a pagar por um escritório para oito pessoas. Para breve está a abertura de um terraço com acesso a partir do primeiro andar. Com projeto já feito mas sem data para avançar está a reabilitação do rooftop para fins de lazer.
“Portfólio” é uma viagem ao pormenor dos ambientes, espaços e projetos mais inspiradores.