“Tudo isto é inacreditável, fica difícil encontrar palavras para falar agora. Passamos por tanta coisa, altos e baixos, críticas. E depois trabalhamos mais, acreditamos no que se está fazer e conquista-se isso. Não existem palavras, é inacreditável, incrível. Não consigo parar de chorar. É algo mesmo muito surreal. Imbituba, muito obrigado por todo apoio e energia positiva que me deram sempre. Senti-vos aqui comigo.”

Obrigado Pedri, por mostrares o melhor Jorginho (a crónica do Itália-Espanha)

Não era exagero – Jorginho não parava mesmo de chorar no final da Champions no Dragão, depois de mais um jogo monstruoso ao lado de Kanté a empurrar o Chelsea para a vitória frente ao Manchester City. O médio já tinha ganho uma Taça e uma Supertaça de Itália pelo Nápoles, também já tinha conquistado uma Liga Europa pelos blues mas nada se comparava àquele sentimento de se sagrar campeão europeu de clubes. E chorava, chorava mais um pouco. Sim, eram lágrimas de alegria. Mas era muito mais do que isso.

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Nascido em Imbituba, no estado de Santa Catarina, Jorginho começou a jogar futebol por influência da mãe e foi também por ela que nunca desistiu. E esteve perto, em duas ocasiões. Com apenas 15 anos, já tinha ganho duas Ligas dos Campeões à sua maneira: depois de se destacar num torneio local, foi detetado com mais um par de jovens por um empresário que lhe prometeu mundos e fundos com uma ida para Itália, terra do avô. Todavia, aquilo que parecia um sonho não demorou a tornar-se num pesadelo, em dois momentos diferentes.

Quando os miúdos daquela escola de formação se preparavam para embarcar para terras transalpinas, o médio foi o único que não saiu do Brasil por ser menor e não ter uma autorização assinada pelo pai como está previsto na legislação brasileira. “Não conseguia acreditar… Chorei muito, porque, obviamente, o primeiro pensamento quando algo assim acontece é: ‘Será que eu vou conseguir?’. Fiquei com medo deles mudarem de ideia e não me deixarem mais participar dos testes. Não foi fácil para mim ver todos os meus amigos viajando enquanto eu ficava lá, sem poder fazer nada”, contou. E para piorar ainda a situação, foi recusado nos testes que fez no São Paulo, no Palmeiras e no Internacional. Não desistiu, continuou a acreditar na possibilidade de cumprir o sonho europeu, um mês depois conseguiu viajar mas os problemas não tinham terminado.

“As coisas estavam a correr bem em Itália, em Verona. Comecei a entrar na rotina: treinar, escola, casa, casa, escola, treinar. Foi só isso que fiz durante 18 meses. Tinha 20 euros para viver a cada semana e não podia fazer mais nada porque simplesmente não o podes fazer com essa quantia de dinheiro. Tudo o que fazia era simplesmente treinar e estudar. Foi realmente complicado. O Verona não estava na Serie A na altura, não tinham escalões de jovens, por isso jogava numa equipa de formação chamava Berretti. Foi lá que conheci um brasileiro e fiquei amigo dele. Perguntou-me como estavam a correr as coisas, há quanto tempo estava ali e disse-lhe que estava a viver com 20 euros por semana. Então ele diz-me ‘Espera lá, algo que não bate certo’. Fez alguns contactos e chegou à conclusão de que o meu agente estava a ficar com o dinheiro e não sabia de nada. Naquele momento quis desistir. Fiquei devastado!”, contou em entrevista ao site oficial do Chelsea.

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“Liguei para a minha mãe em lágrimas e disse-lhe que queria voltar para casa, que não queria jogar mais. Ela disse-me ‘Nem penses nisso! Estás tão perto, estás aí há poucos anos. Não te deixo voltar a casa! Tens de ficar aí e ser forte’. Fiquei e continuei a treinar com a primeira equipa e a jogar pelo Berretti. Até que a determinado momento decidi que queria sair por empréstimo. Fui para uma equipa da Série C2, o Sambonifacese. O Verona foi promovido depois à Serie B e, quando voltei, o treinador disse-me que não contava comigo. Contudo, um dos dirigentes que conhecia muito bem lutou por mim e pediu ao treinador para ficar. Em outubro o titular da minha posição lesionou-se e o seu substituto também. O treinador não sabia o que fazer, ou improvisava ou colocava-me. Lançou-me em campo e saiu bem”, acrescentou sobre o momento de viragem na carreira.

O resto é história, que continua ainda a ser escrita: mudou-se em 2014 para o Nápoles após tornar-se na grande figura do Verona, esteve quatro anos no sul de Itália a tomar conta do meio-campo napolitano, rumou em 2018 a Londres para representar um Chelsea (a troco de 58 milhões de euros…) onde só lhe falta ser campeão nacional. Agora, depois do sucesso da Champions, já há quem o aponte como possível Bola de Ouro caso a Itália consiga sagrar-se campeã europeia de seleções. “É um jogador refinado e por isso nem todos o entendem. Faz tudo parecer fácil, é a sua maior qualidade. Quando fui para o Chelsea, conseguimos arrebatá-lo do Manchester City. No início foi difícil para ele ser entendido por adeptos e jornalistas, agora vejo que é valorizado”, frisou esta semana o antigo treinador Maurizio Sarri, que trabalhou com o médio em Itália e em Inglaterra.

Agora, aquele que também é conhecido como Professor ou Rádio (“Professor? Mas professor de quê? Desculpa… Mas devo dizer que fico contente se for ouvido”, disse após a vitória com a Áustria) está mais próximo desse sonho de juntar à Liga dos Campeões ao Europeu. E contra a Espanha, na meia-final, foi fundamental não só por ter marcado a grande penalidade defensiva mas pela forma como conseguiu controlar Pedri a partir de certa fase do jogo e por instrução de Roberto Mancini. Aos 29 anos, as dificuldades valeram mesmo a pena.