Paris abriu alas àquele que é o verdadeiro barómetro da retoma. E a avaliar pelos últimos dias, a capital francesa, aqui como epicentro mundial da moda, começa agora a ver a pandemia de Covid-19 pelas costas — com uma média de 28 novos casos por cada 100 mil habitantes na última semana e ainda um ritmo de vacinação que ronda as 580 mil doses administradas diariamente. Houve desfiles com plateia, mesmo em recintos fechados, almoços de celebração e até festas estrondosas, com direito a convidados vindos do outro lado do Atlântico.

Foi o caso do serão serão organizado pela Louis Vuitton, na última segunda-feira. O pretexto? Uma nova coleção de perfumaria com o dedo do Pritzker Frank Gehry. Razão suficiente para convidar Katy Perry a fazer uma atuação surpresa (já no fim de semana, a Off-White de Virgil Abloh regressará à passerelle num desfile-concerto de M.I.A.), sem deixar Joe Jonas, Sophie Turner, Florence Pugh, Diane Kruger e Isabelle Adjani, entre muitos outros, fora da lista de convidados.

Outros aproveitaram os holofotes postos sobre a alta-costura para retomar a velha tradição de apresentar o seu pronto-a-vestir. Aconteceu com a casa Alaïa, que na última segunda-feira voltou a encher uma sala de desfiles na capital francesa. Ao leme está o belga Pieter Mulier, que agora se estreia com a sua primeira coleção, precisamente na Rue de Moussy, onde o mestre tunisino abriu a sua primeira loja, ainda nos anos 80. O exercício foi tão simples quanto exigente: pegar na herança do mestre e interpretá-la à luz das exigências de um novo público.

Entretanto, Paris prosseguiu caminho a fazer aquilo que faz melhor: combinar alta-costura, estrelas planetárias, luxo e exclusividade. Durante quatro dias, o calendário foi preenchido pelos desfiles das mais reputadas casas de moda — Chanel, Dior, Balenciaga e até os gigantes italianos Fendi e Armani voltaram a apanhar o avião para marcar presença na cidade luz. Exceção aberta para a Valentino, que esta estação fará o seu desfile de alta-costura a 15 de julho, em Veneza. Embora fora do calendário, o momento será transmitido em direto pela Fédération de la Haute Couture et de la Mode. Até lá, fique com os destaques de mais uma edição da Semana da Alta-costura de Paris.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Schiaparelli

Um vestido de noiva, uma ligeira inspiração tauromáquica e um apetite por joalharia pesada que só cresce desde que Daniel Roseberry chegou à Schiaparelli, em 2019. Estes e outros ingredientes colados com o surrealismo herdado da mestra fundadora compuseram a coleção de alta-costura que abriu as hostilidades em Paris, na manhã de segunda-feira. O espetacular e o infimamente detalhado e ornamentado continuam a fazer parte da linguagem criada pelo designer, que tanto trabalhou em duas grandes rosas douradas, moldadas para serem um corpete, como reaproveitou 11 calças de ganga Levi’s (compradas numa loja em segunda mão) para criar um novo casaco fetiche. O engenho não ficou por aqui — juntamente com elementos vindos diretamente do arquivo da marca, fundada há 94 anos, Roseberry usou ainda sacos do lixo, uma breve nota para relembrar que luxo também é provocação.

Christian Dior

No mesmo dia, o desfile da Christian Dior foi uma tentativa de restaurar a fé num futuro bem mais risonho, depois do último ano e meio. A alta-costura da maison voltou a desfilar diante de clientes e público especializado — e numa localização já familiar, o Museu Rodin –, da mesma forma que toda a equipa envolvida voltou ao atelier para trabalhar na nova coleção. Aos poucos, Maria Grazia Chiuri convida a retomar a proximidade e o toque e nada melhor do que fazê-lo enaltecendo pontos e texturas. A começar pelo painel bordado que forravam a parede de fundo, trabalho manual concebido pela artista Eva Jospin, executado por artesãs indianas e documentado no Instagram da marca. Simultaneamente, Chiuri voltou a subtrair vestidos de festa e a dar prioridade a coordenados e peças que, embora mantenham os requintes da alta-costura, são mais orientados para o dia-a-dia e para uma nova vivência pautada pela versatilidade e pelo conforto.

Chanel

Foi com silhuetas leves e vaporosas (dois adjetivos preciosos para anotar o desfile da última terça-feira) que a Chanel tomou conta do Palais Galliera, cujo museu exibe por estes dias a exposição “Gabrielle Chanel: Fashion Manifesto”. Em suma, uma visão otimista dos tempos por vir e para a qual Virginie Viard quis convocar algumas das mais habilidosas e reputadas mãos de França — dos bordados da Lesage, do Atelier Emmanuelle Vernoux e do Atelier Montex à Lemarié, conhecidos designers de flores e plumas, sem esquecer os chapéus da Maison Michel. Visuais do século XIX produzidos por Coco Chanel para bailes de máscaras da alta sociedade, já nos anos 30 do século seguinte, foram o ponto de partida para um cortejo florido, repleto de peças que se movimentavam a cada passada e que exibiam detalhes de lingerie, laços e folhos. Um desfile especialmente curto, mas que honrou a tradição da maison e terminou com um vestido de noiva, envergado por Margaret Qualley. Seguiu-se um almoço no palácio, prova de que Paris já respira fundo e desfruta dos encontros e cenários que a moda proporciona.

Giorgio Armani

Depois de no último mês ter reunido algumas dezenas de pessoas para assistir ao seu desfile de menswear, em Milão, Giorgio Armani, que está prestes a completar 87 anos, apanhou o avião até Paris e fez desfilar a sua coleção de alta-costura para o próximo inverno nos interiores ricos da embaixada italiana. “Shine” foi o mote escolhido para o cortejo de 68 coordenados, entre os quais se contaram algumas peças da coleção apresentada em janeiro — por que nenhuma coleção, segundo o mestre, deve estar limitada a uma única estação. O brilho, a par de uma paleta rica em tons primaveris, foi o que mais ressaltou. Organzas coloridas criaram efeitos quase holográficos, enquanto bordados e aplicações florais, sobreposições de transparências, lantejoulas e até plumas conferiram textura e até tridimensionalidade às propostas do criador.

Balenciaga

Na última quarta-feira, assistiu-se ao reabrir de um capítulo há muito fechado dentro de uma das casas mais emblemáticas do mundo. Para apresentar a primeira coleção de alta-costura Balenciaga em 53 anos, Demma Gvasalia foi diretamente à fonte e recuperou os volumes dramáticos com que Cristóbal Balenciaga conquistou lugar no Olimpo da moda parisiense. É certo que o designer tem trabalhado sobre este legado, mas aqui as silhuetas do mestre voltaram a pisar a passerelle com o toque próprio de um atelier. O designer explorou os pequenos requintes das velhas coleções de alta-costura — não só através de decotes, mangas, laços e caudas, mas também com o próprio cenário. As salas brancas recriaram o ambiente das antigas apresentações de Balenciaga e os manequins desfilaram sem música. Gvasalia convocou ainda aqueles que já são os seus traços autorais dentro da maison — a alfaiataria tingida de negro e cinzento criou os habituais vultos austeros e futuristas, da mesma forma que incluiu várias peças em ganga e ainda cruzou os habituais parkas oversized com vestidos de baile.

Jean Paul Gaultier

As propostas de Jean Paul Gaultier chegaram na forma de colaboração. Chitose Abe, criativa por trás da japonesa Sacai, formou ao lado do criador francês uma dupla de sucesso. Ele contribuiu com mais de três décadas de referências, ela cruzou-as entre si e com a sua própria linguagem. O resultado foi uma combinação do ADN de ambos — camadas, assimetrias e clássicos desconstruídos, mas também uma mistura de elementos de alfaiataria, streetwear e inspirações militares, sem esquecer o trabalho de corseterie tão central na obra de Gaultier.

Viktor & Rolf

Nenhum paralelismo entre os recentes fenómenos mediáticos em torno de membros da realeza e as silhuetas teatrais que compõem a coleção outono-inverno 2021 da Viktor & Rolf (dupla que se dedica em exclusivo à alta-costura) é coincidência. Sob o título The New Royals, o criadores voltam a dar largas à imaginação e a construir, sobretudo através do exagero de formas e proporções, um guarda-roupa digno de rainhas e princesas, embora com uma boa dose de ironia pelo meio. À semelhança do que aconteceu em janeiro de 2019, os slogans virais voltaram estar estampados para o mundo ler — “Queen of the Night“, “A Royal pain in the Ass” ou “Princess? No Bitch, Queen!” foram provocações numa apresentação que manteve o formato digital.

https://www.youtube.com/watch?v=aRVvQG8xbAc&ab_channel=Viktor%26Rolf

Fendi

Também a Fendi optou por uma apresentação à distância, pré-gravada e sem público. Com Kim Jones no leme e à beira do centenário, que se celebra dentro de quatro anos, a marca repetiu a receita da última temporada: silhuetas etéreas, que o designer parece ter tingido com os tons e os brilhos de uma coleção de gemas, um enaltecimento do trabalho minucioso e artesanal e, claro, a comparência de velhas amigas da casa italiana. Kate Moss e a filha Lila, Christy Turlington e Amber Valletta brilharam na reta final da semana da moda.