A ministra da Cultura não rejeita que a Coleção Berardo, exposta desde 2006 no lisboeta Centro Cultural de Belém e arrestada por ordem judicial em julho de 2019, venha a ser incorporada na Coleção de Arte Contemporânea do Estado (CACE), mas não adianta se isso acontecerá através de nacionalização ou compra.

“A Coleção Berardo está, a coberto de uma decisão judicial de arresto, na Fundação CCB, é a sua fiel depositária. A coleção tem a dimensão de exposição. Neste momento mantenho o que disse em 2020. Estamos a acompanhar, temos os mecanismos jurídicos necessários para manter a sua integridade”, disse Graça Fonseca esta terça-feira em conferência de imprensa, em resposta uma pergunta do jornal Público sobre se está em estudo a incorporação da Coleção Berardo na CACE.

Acabada de regressar da capital espanhola, onde visitou a feira de arte contemporânea Arco Madrid, a governante não quis dizer se o Governo equaciona comprar ou nacionalizar a Coleção Berardo. Nada disse também sobre se o Estado mantém os seus representantes na administração da Fundação de Arte Moderna e Contemporânea Coleção Berardo (que gere o Museu Berardo no CCB), nem sobre a renovação do acordo entre o Estado e o empresário José Berardo para a manutenção das obras de arte no museu, acordo que termina em dezembro de 2022. Perante esta dúvidas, repetiu: “Estamos a avaliar e avaliaremos com a reserva que este assunto nos merece.”

A titular da pasta da Cultura falava esta terça-feira à tarde no Palácio da Ajuda, em Lisboa, a propósito da apresentação da lista de 73 obras compradas nos últimos meses a artistas portugueses que passam a integrar a CACE. A governante aproveitou a ocasião para fazer vários anúncios.

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A CACE, na qual foram investidos 650 mil euros este ano, vai ter um reforço orçamental que atingirá 800 mil em 2022. Parte das obras terá exibição em Abrantes no último trimestre deste ano num novo museu que ali será inaugurado. E a Rede Portuguesa de Arte Contemporânea, anunciada em abril, “será implementada nacionalmente com núcleos regionais”, o primeiro deles no norte a ser criado “muito em breve”.

A demonstrar o importância atribuída pelo Ministério da Cultura ao anúncio das novas obras, estiveram presentes na Ajuda (num corredor do terceiro piso da ala norte, onde aconteceu a conferência de imprensa), a secretária de Estado do Património, o novo diretor-geral do Património Cultural e pelo menos um dos subdiretores. Não compareceram galeristas representantes de artistas cujas obras foram compradas, mas o curador da CACE, David Santos, fez questão de se referir ao “continuado esforço dos galeristas”.

Há um ano, a apresentação das aquisições de arte contemporânea tinha ficado marcada pela célebre e muito criticada declaração “vamos beber um drink de fim de tarde”, com que a ministra da Cultura quis evitar perguntas de uma jornalista. Desta vez, Graça Fonseca deu por terminado o encontro com os jornalistas quando questionada pelo Observador sobre se ficou surpreendida com a detenção a 29 de junho de José Berardo — sob a acusação de burla, fraude fiscal e branqueamento de capitais, entre outros crimes.

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Esta terça-feira, depois de enumerar decisões que tomou nos últimos anos no domínio das artes visuais — como a compra de seis quadros de Vieira da Silva para incorporação no Museu Arpad Szenes/Vieira da Silva, a compra de 175 obras de Miró, do antigo BPN, que foram cedidas à Fundação de Serralves, e a exibição no novo Centro de Arte Contemporânea de Coimbra de outras obras do antigo BPN —, Graça Fonseca afirmou: “Sabemos onde queremos chegar e vamos lá chegar com o trabalho de todos.”

A CACE é composta por mais de 1400 peças e desde fevereiro do ano passado tem pela primeira vez um curador, o historiador de arte David Santos. A falta de apoio logístico, administrativo e financeiro a David Santos, por parte da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), terá sido um dos motivos que levaram Graça Fonseca de afastar em fins de junho o então diretor-geral do Património Bernardo Alabaça. A ministra remeteu eventuais esclarecimentos para quarta-feira, quando for ouvida pelos deputados.

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Por querer falar apenas de arte contemporânea, a titular da pasta da Cultura não respondeu às alegações apresentadas na Assembleia da República, na semana passada, pelo exonerado ex-diretor-geral do Património. Bernardo Alabaça tinha dito que mais de uma centena de contratações para museus estão bloqueadas pelo Ministério das Finanças e que a DGPC deve dois milhões de euros a um fornecedor.

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A CACE era até há poucos anos conhecida como Coleção SEC (Secretaria de Estado da Cultura). Foi criada em 1976 pelo então secretário de Estado da Cultura David Mourão-Ferreira e serviu durante décadas para a decoração de gabinetes, ministérios e embaixadas, além de ter integrado parte do acervo inicial do Museu de Serralves. A coleção é independente do acervo do Museu do Chiado, único museu público de arte moderna e contemporânea.

As novas obras foram compradas nos últimos seis meses pelo Ministério da Cultura através da Comissão Para a Aquisição de Arte Contemporânea, composta em 2021 e 2022 por Ana Anacelto (curadora independente), Carla Cruz (artista e professora), Fernando J. Ribeiro (artista e professor), Horácio Frutuoso (artista), Mariana Pinto dos Santos (historiadora e curadora) e Pedro Portugal (artista e professor), além de dois representantes do Governo: David Santos (curador da própria coleção) e Graça Rodrigues (técnica do gabinete de Graça Fonseca).

A lista de obras e artistas agora adquiridos inclui Adriana Molder, Carlos Noronha Feio, Claire Sana Coloma, Diana Policarpo, João Leonardo, Jorge Molder, Marta Wengovius, Salomé Lamas, Sara Bichão, Valter Vinagre, entre muitos outros, num total de 73.

Sobre a Coleção Ellipse — quase um milhar de obras de arte que se supõe estarem à guarda do Banco de Portugal e da Fundação de Serralves desde a liquidação do Banco Privado Português (BPP) em 2010, que resultou na condenação do seu presidente, João Rendeiro, a 10 anos de prisão — a ministra não adiantou novidades. Há muito que se fala da integração destas obras na Coleção de Arte Contemporânea do Estado. “Quando for o prazo, direi”, apontou Graça Fonseca. Em janeiro do ano passado, tinha afirmado ao Observador que o destino da Coleção Elipse “é um trabalho que está em curso e tudo faremos para que seja concluído o mais brevemente possível.”