O diretor-geral do Património Cultural, Bernardo Alabaça, que tomou posse como interino em fevereiro do ano passado, foi afastado do cargo pela ministra da Cultura, Graça Fonseca, por esta considerar que a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) está “inoperacional”. A exoneração tem “efeitos imediatos” e foi anunciada esta sexta-feira ao início da tarde pelo gabinete da ministra. A DGPC é o maior organismo sob alçada do Ministério da Cultura, com um orçamento de cerca de 67 milhões de euros em 2021. Tutela os principais museus e monumentos públicos.

“É pertinente, e urgente, a substituição do engenheiro Bernardo Alabaça pelo facto de o seu desempenho não ter correspondido às expectativas nem se perspetivar que pudesse vir a corresponder”, informou o Ministério da Cultura, segundo o jornal Público. “A taxa de execução [orçamental] de 10% da DGPC”, a incapacidade de pôr em prática determinações do Conselho de Ministros e o “ineficiente contributo” de Bernardo Alabaça na discussão sobre a distribuição na área do património de 150 milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência foram falhas apontadas pela gabinete de Graça Fonseca, citadas pelo Público.

Ao Observador, o gabinete da ministra exemplificou a alegada incapacidade de Bernardo Alabaça de pôr em prática determinações do Governo: até agora não terá sido dado a David Santos, curador da coleção de arte contemporânea do Estado, o apoio logístico, administrativo e financeiro a que a DGPC está obrigada por resolução do Conselho de Ministros de 11 de maio último.

Numa nota às redações, após a divulgação da notícia, o ministério esclareceu que o arquiteto João Carlos dos Santos, até agora subdiretor da DGPC, “assume com efeitos imediatos o cargo de diretor-geral interino da DGPC, na sequência da exoneração do engenheiro Bernardo Alabaça”.

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O Observador tentou sem êxito contactar o diretor-geral cessante. Fonte próxima disse que as justificações apresentadas pelo Ministério da Cultura são incompreensíveis, por  o mandato de Bernardo Alabaça ter sido exercido em período de pandemia, o que levaria sempre a inoperância e baixa execução orçamental.

A mesma fonte aventou a hipótese de o afastamento ter sido determinado pela discordância de fundo por parte do diretor-geral cessante quanto à transferência de competências e serviços de gestão do património da DGPC para as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional. Esta política do Governo, que ainda não foi posta em prática mas está anunciada desde junho do ano passado, poderá levar a DGPC a um esvaziamento de competências. Ao Observador, o gabinete da ministra da Cultura não quis comentar a hipótese, mas sublinhou que o previsto é a transferência de competências das Direções Regionais de Cultura para as CCDR, e não da DGPC.

Um concurso da CRESAP (Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública) para encontrar um diretor-geral do património — cuja remuneração será de 3.734 euros, mais 778 euros por despesas de representação —, foi lançado a 2 de junho e terminou na passada quinta-feira, dia 17. Concurso idêntico decorreu para o lugar de subdiretor-geral. O resultado não é conhecido em ambos os casos.

Bernardo Alabaça (esq.) numa visita à Sé de Lisboa a 30 de setembro de 2020

Gestor imobiliário e as polémicas

Bernardo Xavier Alabaça nasceu a 8 de junho de 1973, é licenciado em engenharia e gestão industrial pelo Instituto Superior Técnico e mestre em finanças pelo ISCTE. Antes de chegar à DGPC exerceu como diretor-geral de Infraestruturas do Ministério da Defesa e subdiretor-geral do Tesouro e Finanças do Ministério das Finanças.

Foi assessor do conselho de administração da Lisboa Ocidental – Sociedade de Reabilitação Urbana, vice-presidente da mesa da assembleia-geral da Parpública (empresa pública que gere património do Estado) e presidente do conselho estratégico do Salão Imobiliário de Lisboa.

Teve um mandato marcado por polémicas. A alegada falta de qualificações para o cargo foi contestada desde o início por profissionais da museologia. Em outubro do ano passado, perante a controvérsia sobre a conservação de vestígios de uma mesquita do século XII na Sé de Lisboa, o diretor-geral foi ultrapassado pela própria ministra da Cultura, que decidiu, sem esperar pelas conclusões de um grupo de trabalho convocado por Bernardo Alabaça, que aqueles vestígios deveriam ser conservados no local e mostrados ao público. Pela mesma altura, a subdiretora-geral Fátima Marques Pereira, que tinha entrado oito meses antes com Bernardo Alabaça, pediu para sair por alegados “motivos pessoais”.

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A antecessora de Bernardo Alabaça, Paula Silva, também saiu do cargo exonerada por Graça Fonseca e em rota de colisão como a ministra, a ponto de se afastarem uma da outra em cerimónias públicas. O “envelhecimento dos trabalhadores do quadro”, a falta de “estratégias pré-definidas” para aplicação de fundos europeus e a suborçamentação da DGPC foram então apontados por Paula Silva como os principais problemas da instituição.

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Quando Graça Fonseca defendia Bernardo Alabaça

Ao nomear o diretor-geral agora afastado, o Governo justificou vinha aí “um novo ciclo de políticas públicas para o património cultural e para as artes”, o que exigia “perfis adequados aos novos desafios”. Perante a contestação inicial ao nome de Bernardo Alabaça — nomeadamente por parte da Associação Portuguesa de Museologia e do Conselho Internacional de Museus da Europa, que chegaram a considerar “inqualificável” e “um insulto” haver um gestor imobiliário a dirigir a DGPC — a ministra Graça Fonseca saiu em defesa da sua própria escolha.

“O que acho absolutamente extraordinário nesta questão é ignorar que Bernardo Alabaça tem muitos anos de gestão de património cultural, tem um mestrado em gestão do património público, e que o que fez durante muitos anos foi gerir património público. Passou por outros setores? Sim, teve vida para além de ser dirigente público, como muitos de nós tivemos”, disse a ministra em março do ano passado.

Em audição parlamentar, a 10 de março de 2020, Graça Fonseca sublinhou que Bernardo Alabaça tinha “as competências necessárias e desejáveis para o exercício do cargo”, o que contrasta com a justificação de exoneração apresentada nesta sexta-feira, que refere uma presumível “inoperância” do diretor-geral cessante.

Notícia atualizada às 16h40, com informação do Ministério da Cultura sobre transferência de competências das Direções Regionais de Cultura para as CCDR.