A arquitetura atravessa um tempo difícil por a considerarem um luxo caro, destacou o arquiteto português Álvaro Siza num vídeo exibido na abertura da última semana do 27.º Congresso Mundial de Arquitetos (UIA2021RIO), celebrado virtualmente a partir do Rio de Janeiro, no Brasil.

“A arquitetura atravessa um tempo difícil, sujeita, entre outros, a um equívoco que pressinto bastante generalizado: ser a arquitetura um luxo caro” disse o arquiteto, que é o único português laureado com a Medalha de Ouro da UIA.

“A arquitetura não é um luxo, é um serviço que não se satisfaz para além do que lhe compete por formação com menos do que a beleza. É também uma forma de combate a desigualdade. Só pelo diálogo, pelo debate se pode desmontar este e outros equívocos”, acrescentou.

Antes de encerrar sua breve intervenção no evento num vídeo de dois minutos, Álvaro Siza frisou que não poderia despedir-se “sem recordar comovidamente o grande amigo e grande arquiteto Paulo Mendes da Rocha”.

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Mendes da Rocha, falecido em maio passado, foi um dos arquitetos brasileiros mais premiados de sempre, era sócio honorário da Casa da Arquitetura de Matosinhos, instituição a que doou a totalidade do seu espólio. Em Portugal, Mendes da Rocha assinou o projeto do Museu Nacional dos Coches, em Lisboa.

Na sequência da abertura do congresso, em que também falaram organizadores, autoridades e representantes de conselhos de arquitetos do Brasil, aconteceu o debate “Diálogo Brasil Portugal”, que prestou homenagem a Mendes da Rocha e do qual participaram os arquitetos portugueses Nuno Sampaio, Eduardo Souto Moura e a arquiteta brasileira Carla Juaçaba.

Ao iniciar o seu discurso, Carla Juaçaba lembrou frases de Mendes da Rocha para explicar sua visão sobre o momento atual da arquitetura, lembrando que ele defendia a coexistência entre a construção humana e a natureza.

“Paulo Mendes da Rocha tinha frases muito fortes sobre a relação do homem com a natureza e com a cidade. As frases respondem tão bem [a este momento] como os projetos dele. Como este último, que é uma fantasia, que ninguém encomendou, para a Praça da República (…) Ele desenhou uma infraestrutura urbana com lazer e realmente desenhou o homem e a paisagem”, explicou.

“É o desenho de uma paisagem manufaturada, construída, que é o que temos que fazer agora, um desenho sobre o coexistir do homem com a natureza, o homem e a paisagem, o homem e a cidade”, acrescentou a arquiteta brasileira, citando o projeto de Mendes da Rocha que sugere transformar a Praça da República, no centro de São Paulo, a maior cidade do Brasil, numa enorme piscina pública ou no que alguns chamaram de praia urbana.

Já Souto Moura salientou ter uma visão otimista sobre o papel dos arquitetos neste mundo em transformação já que as dificuldades desafiam os criadores a buscar novas possibilidade para planear suas intervenções na cidade e também novas ferramentas.

“Temos que ter consciência das dificuldades, cada vez maiores. Cada vez mais a arquitetura tem oposições, tem obstáculo, mas temos que arranjar uma maneira de contornar e sair deles”, defendeu Souto Moura.

“Eu comparo a situação do arquiteto, do cliente com o círculo do sumo [luta tradicional japonesa] em que ganha quem conseguir por o adversário fora do círculo, ou anular o adversário (…) Com esta analogia quero dizer que no fundo não é a violência, a força que definem as situações, mas exatamente a estratégia que escolhemos para desviar de maneira que o próprio adversário saia do jogo”, acrescentou o arquiteto português vencedor do Prémio Pritzker.

Souto Moura reconheceu que no dia a dia o trabalho dos arquitetos tem sido cada vez mais difícil, e até mesmo penoso, mas acrescentou ter a esperança de que se vai “arranjar outros instrumentos, outros materiais outras linguagens outros sistemas convertidos e outras formas”.

“Isto não se inventa de um momento para outro, mas é uma resposta para o problema (…) A arquitetura é uma resposta”, destacou.

Tal qual fez Siza na abertura do evento, Souto Moura também demonstrou a sua preocupação em relação ao custo da mão de obra usada nas construções e dos materiais necessários para dar vida aos projetos arquitetónicos, que tem trazido dificuldade aos profissionais para gerir orçamentos dos projetos.

Ao longo do debate, os participantes falaram também sobre referências e inspirações, a relação entre arquitetura e política, e importância de guardar acervo de arquitetos para utilizá-los em aulas e também fizeram algumas referências ao legado de Mendes da Rocha.

A decorrer desde março, em versão digital, o congresso tem vindo a reunir profissionais dos cinco continentes, em semanas temáticas de debate, que abordaram “Fragilidades e Desigualdades”, “Diversidade e Mistura”, “Mudanças e Emergências” e “Transitoriedades e Fluxos”.

Durante a derradeira etapa, será feita a transferência da bandeira do congresso para a Dinamarca, que o acolherá em 2023, assim como do título de Capital Mundial da Arquitetura, para Copenhaga.

O 27.º Congresso Mundial de Arquitetos encerra no dia 22 de julho.

Marcado inicialmente para 2020, o congresso teve de ser adiado para este ano, por causa da pandemia de covid-19, decorrendo de forma virtual desde março. Excecionalmente, a sessão de domingo, segundo Nuno Sampaio, será em formato misto, alternando entre o digital e o presencial.