Os advogados de Isabel II pressionaram secretamente ministros escoceses a mudar um projeto de lei de forma a isentar as terras privadas da monarca de uma iniciativa verde que prevê a diminuição das emissões de carbono, segundo documentos revelados pelo jornal britânico The Guardian. Aos 95 anos, a rainha é uma das maiores proprietárias de terra na Escócia, sendo que esta isenção implica que seja também a única pessoa no país sobre a qual não recai a exigência de facilitar a construção de condutas para aquecimento de edifícios através de energias renováveis. Uma postura que contraria os discursos de Carlos e William, filho e neto, grandes defensores públicos das causas ambientais.
No final de 2019, por exemplo, William e Kate lançaram um prémio ambiental para “reparar a Terra”, destinado a promover a busca de soluções para as alterações climáticas. À data, o Earthshot Prize foi anunciado enquanto “o mais prestigiado prémio ambiental da história”, tendo como objetivo “inspirar os maiores solucionadores de problemas do planeta a resolver os maiores problemas da Terra: as emergências que o nosso mundo natural enfrenta”.
A isenção da rainha foi obtida há cinco meses, sendo que os advogados da monarca fizeram uso de um “obscuro” procedimento parlamentar conhecido como “consentimento da rainha”, o qual permite a consulta antecipada da legislação. Nos últimos meses, o jornal já citado mostrou como Isabel II usou repetidas vezes — entre os anos 1960 e 1980 — este acesso a projetos de lei de forma a pressionar ministros a mudar legislação no Reino Unido para seu benefício privado ou como forma de refletir as suas opiniões. O consentimento da rainha (ou consentimento da coroa, na Escócia) é um processo que exige que os ministros notifiquem os advogados da monarca quando um projeto de lei pode afetar os seus poderes públicos ou interesses privados. De acordo com o Palácio de Buckingham, esta é uma parte “puramente formal” do processo parlamentar.

▲ Balmoral Castle, propriedade privada da rainha na Escócia
Tim Graham Photo Library via Get
Agora, os novos documentos revelam que o procedimento em causa permitiu à monarca intervir no processo parlamentar em fevereiro. Mais, sugerem que o governo de Nicola Sturgeon não divulgou o lobby feito pelos advogados da monarca em 2021, quando um político escocês questionou, em debate parlamentar, o porquê de a rainha estar isenta do projeto de lei. A lei verde é tida como uma peça legislativa fundamental no combate à emergência climática e pretende reduzir as emissões, mas também a escassez de combustível, permitindo ainda a criação de empregos.
A 3 de fevereiro, funcionários que trabalhavam para o então ministro da Energia, Paul Wheelhouse, reportaram que os advogados da monarca mostraram preocupações face ao projeto de lei, e que este concordou em fazer alterações (isto foi feito em relação ao processo de consentimento da rainha). A 17 do mesmo mês, o governo escocês foi informado de que rainha dava o seu consentimento para que o projeto de lei fosse aprovado. Cinco dias depois, o mesmo Paul Wheelhouse apresentou uma emenda aplicada apenas à propriedade privada da monarca, impedindo empresas e autoridades públicas de obrigarem a rainha a vender partes da terra para permitir a construção das tais condutas verdes.
O problema, salienta o The Guardian, é a existência de cada vez mais exemplos de que a rainha poderá ter tirado partido destes privilégios para exigir mudanças antes de consentir formalmente com a tramitação da lei no parlamento, o que poderá ter acontecido também no caso desta lei climática. Ainda assim, um porta-voz do Palácio de Buckingham afirmou que “a casa real pode ser consultada sobre os projetos de lei a fim de garantir a precisão técnica e a consistência da aplicação do projeto à coroa, um princípio jurídico complexo regido por estatuto e lei comum. Este processo não muda a natureza de qualquer projeto de lei“.