Enviado especial do Observador, em Tóquio
Jorge Pichardo, pai e treinador de Pedro, tinha falado cerca de nove minutos com os jornalistas quando o filho, no meio dos compromissos protocolares de um campeão olímpico e as várias solicitações para tirar as fotografias da praxe já com a medalha de ouro ao pescoço, apareceu naquele local mais escondido da zona mista. Ficou só ao lado primeiro a ouvir, com o boneco que oferecem também no pódio atrás das costas, a funcionar quase como um segurança. A certa altura, a ouvir o pai, não disfarçou um olhar jocoso.
– Fui atleta até aos juvenis, de salto em altura, de triplo e comprimento. O problema é que em Cuba havia Sottomayor… Fazia 2,10 na altura, 7,39 no comprimento e 14,79 no triplo…
Nem foi preciso Pedro Pablo Pichardo falar, a expressão disse tudo. Mas o pai também não se ficou: “Então mas ele tem 28, eu tinha 16. O mau era eu ou ele? Ele com essa idade não fazia isso”. A resposta do filho, de fugida, também não demorou: “Sabem, ele acha que só ele é que era bom…”. Contas feitas, quem ganhava? Então se com 14 anos ele fazia 14,55 e eu fazia 14,79… Pois é…”. O pai desempatou aqui neste particular mas na dúvida seguinte não queria dividir para reinar mas sim ficar com tudo. “O prémio de 50 mil euros pela medalha é bom, depois o que vou fazer com ele logo vejo quando chegar à minha conta”, disse Pedro Pablo. “Então, se eu recebo 25 mil, se ele tem 50 mil, então são 75 mil para mim…”, respondeu Jorge.
A cumplicidade entre a dupla é evidente, naquele que foi o dia mais importante da carreira. Jorge Pichardo é uma figura muito expressiva a falar e a comentar todos os temas que lhe aparecem pela frente, de sorriso fácil e constantemente aberto. Estava feliz pelo que tinha acontecido de manhã, estava feliz pelo apoio que foi recebendo da comitiva portuguesa, estava quase 100% feliz por algo que será a sua maior felicidade: ver o filho conseguir quebrar o recorde mundial, algo que acredita ser possível de acontecer ainda este ano.
“Desiludido por não ter saído com um recorde mundial ou olímpico? Claro… A estratégia que traçámos era essa, quebrar o recorde olímpico, mas ele teve uma pequena queixa na perna e não conseguiu bater mas agora recuperar quando chegarmos a Portugal e continuar a apontar ao recorde. Está com 18,40? Sim, sim, 18,40… e mais! Sim, o plano que tínhamos era de apontar aos 18,60, era o plano que havia para hoje e foi por isso que ele saltou a 17,71 na qualificação. Como é que se trabalha para isso? É um segredo de família, só vou revelar depois de se retirar com algumas coisas a faltar, para não dar a receita toda. Só uns detalhes e nada mais…”, contou, antes de mudar a agulha para Cuba e para o que se passou há sete anos.
“O que se passou aqui hoje foi uma vingança de tudo o que me fizeram em Cuba. Em 2014, chegaram mesmo a sancioná-lo por seis meses e cumpriu dez meses sem saltar. A mim despediram-me do trabalho, disseram que não estava capacitado para trabalhar com ele e tive de ir para o basebol. Disseram que eu ali já não estava capacitado, que eu tinha de sair do INDER (Instituto Nacional do Desporto, Educação Física e Recriação). Foi essa a resposta”, lamentou, antes de falar de forma mais macro o que se passa no país.
“Se encontrasse o Alberto Juantorena [antigo atleta também cubano com responsabilidades no INDER], falava com ele? Não, não faz falta… Não lhe dizia nada, não… Foi ele que disse que eu não era treinador do INDER, foi ele que disse. Se fosse falar com ele só se fosse sobre o que perderam. Ele estava sentado ali ao lado, não disse nada. Disse que ia ajudar depois da sanção mas de 2014 até agora estamos à espera da ajuda dele, vou falar com ele para quê? É difícil em Cuba que os responsáveis façam algo pelos atletas, é difícil. Entendes? É difícil… E se não mudam a forma de pensar vão perder muitos mais atletas do que o Pedro… Nápoles de fora? Os rapazes cubanos não têm nada a ver com o problema que temos, a relação que eu e o meu filho temos com os atletas era muito diferente. A mim doeu-me muito que o Cristian não passasse à final porque ele é como se fosse meu filho, o pai dele e eu somos como irmãos…”, contou.
Não quero naturalizar-me porque se troco de nacionalidade perco os direitos às duas propriedades que tenho lá, duas vivendas. Voltar a Cuba? Eu posso ir a Cuba, quem é que me diz que não posso ir? Ninguém me pode dizer que não posso ir, é o meu país. Ao Pedro ainda lhe faltam quatro anos para poder voltar, se ele quiser claro. Não tem muita vontade de voltar…”
“Portugal foi o país que escolhemos para competir mas tínhamos propostas de vários países. Portugal foi a nossa escolha. Quando chegámos a Portugal, receberam-nos bem, deram-nos os recursos, os meios, toda a dedicação e estão aí os resultados. Escolhemos Portugal por causa do clima, que no verão é parecido com Cuba, e pela tranquilidade. É uma país tranquilo e a nós o que nos convém é a tranquilidade. Foi um dos fatores que nos fez escolher Portugal. E escolhemos bem, não? Hoje vemos que tem condições, recursos, muito mais do que em Cuba. Se em Cuba vão falar disto? Estão a falar, a minha esposa comentou isso comigo quando falámos. Não quis perguntar o que estão a falar porque em 2014 é que tinham de falar, não agora. Quem perdeu foram eles, não fomos nós… Hino? Imagina, quatro anos aqui, a sentir o calor de Portugal… Foi um orgulho para nós! É importante todo o apoio que temos recebido”, destacou sobre a viagem de 2017.
No final, e já depois de ter parado 20 minutos na zona mista, Pedro Pablo Pichardo voltou a falar sobre todas as emoções sentidas no pódio. “”Foi um momento muito bom, muito feliz como é sempre que ouço tocar o hino. Primeiro porque ganhei, é um privilégio. É a única maneira que tenho de agradecer a Portugal, só isso. Não chorei, um pouco mais emocionado mas não sou de chorar… Nem em pódios nem quando a minha filha chorar… Quando bater o recorde mundial? Nem sei o que faço, se calhar dou uma volta… Não sei mesmo o que faço…”, resumiu, já depois de o pai ter explicado que desde 2019 que estão a trabalhar para baterem o recorde do mundo. “Espero que seja ainda esta temporada, quanto mais rápido melhor”, salientou.