Enviado especial do Observador, em Tóquio

Cortado, cortado, cortado, cortado? Depois de três afirmações, uma pergunta que se calhar nem vale a pena fazer porque deverá ter a sua lógica meio escondida – até um beco sem saída tinha acesso cortado por estar nas imediações do Estádio Olímpico. Essa acabou por ser a grande novidade do dia, até em comparação com o que tinha acontecido na cerimónia de abertura. Aí, nesse longínquo 23 de julho, dezenas e dezenas lá iam passando perto dos aros olímpicos para tirarem a sua fotografia e cumprimentarem os jornalistas que por ali andavam, na zona de revistas antes da entrada para o recinto. Agora, nem um sinal disso mesmo.

Chamar a isso aumento das medidas de segurança pode ser exagerado mas houve uma especial preocupação para evitar grandes aglomerados perto do local onde iria oficialmente haver a passagem de testemunho entre Tóquio e Paris para o ciclo olímpico mais curto de sempre com apenas três anos. Ninguém fez a festa, a não ser algumas pessoas especialmente crianças que estavam colocadas nos prédios que estão virados para uma das entradas. Muitos menos os porta-estandartes que, em alguns casos mais de uma hora antes do início da cerimónia, estavam sentados numa rampa de acesso ao interior do estádio, grande parte com os casacos na mão, nas costas ou atados na cintura, tamanho era o calor pela humidade após um dia de chuva.

O excesso de zelo toca a todos e muitas vezes goleia o bom senso para uma derrota caseira sem que tenham essa perceção. Foi assim com o afastamento dos locais que queriam apenas estar mais perto da despedida de algo que muitos nem queriam que se realizasse (e se aqueles estavam ali era por curiosidade e para agradecer por como tudo decorreu). Foi assim com os atletas, em muitos casos até campeões, como o italiano Lamont Marcell Jacobs que já soprava por tudo o que era sítio com o casaco à cintura, que tiveram em alguns casos de ficar sentados em cadeiras a olhar para ontem com uma humidade que deixava mossa apenas para se garantir, com muita antecedência, que nada atrasava. Foi assim com os jornalistas que tinham os tais bilhetes non table seat (lugar na bancada mas não com mesa nem ecrã), que mesmo mostrando que estavam dezenas e dezenas de mesas vazias não deixavam passar por ser o que lhes tinham passado.

Acabou Tóquio-2020 um ano depois do previsto, vem a caminho Paris-2024 que está bem mais perto do que se possa pensar. Por uma e outra alteração, um obrigado aos atletas. Pela preparação, pelo que fizeram, pelo que prometem fazer e por terem aguentado, dentro do possível, esta cerimónia de encerramento.

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O início desta cerimónia de encerramento teve também um vídeo mas já com tudo o que passou ao longo das últimas três semanas. As vitórias, as derrotas, as festas, as desilusões, muitas lágrimas de alegria, de tristeza ou de um qualquer sentimento que só quem compete nos Jogos consegue explicar. No caso do Japão, que teve um fantástico registo de 58 medalhas entre as quais 27 de ouro (terceiro com mais vitórias só atrás de EUA e China, quinto com mais medalhas também atrás de Grã-Bretanha e Comité Olímpico da Rússia), foi bem mais o número de festas do que desilusões e também por isso o hino do país, entoado por cantoras que se vestiam de gueixas depois de alguns desses medalhados trazerem a bandeira, já era quase conhecido.

Seguiu-se, em menos de dez minutos, aquilo que demorou mais de duas horas na cerimónia de abertura: os porta-estandartes, e apenas os porta-estandartes acompanhados por um voluntário, foram entrando sempre a andar no estádio sem anúncio de quem era para formarem um enorme círculo no centro do relvado de novo alcatifado. Pedro Pablo Pichardo, que levava a bandeira de Portugal, entrou desta vez mais cedo que Telma Monteiro e Nelson Évora, tendo em conta que o nome do país é o 169.º entre os 206 na ordem do alfabeto japonês, entre Hong Kong e Bolívia, mas entrou bem mais cedo. A seguir, os atletas e oficiais, apesar de tudo num número bem mais reduzido por grande parte já ter partido e chegado aos respetivos países. No total dos dois momentos, aquilo que tinham sido cerca de 140 minutos passaram agora a menos de 40.

Para se perceber o fenómeno, facilmente explicado pelas restrições que existiam também pela pandemia que faziam com que os atletas tivessem em muitos casos de partir mais cedo, Afeganistão, Albânia, Angola, Camarões, Chipre, São Tomé e Príncipe, Arábia Saudita, Mali, Moçambique ou Islândia foram alguns dos 61 países que já não tiveram qualquer atleta para levar a bandeira do seu país. Os outros foram entrando, mais a fazer eles próprios a festa sozinhos do que outra coisa, em aglomerações que deixavam uma certeza: a pessoa ou pessoas que traçaram todos os planos que quem estava em Tóquio tinha de cumprir, de atletas a técnicos passando por jornalistas e voluntários, não foram de certeza as mesmas que montaram esta parte…

Entraram depois em ação os Tokyoites, que recriaram no centro do relvado aquilo que se poderia assemelhar a um parque onde todos os atletas que competiram nas mais variadas modalidades podiam relaxar e ter ao mesmo tempo conhecimento de um pouco do que é Tóquio. Ponto curioso: o guião dizia que era “o momento em que os atletas podem descontrair e relaxar, vivenciando Tóquio todos os dias e desfrutando livremente do tempo que passam juntos mantendo o distanciamento social”, os atletas estavam todos encavalitados em cima uns dos outros para verem de perto o que se estava a passar. Neste aspeto, foi mesmo tudo ao lado.

Subiu depois a bandeira da Grécia ao som do hino da pátria dos Jogos, seguiu-se a atribuição das medalhas aos vencedores das maratonas que se disputaram em Sapporo, bem longe de Tóquio por causa da humidade e do calor sem que a diferença no final fosse assim tão substancial. Nas mulheres, Peres Jepchirchir foi a grande vencedora, acabando ao lado da compatriota Brigid Kosgei e e da americana Molly Seidel; nos homens, Eliud Kipchoge não deu hipóteses a Abdi Nageeye (Países Baixos) e Bashir Abdi (Bélgica). Ponto comum? Duas vitórias quenianas, duas vezes o hino queniano, muitos atletas já sentados no relvado como se já fossem também com uma maratona nas pernas sem a capacidade dos super heróis africanos.

De seguida, o Comité Olímpico Internacional anunciou três novos membros do Comité Olímpico de Atletas, entre os quais o japonês Yuki Ota e a italiana Federica Pellegrini, houve uma homenagem aos voluntários, mais um momento de música local e a entrada em cena do soprano japonês Tomotaka Okamoto. Estava a começar a transição para Anne Hidalgo, mayor de Paris, receber a bandeira olímpica das mãos de Yuriko Koike, governadora de Tóquio. Ouviu-se o hino francês (que acabou com o saxofone do astronauta Thomas Pesquet), foi feita a ligação à capital francesa onde vários medalhados que já voltaram ao país estavam no palanque rodeados de milhares e milhares de adeptos aos saltos com bandeiras gaulesas antes de uma demonstração de break dance e o habitual Citius, Altius, Fortius na despedida por Emmanuel Macron, líder francês que estava numa Torre Eiffel que em 2024 vai receber o voleibol de praia, entre várias ex-libris da cidade que irão acomodar modalidades como o Château Versailles, que terá o equestre.

Seguiram-se os habituais discursos da praxe, por Seiko Hashimoto, líder do Comité Organizador de Tóquio-2020, e Thomas Bach, presidente do Comité Olímpico Internacional, que deu por encerrada a 32.ª edição dos Jogos com atletas de todos os continentes e da equipa de refugiados ao seu lado (Uta Abe, Sifan Hassan, Samuel Takyo, Jasmine Camacho Queen, Rusila Nagasau e Tegla Loroupe). Cerca de 2h15 depois do início da cerimónia, a chama olímpica apagou-se mas a da cerimónia já estava há muito apagada, com grande parte dos atletas a não resistir muito e a sair pelas zonas laterais. O último fogo de artifício, até esse, foi mais curto do que é normal. Mais do que complicados e difíceis, estes Jogos foram desgastantes.

A melhor notícia que saiu de 135 minutos antes do “Arigato” final nos ecrãs foi a vida e a energia que chegou de Paris na ligação que foi feita em direto para o Estádio Olímpico. Se fosse tudo assim em 2024, já tinha valido a pena. Por cá, Tóquio ficará com os mesmos problemas que tinha, agora sem Jogos como justificação ou desculpa. E foi por isso que, enquanto centenas de pessoas se juntavam nas imediações ainda possíveis para saudarem os autocarros de atletas, havia de novo uma manifestação audível por ter microfones que voltava a criticar a realização da prova face a problemas económicos e sociais que deixou atrás de si.