A campanha da vindima que por estes dias acontece nas quintas exploradas pela Sogrape — considerada a principal empresa de vinhos em Portugal, com marcas como Casa Ferreirinha, Mateus Rosé, Sandman, Gazela ou Herdade do Peso — vai ser auxiliada pela primeira vez por uma tecnologia experimental designada i-Grape. “Na campanha deste verão vamos testar pela primeira vez a resposta autónoma” do i-Grape, “já com dados em tempo-real”, disse o director-geral adjunto INL – Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia, situado em Braga.

Paulo Freitas deu conta da novidade no segundo episódio do programa O Regresso da Indústria, emitido pela Rádio Observador na passada quarta-feira, dia 4, e dedicado ao tema da “internet das coisas” aplicada ao setor vitivinícola. A “internet das coisas” (internet of things ou IoT ) é o termo utilizado para descrever a interligação digital de todos os objetos do dia-a-dia, que se tornam capazes de produzir e transmitir dados.

Na emissão participou também Natacha Fontes, gestora de investigação e desenvolvimento da Sogrape, com sede em Avintes, Vila Nova de Gaia. Referindo-se à “agricultura de precisão”, Natacha Fontes explicou que o i-Grape é uma ferramenta digital que a empresa gaiense tem vindo a desenvolver em parceria com o INL e que “visa o controlo da maturação e do estado hídrico da planta, de forma automática, remota e em tempo-real”. É uma “solução digital que apoia em tempo-real a tomada de decisão”, o que tem reflexos na qualidade e no valor do vinho, disse aquela responsável.

Segundo Paulo Freitas, o i-Grape consiste num microsensor de silício colocado nos cachos de uvas (dois ou três sensores por cacho), que transmite dados via rádio, que por sua vez chegam a um servidor informático que os processa para uma nuvem de dados (cloud). É como se as uvas passassem a ser um objeto transmissor de informação, à maneira da “internet das coisas”. A tecnologia está “com demonstrações de campo” desde há cerca de três anos, mas a aplicação concreta acontece este ano pela primeira vez. “O nosso objetivo é que daqui saia um produto comercial e uma maneira de estender este tipo de tecnologia à viticultura pelo mundo fora”, garantiu Paulo Freitas.

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Natacha Fontes fez notar que “neste momento já temos dois modelos, para casta branca e tinta” e os resultados “são extremamente promissores”. “Estamos absolutamente convencidos de que esta solução pode mudar o paradigma do controlo de maturação, não apenas em Portugal mas a nível global.” O i-Grape já está patenteado e o lançamento no mercado “pode acontecer” já em 2024, adiantou.

O i-Grape começou a ser criado há cerca de cinco anos, a partir de trocas de ideias entre o INL e a Sogrape. Às duas entidades juntaram-se depois, em 2018, o INESC (Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Investigação e Desenvolvimento, em Lisboa), a Universidade de Milão, a Automation SRL de Milão e a Universidade de Friburgo. “A nossa ideia foi sempre fazer isto através da ‘internet das coisas’, ou seja, uma tecnologia barata, espalhada, autónoma, que possa tornar disponíveis parâmetros que controlam a maturação da uva e o estado hídrico da videira, para que o responsável pela viticultura da exploração possa ter estes parâmetros disponíveis em tempo-real”, explicou Paulo Freitas na Rádio Observador.

“Alimentar a economia e a indústria” com dados

No dizer de Natacha Fontes, a agricultura enfrenta muitos desafios, em particular no setor vitivinícola. Desde logo, as alterações climáticas, que “muito provavelmente poderão implicar produções mais baixas, aumento da incidência de pragas e doenças”. Daí o interesse em “implementar práticas agrícolas baseadas num novo paradigma”. Esse novo paradigma, disse a gestora da Sogrape, inclui “automação, inteligência artificial, digitalização para produção agrícola sustentável e ecologicamente correta”. “Com a tecnologia, a agricultura tradicional será auxiliada com precisão”, resumiu.

Numa perspetiva mais abrangente, Natacha Fontes referiu que as parcerias entre empresas e universidades geram “valor” e permitem “alimentar a economia e a indústria”. A fase atual é a da tecnologia de “sensorização”, pois há “necessidade premente de recolher o máximo de informação possível, de a trabalhar e tornar útil”, o que torna “mais eficientes e rentáveis” os processos de produção agrícola. “Estamos num mercado global. No fundo, a tecnologia torna-nos mais competitivos, mais capazes de dar reposta aos nossos consumidores a nível global, com produtos de alta qualidade”, destacou a gestora da Sogrape.

Paulo Freitas afirmou que não se trata de casos isolados, já que na última década diversas áreas da agricultura passaram a recorrer a tecnologias auxiliares, ainda que muitas delas em fases experimentais. O diretor-geral adjunto INL disse que se “vai avançando por camadas” e que a “sensorização” in loco, como faz o i-Grape, já é acompanhada por outros processos de “sensorização via drone e via satélite”.

O Regresso da Indústria é uma série de programas que resulta de uma parceria entre a Rádio Observador e a COTEC Portugal – Associação Empresarial para a Inovação, num projecto co-financiado pelo COMPETE 2020, Portugal 2020 e União Europeia, através do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional. Cada episódio é transmitido de 15 em 15 dias, às quartas-feiras, na Rádio Observador (nas frequências 93.7 e 98.7 em Lisboa, 98.4 no Porto e 88.1 em Aveiro) e pode depois ser escutado como podcast. Também às quartas-feiras é publicado um artigo no Observador com o essencial do programa da semana anterior.