Acompanhado do ukulele que leva consigo para todo o lado, Andreas Noe, um alemão que se mudou para Portugal há quatro anos, tem mais um desafio. Depois de, no ano passado, ter percorrido a costa portuguesa para recolher o lixo das praias, o também conhecido como “The Trash Traveler” (em português, “o viajante do lixo”) iniciou este mês uma nova jornada pelas cidades portuguesas, desta vez para apanhar as beatas de cigarros que são atiradas ao chão e que são também uma fonte de poluição de plástico.

“É uma forma muito simples de mostrar que as nossas ações importam e que temos mesmo o poder. Se pensarmos numa beata de cigarro atirada ao chão, é apenas uma beata. Mas se imaginarmos sete mil beatas em Portugal a cada minuto a serem atiradas ao chão, então é uma montanha gigante de beatas”, refere Andreas ao Observador, antes de iniciar a ação de limpeza que esta terça e quarta-feira decorre no Porto.

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A “Butt Hike” (caminhada das beatas) começou a 5 de agosto em Viana do Castelo e vai passar por mais de 30 cidades portuguesas até terminar em Tavira, no dia 28 de setembro. Qualquer pessoa, desde cidadãos a Organizações Não-Governamentais e empresas, pode participar nesta caminhada, precisando apenas de levar consigo luvas, sacos ou baldes reutilizáveis. Existe ainda a opção de recolher as beatas e ir entregar nos pontos de recolha assinalados no mapa da iniciativa.

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Andreas quer mostrar também que o plástico no oceano pode vir bem longe das praias e que as próprias beatas são um resíduo capaz de contaminar as águas. “As beatas de cigarros contêm plástico e toxinas. São um item escondido de poluição de plástico. Não precisamos de limpar as praias para ver o problema do plástico, temos a fonte de poluição noutros locais: nas nossas cidades — muito longe até das praias. Se estiverem junto ao Rio Douro e atirarem uma beata ao chão, essa beata pode entrar no rio e também no oceano. Começa tudo connosco e é isso que quero realmente mostrar com este projeto”.

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No final de cada paragem da caminhada, as beatas são acumuladas para mostrar uma monte cada vez maior a cada cidade que passam. Em apenas cinco dias, já foram recolhidas mais de 40 mil beatas de cigarro. “Sim, as beatas no chão são muito más, mas não é esse o ponto que quero mostrar. A poluição com plástico começa nas nossas casas e com os nossas ações e é algo que deveríamos repensar”, acrescenta o viajante alemão, que promete ainda prémios de negócios locais sustentáveis para os melhores participantes.

1,6 toneladas de plástico recolhidos e uma mensagem positiva para alterar hábitos

Andreas Noe mudou-se para Portugal há quatro anos. Na altura, trabalhava na área de biologia molecular em Lisboa, mas o trabalho num laboratório não era o que lhe estava destinado. Amante de surf, começou a ver e a sentir na pele o problema do plástico que todos os dias circula no mar. “Estás no ambiente e sentes quanto plástico está a vir do oceano para as praias. Era algo que a cada dia me incomodava mais“, explica ao Observador. Dois anos depois, Andreas despediu-se e começou o projeto “The Trash Traveler”, para lutar contra o uso do plástico e alertar para os seus perigos.

Nos primeiros tempos, a viagem foi feita de forma solitária: “Queria apenas viajar e recolher lixo todos os dias enquanto tivesse dinheiro suficiente. Decidi que quando não tivesse mais dinheiro ia procurar um trabalho novo”. No entanto, revela, depois de 160 dias do projeto e depois de andar na costa a apanhar lixo e a fazer vídeos diários com o seu ukulele para aumentar a consciencialização, Andreas ficou tão ligado ao projeto que decidiu mergulhar a fundo e não parou mais.

Há um ano, o alemão iniciou a “Plastic Hike” (em português, caminhada do plástico), onde percorreu, acompanhado de várias ONG’s e iniciativas ambientais, 832 quilómetros da costa portuguesa em 60 dias para recolher todo o lixo que encontrava nas praias — desde sacos a palhinhas de plástico, garrafas, copos descartáveis e beatas.

No total, foram recolhidas 1,6 toneladas de plástico, um número que “não é sequer 1% do plástico que pode ser recolhido nas praias em Portugal e em todo o mundo”. “É de doidos. Se imaginarem oito milhões de toneladas de plástico a entrar todos os anos no oceano em todo o mundo, então 1,6 toneladas de plástico não é nada”, explica Andreas. O objetivo destas iniciativas não é apenas a limpeza em si, mas sim a mudança e o despertar de consciências sobre este problema ambiental.

Se continuarmos a produzir e a consumir tanto plástico e se limparmos apenas uma pequena fração não vamos conseguir resolver este problema. Precisamos de começar connosco, de começar nas nossas casas ou as empresas e governos precisam de começar a tomar medidas para evitar que isto piore. Só assim a limpeza é efetiva”, explica.

Andreas faz questão de registar as caminhadas com músicas que cria de forma espontânea com o seu ukulele, com vídeos originais e desafia ainda todos a criarem peças de arte com o material recolhido — no caso da recolha de plástico nas praias, 27 artistas criaram peças com o lixo encontrado. Se tivesse de descrever o projeto do Trash Traveler numa frase, seria “sensibilizar com diversão e positividade”.

Toda a gente tem as suas razões para agir de determinada forma. Não devemos julgar, mas sim entrar num debate e explicar e entender como é que uma pessoa está a pensar. No caso das beatas, por exemplo, quando as colocam ao chão não acredito que estejam a pensar deliberadamente para poluírem o ambiente, mas sim porque provavelmente pensam que uma beata não tem impacto. Se tivermos uma mente aberta e feliz é mais fácil pensar que talvez estejam a fazer algo que não está 100% certo e podem pensar nos seus próprios hábitos”, refere.

A caminhada das beatas continua esta quarta-feira no Porto, a partir das 14h. O ponto de encontro é junto ao Neya Porto Hotel, onde haverá uma exposição, jogos de tabuleiro sobre temáticas ambientais e onde será também exibido o documentário “The Plastic Hike”, realizado pelo “Camera With No Name“. Andreas só pede que se juntem a ele e à sua equipa nesta viagem: “Estou a pedir a toda a comunidade em Portugal para recolherem, onde quer que estejam, beatas de cigarros e no fim de setembro tragam-nas até nós. Podemos amontoar tudo num sítio e veremos o quão grande este monte será”.