O diretor do Serviço Jesuíta aos Refugiados defende que a Europa deve liderar o acolhimento dos afegãos, lembrando que “o tempo de ação é agora” e que se não houver vias legais e seguras pode ocorrer uma tragédia humanitária.

Em entrevista à agência Lusa, André Costa Jorge, que está também à frente da Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR), começou por descrever uma situação dramática, referindo-se ao que está a passar-se no Afeganistão, em que milhares de pessoas continuam a tentar sair do país, depois de os talibãs terem voltado ao poder.

Recorda, a propósito, o que se passou na guerra da Síria para defender que “se foi difícil, na altura, os cidadãos sírios obterem proteção e segurança na Europa, vai ser muito mais difícil para as pessoas do Afeganistão”. Uma dificuldade que acredita que será ainda maior para todas as pessoas que não conseguirem abandonar o país até ao dia 31 de agosto, prazo limite para a retirada das forças internacionais, tendo em conta as ameaças feitas pelos talibãs.

Para André Costa Jorge, resta, por isso, que seja a comunidade internacional e a União Europeia a “abrir caminhos”, oferecendo vias legais e seguras para as pessoas que quiserem obter proteção fora do Afeganistão.

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Se não houver vias legais e seguras, se não houver corredores humanitários, o que podemos esperar de alguma forma é uma tragédia humanitária dentro e fora do Afeganistão”, alerta.

É agora o momento de a “Europa liderar o processo de acolhimento e de reinstalação das pessoas que estejam a ser perseguidas” e que procuram proteção. “A grande lição é convencer todos os que estejam com dúvidas ou se oponham a isto, de que isto é ser Europa. A União Europeia e a Europa devem serrar fileiras em torno dos seus princípios”, defende.

No que diz respeito a medidas concretas, entende que, por um lado, “tem que haver um processo muito mais rápido de concessão de visto e proteção humanitária”, a par de um programa de reinstalação de refugiados nas zonas onde se encontrem estas pessoas. “Tem de haver acordo entre a União Europeia e os países de trânsito, nomeadamente a Turquia e também o Paquistão, para a reinstalação destas pessoas”, aponta.

“Três medidas simples”, descreve, às quais juntaria uma quarta, de impedimento dos países que já se manifestaram contra o acolhimento destas pessoas em devolver estes cidadãos às autoridades afegãs, por razões de proteção humanitária.

Na opinião de André Costa Jorge, se estas medidas forem implementadas, a situação será “um pouco melhor” do que em 2015, “quando os cidadãos sírios se viram completamente impedidos de chegar à Europa e obter proteção”.

Refere, por isso, que as iniciativas políticas coordenadas pela União Europeia devem aproveitar o atual momento para mais ativamente conseguirem chegar a um consenso “o mais alargado possível” na Europa para a proteção dos refugiados e para os direitos dos migrantes.

Acrescenta que com o que foi aprendido no conflito sírio há condições para uma política ativa de proteção de refugiados e refere como possível ponto positivo o facto de muitos afegãos que já estavam na Europa e que estavam numa situação de impasse ou mesmo de possível retorno, terem agora acesso a um estatuto de refugiado.

Relativamente à reação do Governo português, o diretor do JRS concorda que foi “claramente positiva”, tendo em conta que desde o início foi demonstrada disponibilidade para o acolhimento, algo com que tanto o JRS como a PAR concordam e defendem. “Portugal deve manifestar vontade não só política, mas criar as condições, na prática, para o acolhimento de refugiados”, alerta.

Adianta que é nesse sentido que o JRS está já a trabalhar, indo acolher cerca de 20 famílias de várias origens em Vendas Novas, além de estar a tentar alargar a rede de instituições que fazem parte da PAR, através de uma campanha que vai ser reforçada em setembro, para que “todas as pessoas que se queiram preparar para o acolhimento de refugiados o possam fazer”.

Explica que a PAR, na sua fundação, teve uma linha de acolhimento mais centrada nas famílias, mas que foram desenvolvendo também respostas para outras necessidades, como os barcos humanitários ou os programas de reinstalação, oferecendo um acompanhamento mais especializado.

“Temos de nos preparar para a diversidade de pessoas que vêm”, alerta, apontando que do lado da plataforma o trabalho consiste em encontrar soluções que façam a correspondência entre as necessidades de quem chega e as capacidades da sociedade que acolhe.

Nesse sentido, explica que o processo passa sempre por uma primeira fase de acolhimento de emergência antes da definição do projeto de vida, ao mesmo tempo que é feito um diagnóstico das necessidades, como a aprendizagem da língua ou a adaptação ao mercado de trabalho.

Por outro lado, alerta que agora é preciso perceber como é que vai ser gerida a disponibilidade das instituições, de que forma vai ser feito o acolhimento e que tipo de apoios terão as organizações no terreno para corresponder às exigências do desafio. “Neste momento ainda não se sabe, creio que se esclarecerá e o Governo dirá em breve”, admite.

Explica que tanto no caso do programa de recolocação da Grécia, quer no acolhimento equiparado, como os barcos humanitários, ou no programa de reinstalação há quadros de financiamento definidos.

“Este quadro concreto, do Afeganistão, não tem um quadro de financiamento definido ou pelo menos não conhecemos esse quadro”, adianta, afirmando que a organização está disponível para dar contributos, tendo em conta que “qualquer tipo de apoio deve ser desenhado a partir das capacidades no terreno”.

André Costa Jorge pede que os processos burocráticos destas pessoas não se atrasem, alertando que isso tem depois efeitos na capacidade de autonomização e defendendo respostas ágeis “para não impedir que as pessoas exerçam a cidadania de forma mais normal possível”.

Nessa matéria, defende que o Estado e a sociedade civil deveriam trabalhar para encontrar “soluções criativas” para o acesso à habitação, uma das questões “mais valorizadas” pelos refugiados.

De volta ao Afeganistão, André Costa Jorge diz não ter grandes esperanças em relação ao que vai acontecer depois de dia 31 de agosto, apontando que “o pior cenário é provavelmente o que irá acontecer”.