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"O Barco" de Grada Kilomba e a memória da escravatura: "Há uma parte da História que não é visível"

Este artigo tem mais de 3 anos

Marca o início da BoCA e quer olhar o futuro a partir do passado. A obra "O Barco" parte daquilo "que não devia ser um lado da História" para agitar o espaço público. Para ver até 17 de outubro.

Apresentação da instalação de Grada Kilomba “O Barco / The Boat”, na praça do Carvão junto ao Maat.
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Grada Kilomba: "O meu trabalho é criar uma poesia e uma estética para que qualquer pessoa fique tocada, através da contemplação e das perguntas que podem surgir"

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Grada Kilomba: "O meu trabalho é criar uma poesia e uma estética para que qualquer pessoa fique tocada, através da contemplação e das perguntas que podem surgir"

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

À entrada da antiga Central Tejo, em Lisboa, estão 140 blocos de madeira queimada virados para o rio. As peças que estão no centro da instalação têm frases escritas em diferentes línguas (português, ioruba, quimbundo, crioulo, tsuana, inglês e árabe), todas juntas fazem um poema. A estrutura montada é a base de um barco, está virada para o Tejo, como se estivesse pronta a partir. A obra de Grada Kilomba, “O Barco”, marca o início da terceira edição do BoCA – Biennial of Contemporary Arts, bem como o início de uma nova temporada de exposições no MAAT. Às 18h desta sexta-feira, 3 de setembro, acontece a inauguração com uma performance de Kalaf Epalanga, vozes e bailarinos das comunidades da diáspora africana. Existirão mais duas oportunidades para assistir à performance até ao dia 17 de outubro.

Apresentado na manhã desta sexta-feira, com a presença da artista, “O Barco” passa para lá da entrada da Central Tejo e instala-se à beira-rio. Mais do que uma obra num museu, perceciona-se como uma escultura pública, uma instalação e uma performance, tudo junto, que quer fazer parte do espaço comum e obrigar o transeunte, o olheito ocasional ou o interessado atento a pensar. Esta posição é-lhe natural, Grada Kilomba começou a pensar nela quando recebeu um convite para desenvolver um memorial da escravatura para Lisboa. A proposta não foi aceite e, depois, apesar de ter sido abordada com propostas para a construir para museus em Nova Iorque – o recente Amant Art Museum em Brooklyn – ou em Turim, a artista decidiu que teria de inaugurar “O Barco” em Lisboa.

À entrada da antiga Central Tejo, em Lisboa, estão 140 blocos de madeira queimada virados para o rio

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Grada Kilomba nasceu em Lisboa, em 1968, com família de Angola e São Tomé e Príncipe. Durante a apresentação pública, lembrou que a sua formação foi feita em Psicanálise e de como isso tem um peso enorme na forma como pensa a arte que faz, partindo muitas vezes do inconsciente e de uma certa imaterialização das ideias, procurando o seu sentido a partir daí. Vive em Berlim há algum tempo, a sua obra manifesta preocupações com questões de raça, género e pós-colonialismo. Teve um longo percurso internacional antes de ser reconhecida em Portugal, onde expôs nos últimos anos na Galeria Municipal da Avenida da Índia e no MAAT; lá fora já expôs em Berlim, África do Sul, Suíça, Suécia, São Paulo, Nova Iorque ou Roterdão. É uma artista multidisciplinar, tem vários livros publicados, e o modo como fala do seu envolvimento na performance de “O Barco” revela uma vontade constante de aprender e anular fronteiras entre disciplinas criativas. Atitude que está em sintonia com a sua obra.

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Os 140 blocos de madeira queimada d'”O Barco” representam os escravos. Grada Kilomba revelou que investigou bastante para chegar àquele desenho da base do barco, com os blocos colocados na posição onde os escravos estariam. Para construir cada peça, a artista partiu de blocos de madeira homogéneos e trabalhou-os em Alcácer do Sal, onde, num processo feito de várias fases (em que teve de queimar as peças e colocá-las em água, por exemplo), conseguiu o efeito de transformação natural que queria na madeira, mantendo a sugestão da matéria-prima, ao mesmo tempo que destruía a uniformidade dos blocos e criava peças diferentes umas das outras.

A artista partiu de blocos de madeira homogéneos e trabalhou-os em Alcácer do Sal, onde, num processo feito de várias fases (em que teve de queimar as peças e colocá-las em água, por exemplo), conseguiu o efeito de transformação natural que queria na madeira

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Kilomba partiu para “O Barco” depois de uma trilogia inspirada na tragédia grega – “Narciso”, “Edipus” e “Antígona”. Foi com este último que se começou a interessar, contou a própria, “pelas políticas de apagamento. Pela ideia daquilo que é um funeral e a hierarquia humana. Que corpos representam a condição humana. E quais podem ou não ser enterrados? Queria trazer esta ideia para a cidade. Em Portugal existe muito a política do apagamento, as coisas deixam de estar presentes e a História desaparece. Como é que o passado desaparece? Em Lisboa vejo a história da escravatura celebrada em monumentos e isso cria uma narrativa de glória e exploração. Há uma parte da história que não é visível.”

Na apresentação desta sexta-feira, a Grada Kilomba usou uma metáfora para explicar a sua visão. Os monumentos que temos atualmente nas cidades são como icebergues. O topo, aquilo que se vê, e está presenta à vista de todos na cidade, tem os heróis e a sua glória, são as figuras patriarcais. O que está por baixo daquilo que é visível no icebergue? É o que a artista propõe nesta instalação “O Barco”, o outro lado da História que “não deveria fazer parte de uma narrativa de ‘outro lado’, mas que deveria fazer parte da História propriamente dita”. A linguagem também preocupa à artista, daí o poema guardado neste “Barco” estar em várias línguas, tal como a performance que completa a obra. O coro e o grupo de bailarinos são amadores que vivem em diferentes áreas da Lisboa metropolitana.

Grada Kilomba e John Romão, o diretor da BoCA

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Kilomba é impulsionada por uma ideia de desenhar o futuro através do passado. “O meu trabalho é criar uma poesia e uma estética para que qualquer pessoa fique tocada, através da contemplação e das perguntas que podem surgir. O que me interessa mais é suscitar essa reflexão”. Usa o passado colonialista – português e não só – porque “é através destas cerimónias, destes rituais, que se torna possível contar a História como deve ser. Permite-nos construir memórias e desenhar o futuro. Há uma ferida aberta que nunca foi contada. E não estamos a contar a história como deve ser. E isso é perigoso, porque senão o fizermos, a História repete-se. Temos de desmantelar tudo isto e colocar as peças como são. Os corpos no fundo do barco têm de vir ao de cima. Senão, tudo volta a repetir-se.”

Mais informações sobre “O Barco” e a BoCA aqui

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