Óculos de sol na cara, um protetor solar por perto caso seja preciso, o microfone numa mão e a outra mão livre, até porque convém poder apoiar-se caso o barco lhe pregue um susto. A figura podia ser a de um guia turístico, sobretudo quando anuncia coisas como “estamos agora a passar aqui em frente à Ribeira das Naus” ou se congratula por ver “os golfinhos a regressar ao Tejo”. Mas este guia é meio turístico, meio político, e remata assim: “Desculpem estar a falar tanto tempo, mas de facto é muito apaixonante ver o rio daqui. E a obra daqui”.
A “obra” de que Fernando Medina fala não é só dele: a bordo de um cargueiro típico do Tejo (chegou a haver milhares, só sobram oito) e em frente a uma plateia de “jotinhas” (e a Rui Tavares, sentado de chapéu de palha na fila da frente) vai, de microfone em riste, apontando a obra que os seus antecessores Jorge Sampaio e António Costa foram fazendo na zona ribeirinha.
Durante largos minutos, Medina demora-se debaixo do sol quente a explica a importância da “visão” em política e de como eles concretizaram a visão de “devolver o Tejo a Lisboa”, com o Terreiro do Paço — “era um estacionamento”, recorda –, a Ribeira das Naus (“era uma zona degradada; uma hora depois de a reabrirmos, as pessoas já estavam lá a sentar-se na relva”), as obras no terminal dos cruzeiros, na Doca da Marinha ou na estação Sul Sueste, de onde o barco partiu.
À medida que enumera a obra feita, Medina lembra pretextos para atacar sempre um inimigo comum: a direita, corporizada na candidatura de Carlos Moedas, que por sinal foi esta mesma tarde… dar um passeio de barco no Tejo, uma coincidência que provoca risos na comitiva socialista.
Quando fala nas obras do Terreiro do Paço, lembra quem há 30 anos criticava a decisão de tirar de lá os carros: “Eram as mesmas críticas que usa hoje quem é contra a redução de carros na cidade” — uma acusação que tem feito a Moedas, por conta das críticas deste às ciclovias –, “e alguns são agora candidatos em lugar de destaque. Os mesmos, a dizer as mesmas coisas há trinta anos, sucessivamente derrotados”.
É só a primeira ronda. Logo de seguida, lembra os tempos em que António Pires de Lima, então ministro da Economia do Governo PSD/CDS, celebrizava a expressão “taxas e taxinhas” contra a taxa turística, para dizer que é graças a ela que muitas destas obras ( as receitas de 36 milhões de euros anuais são destinadas a objetivos como a recuperação do Património) podem ser feitas. “Diziam que íamos perder o turismo todo!”, troça Medina.
Terceiro round: o mar ondula e o terreno nem sequer é favorável a Medina — uma das jovens, também candidata à Assembleia Municipal de Lisboa, pergunta-lhe sobre a Habitação acessível, bandeira em que neste mandato Medina ficou bem aquém do objetivo (tinha prometido seis mil fogos a custos acessíveis, terá conseguido entregar por volta de 1.200). Mas também aqui o incumbente e recandidato aproveita para atirar contra a direita.
“É talvez a pergunta mais importante da campanha e também a maior diferença entre a candidatura da direita e a nossa”, diz, sinalizando Rui Tavares e a sua “coragem” em candidatar-se nesta coligação PS/Livre. “É a marca d’água da diferença dos projetos políticos — para eles a habitação é do mercado e a nossa visão está a 180 graus disso”. Por isso, Medina admite que “não podemos admitir ter uma cidade onde a habitação não é um direito” e renova as promessas de criar mais habitação acessível, com 30% de taxa de esforço no rendimento líquido das pessoas.
Garantias, desta vez? “Vamos conseguir porque temos a determinação em fazê-lo, temos muitas centenas em construção, estamos a fazer milhares de projetos”, assegura.
O passeio de verão é sempre pontuado por bicadas ao adversário mais direto (“não somos contrapoder, trabalhamos muitas vezes ao lado do Governo e criticamos quando é preciso”, diz, um dia depois de Manuela Ferreira Leite ter aparecido na campanha de Moedas para acusar Medina de ser “dependente” do Governo). Os jovens ouvem com igual satisfação as críticas e as promessas do novo mandato: há a eletrificação do terminal dos cruzeiros a partir de 2022, para travar a poluição, assim como obras no Torreão Poente do Terreiro do Paço (e o projeto de barcos-táxi elétricos a atravessar o Tejo, pelo qual dá créditos à vereadora social-democrata Teresa Leal Coelho).
A comitiva sai satisfeita: ouviu promessas, um somatório da obra feita e um Medina que dá todos os sinais de estar confiante na corrida autárquica. Aqui, jogou em casa e saiu do barco sem tropeções nem enjoos.