Foi quase um presságio que ninguém admitia que pudesse ser um presságio mas que funcionou mesmo como um presságio. Juan Laporta, presidente do Barcelona, tinha acabado de dizer, depois de um encontro de direções com os responsáveis do Benfica, que La Masia teria de ser de forma inevitável o futuro do clube – tanto assim é que, numa informação veiculada pelo Sport, houve alterações de fundo para os treinadores da academia catalã no plano estratégico, com uma norma que obriga a que os extremos joguem do lado do seu pé natural e não invertidos e que os laterais subam menos em campo. Até aí, algo não vai bem.
No Benfica Campus, no Seixal, os blaugrana sofreram aquela que foi a sua derrota mais pesada de sempre na Youth League, num 4-0 que poderia ter outra expressão. À noite, na Luz, a equipa A foi ainda pior.
Em menos de 15 minutos, Ronald Koeman experimentou três formas para estabilizar a defesa sem que se percebesse qual seria o plano A e que intenção teria. Começou com uma linha a três, depois fez avançar na ala direita Sergi Roberto para colocar Eric Garcia como um falso lateral, a seguir trocou Ronald Araújo para a direita. Pouco depois da meia hora, Gerard Piqué saiu após ter passado incólume a um segundo amarelo mas com a entrada de Gavi foi Frenkie de Jong que recuou. E a meio da segunda parte ainda houve uma tripla substituição que tirou Busquets e Pedri de campo para abrir o espaço aproveitado pelo Benfica para acabar com o jogo. 60 anos depois, os lisboetas batiam os culés que hoje são uma miragem do que foram.
Nunca o Barcelona tinha estado tão mal à segunda jornada da Liga dos Campeões. Nunca tinha acabado com duas derrotas, nunca tinha ficado em branco ao longo de 180 minutos de jogo, nunca tinha consentido seis golos. Mais do que isso, e num dado tão ou mais relevante, nos encontros com o Bayern em Camp Nou e com o Benfica na Luz a equipa conseguiu apenas enquadrar um remate por De Jong e em Lisboa, depois do completo deserto ofensivo frente aos bávaros. E desde aquele traumático 8-2 com os germânicos, em agosto de 2020, já perdeu por 3-0 com a Juventus, por 4-1 com o PSG (ambos em 2020/21) e por 3-0 com o Benfica agora. A dimensão europeia esfumou-se e não há dimensão para o que se passa no clube.
Por vezes basta atentar em alguns pormenores para perceber o que se passa em todo o quadro e na Luz foi isso que voltou a acontecer. No final do jogo, enquanto Ronald Koeman passava pelas zonas de entrevistas rápidas e pela conferência de imprensa, Joan Laporta desceu ao balneário. De um lado, o treinador não ficava com a responsabilidade toda para si. “O culpado é sempre o técnico mas também temos de exigir mais aos jogadores”, disse, defendendo também a estratégia que tinha para o jogo. “Não vou discutir o nível desta equipa, toda a gente sabe qual é o problema do Barcelona hoje em dia. Não se pode opinar sobre uma equipa que não é a dos anos passados”, acrescentou nessa ronda de intervenções. Noutro lado, o presidente defendia os jogadores, deixando uma mensagem de alento por terem tentado levar a equipa para a frente.
Na imprensa, os ecos iam todos no mesmo sentido. “Pesadelo”, “Humilhação”, “Naufrágio”. E ainda houve o relato da RAC1 que não demorou a tornar-se viral, com os catalães a traçarem após o terceiro golo o filme de uma equipa em “desespero coletivo, com jogadores que não se falam e Koeman resignado”.
Se depois do nulo com o Cádiz os responsáveis blaugrana reuniram logo no avião durante 20 minutos e entenderam que o caminho era aquele (fosse ele qual fosse…), desta vez houve mesmo um encontro de emergência em Can Barça, a cidade desportiva do clube, que juntou Joan Laporta com Mateu Alemay (diretor do futebol), Rafa Yuste (vice da Direção) e Enric Masip (assessor direto do presidente) até às 4h da manhã. De acordo com a imprensa catalã, a hipótese de tomar decisões a quente foi colocada de parte mas há quem não garanta por completo a presença de Koeman no próximo jogo da equipa no sábado, frente ao Atl. Madrid no Wanda Metropolitano, na jornada que faz regressar 100% de público aos estádios.
Os dirigentes iam apenas para as suas viaturas e seguiriam para casa quando Laporta convocou a reunião de emergência, colocando em cima da mesa os vários cenários possíveis sendo que o fim de linha de Ronald Koeman em Camp Nou está há muito anunciado. Segundo o Sport, são quatro os nomes que se encontram nesta lista de possíveis sucessores: Xavi, que está no Al Sadd e é há muito o principal desejo mas que tem dúvidas em relação ao timing da mudança; Roberto Martínez, selecionador belga que pretende nesta fase fazer mais um ano para estar no Mundial de 2022; Andrea Pirlo, antigo técnico da Juventus que é uma figura muito apreciada por Laporta; e Marcelo Gallardo, argentino do River Plate que já antes tinha sido apontado aos catalães pelo trabalho que tem vindo a desenvolver nos últimos anos nos Millonarios.
Há, no meio deste cenário, um problema de fundo: seja um custo ou um investimento, como se resolve a questão dos 12 milhões de euros que Ronald Koeman terá de receber em caso de despedimento? Como explica o El País, esse é um valor que o clube não pode nesta altura assumir, dentro também de uma política de austeridade que foi implementada pelo novo diretor geral, Ferran Reverter, e que será agora colocada em sufrágio no mês de outubro quando as contas forem a sufrágio por parte dos associados.
No entanto, qualquer mudança no comando técnico não mudará a restante realidade que o Barcelona está a viver e que ficou mais uma vez evidente no anúncio das limitações salariais: enquanto o teto dos catalães baixou de 347,1 milhões para apenas 97,9 milhões, uma queda de 71% que se justifica com a dívida que foi sendo acumulada e que nesta altura está nos 1,35 mil milhões de euros (385 milhões de perdas no último exercício), o Real tem como limite 739 milhões, abrindo assim a porta a Mbappé e companhia.