O antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Paulo Núncio critica a rapidez com que partidos de esquerda propõem medidas que aumentam despesa e alerta que país não aguenta o ritmo atual de subida dos gastos públicos.
“A gestão orçamental tem que se basear sempre num princípio de prudência, porque nós não sabemos o dia de amanhã, e o país não se pode endividar e a despesa pública não pode continuar a crescer como se não houvesse amanhã” refere o antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF) do Governo de Passos Coelho, em entrevista à Lusa.
Lembrando que atualmente o país está ainda a beneficiar da suspensão das regras orçamentais balizadas pelo Pacto de Estabilidade, Paulo Núncio considera que, se este cenário “não for bem gerido”, pode ser “muito perigoso no futuro”.
“Está previsto que este ano a despesa pública ultrapasse pela primeira vez o patamar dos 100 mil milhões de euros por ano”, refere, concluindo que esta é uma situação que impede qualquer redução sustentada ou mais relevante de impostos.
Neste contexto, “qualquer redução de impostos que não seja acompanhada da correspondente redução de despesa pública, reconduz-se a um mero exercício de retórica com impactos muito pouco significativo na vida das pessoas”, refere, sustentando que “o aumento da despesa pública é o principal inimigo dos contribuintes”.
O antigo governante manifesta-se preocupado pelo facto de os temas em discussão em torno do Orçamento do Estado representarem “sempre aumentos” de despesa pública: “Os partidos de esquerda e também os partidos de extrema-esquerda são sempre lestos a propor medidas que significam aumento da despesa pública, mas esquecem sempre do outro lado. Esquecem-se sempre de que meios é que o Estado dispõe para pagar essa despesa pública, que são os impostos na prática” ou, na ausência dessa capacidade, um aumento do endividamento.
Esta situação, acentua, impede que as medidas de redução de impostos que muitas vezes são aprovadas ou propostas tenham “um âmbito de aplicação muito diminuto” e frequentemente sejam “desdobradas em vários anos”.
Paulo Núncio afirma também que “um caminho de governação de aumento de despesa, de aumento do endividamento, de manutenção de uma carga tributária elevadíssima”, retira margem ao país para enfrentar uma nova crise.
Para o antigo governante, as notícias que têm vindo a público dando conta de que o próximo Orçamento do Estado pode trazer alterações ao nível do englobamento de rendimentos, nomeadamente de capitais, como dividendos e mais-valias, poderão traduzir-se “num aumento substancial de impostos” para muitos contribuintes, considerando que esta medida, sendo concretizada, “poderá mais do que compensar a perda de receita no desdobramento dos escalões [do IRS]”.
Ressalvando a necessidade de ser preciso esperar para se conhecer a medida, Paulo Núncio refere, numa primeira análise, que terá “um defeito grave” se o englobamento incidir apenas sobre alguns dos rendimentos sujeitos a taxas liberatórias.
“Se se mantém as taxas especiais sobre o arrendamento e se englobam rendimentos capitais, no fundo volta novamente a haver esta divergência em termos de tratamento destes dois tipos de rendimentos e não faz sentido”, porque “em termos fiscais deveria ser neutro apostar em produtos de poupança ou investir no imobiliário”, sustenta.
Dar um tratamento diferente a estes rendimentos e obrigar a que os de capitais sejam englobados (e sujeitos às taxas progressivas do IRS), irá levar, afirma, a que o país perda competitividade fiscal.
Baixar as taxas seria mais eficaz que desdobrar os escalões do IRS
O desdobramento dos escalões de rendimento do IRS vai complicar o imposto, defende o antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Paulo Núncio que considera mais eficaz uma descida das taxas que incidem sobre os atuais sete escalões.
Sublinhando que, “tipicamente, um IRS com muitos dos escalões é um IRS que pode no futuro penalizar os acréscimos de rendimento das famílias”, Paulo Núncio entende que aumentar o número dos escalões vai tornar o imposto “mais complexo de aplicar e de administrar”.
Em entrevista à Lusa, o antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do Governo de Pedro Passos Coelho considera por isso, que, numa perspetiva de desagravamento fiscal, seria “mais adequado” haver “menos escalões, mas com taxas mais baixas” do que aumentar o seu número.
“Na minha perspetiva, em termos de desenho do IRS, seria mais adequado termos menos escalões com taxas efetivamente mais baixas”, sublinha.
Um aumento dos escalões, refere, reduz o seu âmbito o que “significa que um pequeno acréscimo de rendimento de uma família determinará ou poderá determinar um aumento de tributação imediata”, porque há uma passagem para o escalão superior.
No atual modelo (de sete escalões) “16% dos agregados com mais rendimentos já suportam cerca de 65% do valor total do IRS”, acentua, para justificar que tal mostra que o imposto já é “altamente progressivo”.
Em 2012, quando Paulo Núncio estava à frente da secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, o número de escalões foi reduzido para cinco. Já durante o primeiro Governo de António Costa o número aumentou para sete, sendo que o primeiro-ministro já sinalizou que está a ser estudado o desdobramento dos 3 .º e 6 .º escalões no âmbito do Orçamento do Estado para 2022 (OE2022).
Paulo Núncio acentua ainda que se o objetivo for devolver 200 milhões de euros, a medida terá um impacto muito reduzido na carteira das famílias.
“É uma medida que servirá certamente para encher noticiários, mas que terá um impacto muitíssimo reduzido na vida das pessoas e das famílias portuguesas”, refere, salientando que 200 milhões de euros representam menos de 1,5% da receita de IRS que anualmente é cobrada.
Além de uma descida das taxas em vez da criação de mais escalões no IRS, Paulo Núncio entende que, a nível fiscal, a prioridade deveria ir para a descida da taxa do IRC — o imposto que incide sobre o lucro das empresas.
“Neste momento as empresas portuguesas continuam a estar sujeitas a uma taxa de IRC altíssima, de 31,5% [soma da taxa nominal e das derramas, municipal e estadual]. É a segunda taxa mais elevada da União Europeia, ficando só atrás da França”, refere Paulo Núncio, considerando que tal situação faz Portugal ser menos competitivo do que outros países com os quais concorre na atração de investimento.
Neste contexto, considera que seria “central” retomar a reforma de 2013, “que foi acordada pelo PSD, pelo CDS e pelo PS, no sentido de reduzir gradualmente a taxa das empresas”, defendendo também a redução gradual das derramas, “até à sua extinção”.
Relativamente a uma descida do IVA, como tem sido reclamado pelas empresas de restauração — como forma de mitigar os efeitos da pandemia –, Paulo Núncio recusa a ideia.
“Não sou favorável a reduções seletivas de tributação em função do setor”, refere para sustentar que, na sua opinião, “os impostos são gerais e abstratos”, pelo que “devem ser aplicados da mesma forma para todos os setores”.
O IVAucher, programa lançado pelo Governo para estimular o consumo nos setores da restauração, hotelaria e cultura, merece o elogio do antigo governante.
“Tenho uma boa opinião sobre o programa IVAucher. É um programa que assenta no sistema e-fatura e que permitiu dar um conjunto de incentivos para os consumidores em geral, para as famílias em geral, consumirem e fazerem mais compras em determinados setores muito atingidos pela pandemia. Acho que isso é positivo”, precisa.
No entanto, e uma vez que o saldo acumulado pelos consumidores e que pode agora ser descontado em novas compras naqueles setores rondou os 84 milhões de euros— abaixo dos 200 milhões de euros estimados —, Paulo Núncio considera que a medida deve ser reintroduzida no próximo ano e até alargada a outros setores.