Na contagem decrescente para a entrega do Orçamento do Estado, o Governo recebeu os partidos da oposição — todos, incluindo aqueles com quem está a negociar a sua proposta — no Parlamento, para lhes dizer que este ano “o país tem a possibilidades de fazer escolhas”. Mas à medida que foram saindo da sala, as comitivas dos partidos com assento parlamentar mostraram-se descontentes e preocupadas com o caminho dessas escolhas e apenas o PAN admitiu ver “sinais positivos” no diálogo com o Executivo.
No final das audições (e quando ainda não tinha ouvido as duas deputadas não inscritas) o Governo cantava vitória com a “revisão em alta do crescimento para este ano” e em como “o crescimento agregado de 2021 e 2022 permitirá ao país regressar aos níveis pré-pandemia”. E anunciava o seu mantra para os próximos dias, tendo em conta este cenário: “O país tem possibilidades de fazer escolhas e o Orçamento é um exercício de escolhas.”
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E as opções do Governo passam por “muita atenção à política de rendimentos, do ponto de vista fiscal e prestacional, e com grande enfoque na classe média e nos mais jovens”, declarou o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que nunca quis ir às décimas das previsões macreconómicas. António Mendonça Mendes ficou-se apenas pelo “muito acima dos 5% para o crescimento e “claramente abaixo dos 7%” no desemprego — quando os partidos já tinha detalhado tudo com dados do próprio Governo (ver abaixo).
No geral, o Governo mostrava-se “bastante otimista”, depois de ouvir os partidos: “Estamos otimistas em relação ao cenário que trazemos aqui que é um cenário em que podemos fazer escolhas”. Ainda assim, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares dizia ser pouco provável que se chegasse a acordo com a esquerda mais rapidamente do que nos anos anteriores. “O que é expetável é termos, no mínimo, um calendário semelhante ao do ano passado, nem mais fácil, nem mais difícil”, afirmou Duarte Cordeiro.
Ao final da tarde, o executivo encontrou ainda tempo para um encontro com o grupo parlamentar do PS, que no final dessa reunião, disse que as negociações deste Orçamento do Estado “ainda estão numa fase muito inicial. O governo está a dar a conhecer as linhas gerais, mas é publico que existem parceiros preferenciais e contamos que esses parceiros — Bloco, PCP, PEV, PAN e as deputadas não inscritas –, possam estar disponíveis e convergir com o governo”, disse o deputado João Paulo Correia.
Seguindo aquilo que foi dito de manhã pelo Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, o grupo parlamentar do PS diz que “todos os orçamentos têm a sua própria história” e que “não há processos orçamentais mais fáceis que outros”, acreditando que “na especialidade certamente que os partidos vão assumir posições mais especializadas” e que vai ser possivel viabilizar o documento.
Água fria sobre o “otimismo” e a “corrida ao défice” de 2022
A verdade é que os valores em detalhe já tinham sido avançados, ao longo da manhã. Por exemplo, João Oliveira, o líder parlamentar do PCP, disse aos jornalistas, mal saiu da reunião com o Governo, que 4,6% era a previsão de crescimento do PIB para este ano e 5,5% a do próximo. E isto para concluir: com estas previsões do Governo “não se compreende como é que os trabalhadores da Administração Pública podem estar a perder 11% do poder de compra”. O deputado comunista continuou a apontar “preocupação” com “a falta de resposta do Governo a um conjunto de problemas que marcam a realidade nacional, uns dentro e outros fora do Orçamento”.
Os restantes dados sobre o cenário macroeconómico com que o Governo está a trabalhar na preparação do OE 2022 foram avançados pelo PEV, já ao final da manhã. O deputado José Luís Ferreira disse que a previsão para o emprego é que “regresse aos níveis pré-pandémicos” e que o desemprego este ano irá se fixe nos 6,8% e pouco abaixo, nos 6,5%, no próximo ano. Em 2022 a inflação rondará os 0,9%, a dívida ficará nos 123% e o investimento público vai crescer 30% muito impulsionado pelo Plano de Recuperação e Resiliência que entretanto entrará nestas contas. O deputados dos Verdes explicou, no entanto, que em termos de despesa pública o aumento previsto pelo Governo para o próximo ano é de 7%, sendo 3% da responsabilidade do mesmo Plano.
Numa altura em que as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento estão suspensas — e assim vão manter-se até ao final de 2022 –, o Governo prevê aproximar-se do limite máximo do défice permitido segundo as regras europeias: a previsão é que o défice fique nos 4,5% do PIB este ano e 3,2% em 2022. Os Verdes temem que “a corrida ao défice possa vir a comprometer as respostas que é necessário dar”.
Tal como o PCP, também os Verdes (que estão a negociar o OE com o Governo) se mostra “preocupado” com a falta de “reflexo” da previsão de crescimento “na vida das pessoas”. “Se não valorizamos os salários quando a economia está a crescer, então nunca é oportuno”, atirou José Luís Ferreira.
O PCP mantém silêncio sobre qual será a sua orientação de voto, até conhecer a proposta, e confirma que manterá reuniões com o Governo na perspectiva de um acordo que possa viabilizar o Orçamento do próximo ano. Entretanto vai lembrando que “este é o sétimo” orçamento que discute com o Governo e que nesta altura “a epidemia tornou mais evidentes alguns problemas e agravou outros”: “Não podemos partir para a discussão como se todos os problemas não existissem. Os problemas económicos e sociais que se agravaram com a pandemia precisam de ser considerados com a extensão que têm na vida nacional” e, no entender do PCP, isso não está a acontecer — nomeadamente nos salários da função pública, aponta João Oliveira, que “perderam 11% do seu poder de compra, por falta de aumento e salários consumidos pela inflação”.
BE: otimismo não tem “adesão à realidade”
Antes do PCP mas à saída de uma reunião semelhante com o Governo, Pedro Filipe Soares, do BE (outro parceiro) também disparou com insatisfação: “Ouvimos o primeiro-ministro dizer que estava otimista [sobre as negociações] e parece-nos que é a sua veia otimista”, que “não costuma ter adesão à realidade”, a “vir ao de cima”.
O que o BE identifica são vários “bloqueios e intransigências” do Governo das prioridades do partido, com os direitos laborais e pela “estabilidade” (ou seja, contra a precariedade) dos jovens à cabeça, além do investimento nos serviços públicos, particularmente Saúde e Educação. No ano passado, a insistência do BE em pontos como a revisão das leis laborais — sobretudo as do tempo da troika — ou a exclusividade nas carreiras do SNS ditou a cisão entre bloquistas e socialistas, com o BE a votar contra o Orçamento atualmente em vigor.
Desta vez, o Bloco insiste que há “muito trabalho a fazer”, havendo já reuniões marcadas para as próximas semanas, mas avisa: as prioridades do partido continuam a ter “parca resposta” e é preciso que o Governo “possa rever as suas posições”. E, se o PSD garantiu que o documento está, até ver, virado para as negociações com a esquerda, Pedro Filipe rematou: não existe um “esquerdómetro” para medir a orientação do Orçamento, pelo que as respostas terão de ser dadas “no concreto”. “Está nas mãos do Governo fazer essa escolha”.
PAN vê “sinais positivos” em taxas ambientais e IRS
Até ver, o único partido que disse ter saído das reuniões com algum tipo de “sinais positivos” foi o PAN, embora peça ao Governo que não se fique pelo “manifesto de boas intenções”.
O partido tem ajudado a viabilizar os últimos Orçamentos, fazendo desde 2019 parte do leque de partidos com quem o Governo negoceia durante todo o processo. Agora, o PAN vem pedir que o documento que vai ser entregue não tenha apenas “a marca do PS” e que o diálogo que têm vindo a manter “se traduza em medidas concretas”.
E que medidas são essas? Para já, como assinalou a porta-voz Inês Sousa Real (que vinha acompanhada da líder parlamentar, Bebiana Cunha, e do deputado Nélson Silva), o PAN assinala “com agrado” a intenção de desdobrar escalões do IRS — embora queira que se vá mais longe para “aliviar” a classe média — e assinala o “trabalho” que estará a ser feito para “antecipar moratórias” e taxar outras fontes de energia petrolífera, além da taxa sobre o carbono, para desincentivar “atividades altamente poluentes”. O PAN defende ainda que, se avançar a medida do englobamento do IRS, deve ser aplicada a rendimentos especulativos.
As reivindicações do PAN passam, assim, em boa parte pela “transição energética e justiça ambiental”, mas também pelo combate à precariedade jovem, às desigualdades e pelos meios para a Justiça. E para tudo isto é preciso que o ministério das Finanças liberte dinheiro, sublinhou: “O otimismo do primeiro-ministro não se pode traduzir nos bloqueios do Terreiro do Paço”.
PSD saiu “mais preocupado” do que entrou e David Justino diz ser “natural” que partido vote contra
Antes, o PSD tinha saído da sua reunião, que durou cerca de meia hora, a mostrar-se pessimista. “Saímos mais preocupados do que entrámos”, assumiu o deputado Afonso Oliveira, na análise a um documento que diz estar direcionado para as negociações do Governo com a esquerda e que ainda “está numa fase embrionária”.
Questionado sobre se, como o Executivo tem assegurado, viu sinais de medidas benéficas para a classe média e os jovens, cortou: “Não ficamos com essa evidência”. Foi assim, parca em palavras e com pouca fé nos esforços do Governo, que a comitiva social-democrata, que também incluía os deputados Jorge Paulo Oliveira e Clara Marques Mendes, abandonou a sala.
Na noite de quarta-feira, o vice-presidente do PSD disse que o “mais natural” será os sociais-democratas votarem contra o Orçamento do Estado (OE) para 2022, adiantado que deverá ser aprovado pelos partidos de esquerda.
“É mais natural [o PSD votar contra], mas vamos ver o Orçamento, porque posso estar enganado, posso estar a criar uma expectativa que não corresponde àquilo que é a intenção do próprio Governo”, afirmou David Justino, em entrevista à RTP3.
Para o vice-presidente do PSD, o partido apenas tomará uma posição com dados “mais concretos”, apesar de acreditar na sua aprovação.
“Eu acredito, eu tenho essa expectativa, não é um problema de fé”, observou.
Apontando para as negociações entre o Governo e os partidos de esquerda, David Justino alertou que “a grande pressão é provavelmente da despesa, nomeadamente da pressão que se vai reproduzir depois nos anos seguintes”, vincando que os sociais-democratas não podem aceitar isso.
“[…] É muito difícil [não ser aprovado], sabendo quais são as reivindicações do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda, que é mais despesa, mais emprego, mais isto e não é mais emprego da economia, é mais emprego público”, sustentou.
CDS preocupado com crescimento
No CDS, Cecília Meireles aproveitou a revelação sobre a previsão de crescimento para este ano para dizer que é abaixo do que estava previsto no Orçamento do ano passado para este ano, que era de 5,4%. “O que consegui apreender do que foi dito é que o primeiro trimestre correu de tal maneira que não vai ser possível recuperar no resto do ano”. A deputada do CDS deixou também queixas sobre a questão fiscal, afirmando não ter saído da reunião com “garantias” de que os portugueses não vão pagar mais IRS no próximo ano.
“Fala-se numa revisão de escalões o que pode significar mais ou menos impostos”, disse a deputada que defende que “o essencial” era que “a economia tivesse crescido mais este ano. Era preciso estímulos extra que não passassem pelo PRR mas pela iniciativa privada. Deixar as pessoas e as empresas com mais dinheiro nas mãos para elas mesmas poderem decidir e isso faz-se com alívio fiscal”. O CDS tentou também ter esclarecimentos sobre o englobamento do IRS e se alguns dos rendimentos opcionais podem ter de ser obrigatoriamente incluídos na declaração, mas saiu sem “esclarecimentos cabais”.
Sem surpresas, também o Chega disse ver sinais “muito preocupantes” no que já conhece do Orçamento. André Ventura saiu da sala e logo anunciou que iria “preparar os portugueses” para algumas conclusões que sairão do OE: por um lado, para saberem que “não haverá nenhuma redução fiscal”, nem “no setor dos combustíveis”, o que Ventura considerou “inacreditável”. Por outro, que “provavelmente” será acentuada a progressividade do IRS, o que já se previa, uma vez que António Costa já assumiu estar a preparar um desdobramento dos escalões.
O líder do Chega acrescentou ainda que o Governo “garantiu” que não haverá englobamento geral obrigatório dos rendimentos prediais neste IRS, mas “não garantiu que não haverá para alguns casos”. Ficaram as desconfianças de Ventura — “o Governo vai dar-lhes outro nome, pode chamar-lhes englobamento das margens, ou de algumas franjas” — e algumas conclusões gerais: “É um OE que vai manter a carga fiscal elevada e insistir no modelo de financiamento público. Para Ventura, é difícil perceber “como é que outros partidos estão a pensar viabilizar” o documento.
IL vota contra
A Iniciativa Liberal foi mais concreta. João Cotrim Figueiredo não teve pruridos em anunciar desde logo que o voto do partido será contra, repetindo exatamente a expressão com que o PSD tinha começado o dia: “Saio mais preocupado do que entrei”.
O diagnóstico: “o Governo não tem ideia de como fazer este país crescer” nem de como “controlar a despesa pública” — um “dejá vu” que o deputado chegou a comparar ao início da crise de 2011 — e consegue acumular “falta de noção e falta de controlo” da despesa pública. “Uma viúva alegre”, resumiu, lamentando os “pouquíssimos detalhes” sobre as medidas para ajudar as classes médias e os jovens (“pequenas massagens…”).
O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, e o ministro das Finanças, João Leão, vão ainda reunir-se, esta tarde, com as deputadas não inscritas, Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira.
Atualizado às 00h53 de dia 07/10/2021 para acrescentar a reação de David Justino