Um guindaste gigante de ferro salta à vista em Matosinhos, não só pelo seu tamanho, mas também pela história que transporta. É o Titan, um dos dois icónicos guindastes utilizados na construção do Porto de Leixões, o maior porto artificial do país. Esta quinta-feira, a “máquina colossal” ganhou uma nova vida, depois de ter sido recuperada pela Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo (APDL), num investimento de dois milhões de euros. Agora, o Titan vai estar estático, mas de “portas” abertas para visitas.
“Estamos a falar de uma peça única no mundo. Guindastes deste tamanho são raríssimos e os que existem são de épocas posteriores ao Titan, ou seja, já não são movidos a vapor. Temos aqui um património industrial do nosso país, mas único também no mundo, uma verdadeira relíquia do período industrial e que tem também, por isso, um enorme potencial pedagógico”, explica o historiador Joel Cleto, que coordenou o projeto intitulado de “Titan – O Renascer”.
Em cada ponto de interesse do Titan há placas que contam a sua função e história e há também disponível um QR Code que permite aos visitantes saberem mais informações. Até porque o objetivo deste “renascer” não foi apenas a recuperação da máquina, mas também tornar possível visitas turísticas e pedagógicas a uma máquina que se tornou num ponto de referência da região.
Este guindaste, movido por uma máquina a vapor e alimentado a carvão, com quase 60 metros de comprimento, um peso de 420 toneladas e a capacidade de se erguer até 17 m de altura, permitiu montar, bloco a bloco, os molhes que definiram o Porto de Leixões, entre 1885 e 1895. Movendo-se sobre si próprio, o guindaste deslocava-se sobre carris para depositar os grandes blocos de granito e edificar o novo porto — “um dos maiores desafios da engenharia portuguesa do século XIX”.
É uma máquina complexa, um enorme, gigantesco guindaste movido a vapor. Tinha a missão dificílima, um dos maiores desafios da engenharia portuguesa do século XIX, de erguer os pesadíssimos blocos graníticos, que chegavam a ter 50 toneladas, e que foram formando os molhes. Tinham de ser blocos muito pesados para conseguir resistir ao impacto do mar”, acrescenta Joel Cleto, enquanto faz uma visita guiada pela máquina.
Em 2012, o Titan do molhe sul (Matosinhos) colapsou e fragmentou-se, na sequência de um acidente e de uma explosão durante a construção do novo terminal de cruzeiros, que exigia a deslocação do guindaste. “A corrosão desta atmosfera marítima tinha já colocado o Titan num péssimo estado de conservação e a queda fê-lo fragmentar. Pensava-se, até, que seria de forma irremediável”, descreve o historiador. A APDL decidiu guardar todos os fragmentos desta máquina, o que permitiu que na altura da recuperação “fosse possível resgatar de entre os destroços praticamente todos os elementos mecânicos do Titan”, desde as rodas dentadas, aos veios, às caldeiras e às manivelas da cabine do maquinista.
O novo Titan renasce, assim, com muitos dos elementos originais da máquina, “do seu coração”, mas também algumas partes novas, sobretudo o seu “esqueleto”. Para torná-lo visitável, foram foram feitas algumas adaptações, todas elas assinaladas a uma cor diferente. Desde a casa do carvão à casa da máquina a vapor, passando pela cabine do maquinista (toda em vidro), a visita culmina na lança, braço gigante que permitiu colocar os blocos graníticos onde fossem necessários, a vários metros de distância, e que permite ver a praia, o porto de Leixões e outros pontos do Porto e de Matosinhos.
A partir desta quinta-feira, refere Joel Cleto, esta peça “torna-se incontornável para os professores que querem abordar as questões da energia e explicar como é que funcionava a energia a vapor, ou para os professores de história que querem falar sobre a importância da época industrial e dos mecanismos a vapor”, bem como a componente turística de uma construção “fundamental na imagem portuária” e ligada à identidade da região.
As visitas serão gratuitas até ao final deste mês, à sexta-feira, sábado e domingo. Até ao final do ano, vão passar a ser diárias e o bilhete poderá ser único ou combinado, neste último caso com visita também ao terminal de cruzeiros.
Um Titan que serve de mote “para muitas reflexões”
Depois da visita guiada, seguiu-se a inauguração oficial do Titan, que contou com a presença de Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas e da Habitação, de Luísa Salgueiro, presidente da Câmara Municipal de Matosinhos, e também de Nuno Araújo, presidente da APDL. Em todos, a metáfora foi a mesma: o Titan representa o dinamismo e a resistência à adversidade, não só de Matosinhos, mas da região Norte (que o Porto de Leixões serve).
“Para nós, matosinhenses, o Titan faz parte do nosso cenário. Crescemos a olhar para os dois titans. Quando nos aproximamos do lado sul e norte de Matosinhos vemos estas peças. Durante todos estes anos, estas gerações associam o Porto de Leixões e a praia de Matosinhos à presença do Titan. E era, para nós, inimaginável que eles desaparecessem”, refere Luísa Salgueiro, acrescentando que o icónico guindaste é “símbolo da história” de Matosinhos.
Apesar do foco no futuro da cidade e na qualidade de vida da população, acrescenta a autarca, “nenhuma terra pode construir um futuro se não respeitar o passado”. “E aquilo que temos hoje é esse respeito pelo nosso passado e pelas nossas gentes, por um período histórico da nossa comunidade. E é bom que se revisite esse período e o que isso implicou na vida das pessoas”, sublinha Luísa Salgueiro. Nos recados dados ficou a necessidade de “tornar acessível o terminal de cruzeiros a partir da marginal”.
Já Pedro Nuno Santos aproveitou o Titan como mote para várias reflexões e debates, sublinhando que a importância da recuperação desta máquina “vai para lá da imagem antiga que se tem no horizonte”. “O Titan suscita-nos muitas reflexões. Um país que muitas vezes resiste a desenvolver-se, que tem sempre muitas críticas por fazer, que tem sempre muitos velhos do Restelo, ainda hoje no século XXI. O Titan está cá para mostrar aquela parte, maioritária no nosso país, que decide arriscar contra a adversidade para podermos crescer, desenvolver e sermos melhores”, sublinha o ministro das Infraestruturas e da Habitação.
Pedro Nuno aproveitou ainda para comparar os desenvolvimentos que têm sido feitos nos últimos anos na ferrovia, área que tutela, dando como exemplo a mais recente renovação da oficina de Guifões, também em Matosinhos. “Infelizmente, durante muitas décadas do nosso país, desinvestimos na ferrovia, fomos fechando linhas. Ao mesmo tempo, outros países que iam investindo na rodovia não deixaram de o fazer na ferrovia. Nós não. Nós paramos praticamente o investimento na ferrovia, começamos mesmo a fechar linhas. Aquilo que estamos a fazer, com mais ou menos dificuldade, mas rijos que nem um Titan, é voltar a erguer a ferrovia em Portugal. E Matosinhos será o centro da ferrovia nacional”.